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Estado de Minas LUTO NAS ARTES

"Ainda me emociono", dizia Milton Gon�alves, sobre primeiro aplauso de p�

Ator comentou em entrevista ao "Estado de Minas" sobre os preconceitos que enfrentou e a escassez de protagonistas negros no audiovisual brasileiro


30/05/2022 22:00 - atualizado 30/05/2022 22:09

De terno escuro, gravata azul e usando óculos, Milton Gonçalves observa tela em sala de cinema de Ouro Preto
Homenageado em 2015 pelo CineOP - Festival de Cinema de Ouro Preto, Milton Gon�alves defendeu em seu discurso o direito de artistas negros a pap�is de protagonista (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press - 18/6/2015)

O pioneirismo e a incans�vel luta por mais e melhores espa�os para os atores negros na produ��o audiovisual brasileira s�o as principais marcas que o ator Milton Gon�alves deixa como legado. Um dos grandes nomes da teledramaturgia no pa�s, tendo feito mais de 40 novelas s� na Rede Globo, ele morreu nesta segunda-feira (30/5), em casa, aos 88 anos, em decorr�ncia de problemas de sa�de que vinha enfrentando desde que teve um AVC, em fevereiro de 2020, segundo a fam�lia.

Contratado pela TV Globo em 1965, ele formou, juntamente com C�lia Biar e Milton Carneiro, o primeiro elenco de atores da emissora, onde chegou a convite do ator e diretor Ot�vio Gra�a Mello, de quem fora companheiro de set no filme “Grande sert�o” (1965), dos irm�os Geraldo e Renato Santos Pereira. Desde ent�o, conforme lembra seu filho, o tamb�m ator Maur�cio Gon�alves, lutou pelo reconhecimento do trabalho dos negros e venceu muitos preconceitos.

Em 2015, quando foi o homenageado do CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, Milton Gon�alves falou, em entrevista ao Estado de Minas, sobre essa quest�o. Logo na abertura do evento, dividindo o palco com o tamb�m ator Ant�nio Pitanga, o diretor Joel Zito Ara�jo e a ent�o presidente da Funda��o Palmares Cida Abreu, ele defendeu que conquistar o papel de protagonista � um direito de todos os atores negros.

O filme escolhido para a abertura daquela que foi a 10ª edi��o do festival foi "A rainha diaba" (1974), de Ant�nio Carlos Fontoura, com roteiro de Pl�nio Marcos, que Milton protagoniza no papel de um fora da lei negro e homossexual. Na ocasi�o, ele destacou que o cinema sempre teve um papel importante em sua vida, lhe trazia a vontade de ser her�i.

SONHO 

“O cinema era o sonho de ser amado, respeitado, homenageado pelo p�blico. Levei tempo para entender por que n�o havia her�is negros, por que �ramos tratados como bobos”, disse. Sobre o trabalho em “A rainha diaba”, que lhe rendeu v�rios pr�mios, ele falou ao Estado de Minas sobre o sentimento de ter atingido um lugar de destaque, que poderia abrir caminhos para si e para outros atores negros.

“Imagine algu�m como eu, vindo de Monte Santo de Minas, que teve uma vida dif�cil, estar no Rio de Janeiro ganhando pr�mios importantes. Quando subi ao palco, o p�blico se levantou e me aplaudiu de p�. At� hoje fico emocionado ao lembrar”, conta. “Queria ter feito mais filmes, mas n�o existiam personagens negros como protagonistas. O que havia eram participa��es ou o folclore, o que � complicado”, ressaltou o ator.

“Ainda faltam filmes que nos mostrem como part�cipes da civiliza��o brasileira. Somos metade da popula��o. Temos de estar em todas as manifesta��es”, disse Milton, apontando a falta de personagens bons, profundos, de respeito. 

“Quando eu era jovem, a situa��o era ainda pior. N�o v�amos o brasileiro negro nos filmes. Ainda t�nhamos de brigar para ser respeitados como cidad�os”, destacou. Milton chegou a ser barrado em um clube e ouviu de um policial que o abordou que a Avenida Paulista n�o era lugar para negro passear. Ele disse, ainda, que sentia ter cumprido sua miss�o de abrir caminho. “Agora, outros precisam se sentir part�cipes dessa hist�ria.”

Milton Gonçalves e Joel Zito Araújo sorriem, apoiados em janela de estilo colonial, em Tiradentes
Milton com o ator e o cineasta Joel Zito Ara�jo, em Tiradentes, em 2005, quando participaram da Mostra de Cinema com o longa-metragem "As filhas do vento" (foto: Emmanuel Pinheiro/EM/D.A.Press - 27/1/2005)

ESTREIA PROFISSIONAL 

Nascido em 9 de dezembro de 1933, em Monte Santo (MG), Milton Gon�alves se mudou com a fam�lia, ainda crian�a, para S�o Paulo, onde foi aprendiz de sapateiro, de alfaiate e de gr�fico. Nesse per�odo, fez teatro infantil e amador. Sua estreia profissional ocorreu em 1957, no Arena, na pe�a “Ratos e homens”, de John Steinbeck.

O cinema sempre foi uma paix�o desde a inf�ncia, mas foi tamb�m por meio da teledramaturgia que o ator conquistou popularidade e p�de al�ar voos mais altos. Lembrado por personagens marcantes na televis�o brasileira, como o Zel�o das Asas, de “O bem amado” (1973), o m�dico Percival, de “Pecado capital” (1975), e o Pai Jos�, de “Sinh� Mo�a” (1986), ele tamb�m teve uma participa��o de destaque no infantil “Vila S�samo” (1972), onde deu vida ao Professor Le�o.

Milton participou, ainda, de outras produ��es, como “Roque Santeiro” (1985), “Tenda dos milagres” (1985), “As noivas de Copacabana” (1992), “Agosto” (1993) e “Chiquinha Gonzaga” (1999), al�m de ter atuado em miniss�ries de sucesso e programas humor�sticos, como a primeira vers�o de “A grande fam�lia” (1972).

Outros trabalhos de destaque do ator foram as s�ries “Carga pesada” (1979) e “Caso verdade” (1982-1986). J� como diretor, sua primeira experi�ncia aconteceu na novela “Irm�os coragem” (1970), de Janete Clair. Ele tamb�m dirigiu os primeiros cap�tulos das novelas “Selva de pedra” (1972) e “Escrava Isaura” (1976), uma das mais vistas no mundo.

INDICA��O AO EMMY 

Tendo participado da “Sinh� mo�a” original, em 1986, sua atua��o como Pai Jos� na segunda vers�o da novela lhe valeu a indica��o como melhor ator no Emmy Internacional. Na cerim�nia, apresentou o pr�mio de melhor programa infantojuvenil ao lado da atriz norte-americana Susan Sarandon. Milton foi o primeiro brasileiro a apresentar o evento. A �ltima novela de que ele participou na TV Globo foi “O tempo n�o para” (2018), em que interpretou o catador de materiais recicl�veis Eliseu.

Seus �ltimos trabalhos na emissora foram em 2019, na miniss�rie “Se eu fechar os olhos agora”, inspirada na obra hom�nima de Edney Silvestre, e no especial de Natal “Juntos a magia acontece”, como o aposentado Orlando, que com a ajuda da neta se tornava Papai Noel. O programa ganhou o Le�o de Ouro na categoria entretenimento, no Festival Internacional de Criatividade, em Cannes. Atualmente, Milton pode ser visto no ar com a reprise de “A favorita” no “Vale a pena ver de novo”.

Sua intensa atua��o na televis�o nunca o afastou do cinema. Ele estrelou mais de 50 filmes, como “Cinco vezes favela” (1962), dos diretores Marcos Farias, Miguel Borges, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade e Cac� Diegues; “Gimba, presidente dos Valentes” (1963), de Fl�vio Rangel; “O que � isso, companheiro?” (1997), de Bruno Barreto; “O beijo da mulher aranha” (1985) e “Carandiru” (2003), ambos de H�ctor Babenco.

MILIT�NCIA POL�TICA 

O ator tamb�m teve importante milit�ncia pol�tica. Simpatizante do Partido Comunista Brasileiro na juventude, chegou a se candidatar ao governo do Rio de Janeiro em 1994, pelo PMDB, mas, ao final do primeiro turno, teve somente pouco mais de 4% dos votos. Ele, no entanto, ocupou outros cargos p�blicos, como a Superintend�ncia Regional da RadioBr�s Setor Sul, entre 1985 e 1986; foi membro do Conselho de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, do Conselho de Artes do Pa�o Imperial do Rio de Janeiro e do Conselho Cultural da Funda��o Palmares.

Milton Gon�alves n�o conseguiu viver o bastante para ver um de seus sonhos realizados: o Brasil sendo comandado por um presidente negro. Em entrevista que concedeu em 2019, ele contou que ter um governante negro no poder seria uma das coisas que o deixariam mais realizado na vida.

“O que me falta neste momento no meu Brasil, o que me deixaria alegre, � que n�s tiv�ssemos um presidente negro, porque n�s somos um percentual grande neste pa�s. No dia em que n�s tivermos um presidente negro, a� eu vou dizer: n�s batalhamos. Os Estados Unidos tiveram um presidente negro e n�s n�o temos? Isso me incomoda. N�o interessa se v�o ficar zangados, se v�o dizer que sou racista. Quero � que nosso povo brasileiro, que � de �ndios, negros, orientais, estejamos todos juntos”, disse o ator na �poca em refer�ncia a Barack Obama, presidente dos EUA entre 2009 e 2017.

PRESIDENTE NA FIC��O 

Pelo menos em sua carreira, Milton conseguiu ver seu sonho acontecendo. Em 2010, o ator deu vida a Ernesto Dantas, presidente do Brasil no longa “Seguran�a nacional”. Sua experi�ncia no universo da pol�tica tamb�m o ajudou a compor o personagem Romildo Rossi, o pol�tico corrupto de “A favorita” (2008), de Jo�o Emanuel Carneiro.

Em 2019, o ator se viu em meio a uma pol�mica quando processou o tamb�m ator Paulo Betti por racismo, diante de uma fala considerada “infeliz” e que fazia “distin��o entre brancos e negros” durante a disputa pela presid�ncia do Sindicato dos Artistas e T�cnicos em Espet�culo de Divers�es do Estado do Rio de Janeiro (Sated-RJ), em junho daquele mesmo ano. A a��o acabou sendo arquivada e encerrada ap�s pedido dos pr�prios advogados de Milton.

Em comunicado, sua filha, Alda Gon�alves, escreveu: “Agradecemos ao p�blico que gostava dele o carinho e a for�a positiva que todo mundo teve com a gente. Que todo mundo tenha a certeza absoluta de que ele foi em paz, com muita tranquilidade, ao lado da fam�lia. Foi encontrar minha m�e e fazer muita arte l� em cima”. O vel�rio ocorrer� nesta ter�a-feira (31/5) no Theatro Municipal, no Centro do Rio de Janeiro. 


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