
Nos meses iniciais da pandemia, cada um se virou como p�de. No caso da dramaturga Silvia Gomez, as ang�stias foram levadas ao Facebook. Pequenas postagens com frases avulsas - algumas dela mesma, outras que recolheu em intera��es via whatsapp, videoconfer�ncia ou telefone, a comunica��o poss�vel durante o isolamento - deram origem a “Pequena cole��o de frases em tempos de fundos pensamentos”.
O projeto de rede social acabou se tornando texto para ser apresentado on-line que, por sua vez, originou o espet�culo hom�nimo, a 19ª pe�a do Grupo Teatral Encena. Em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde cumpre temporada de quatro semanas at� 11 de julho, � tamb�m a primeira montagem mineira para palco de um texto de Silvia Gomez, belo-horizontina radicada em S�o Paulo h� duas d�cadas.
AMIGOS
Sob a dire��o de Wilson Oliveira, os atores Gustavo Werneck, Christiane Antu�a, Raquel Lauar e Arthur Barbosa interpretam quatro amigos que se reencontram ap�s a morte de uma amiga comum.
“Conversando sobre o que ela deixou, os personagens falam sobre o que est� acontecendo com o Brasil e com eles mesmos. A partir da situa��o de inseguran�a geral no mundo e da pr�pria exist�ncia, eles precisam se apoiar para continuar. � um texto otimista, que gera ampla discuss�o”, diz Oliveira.
At� que o texto final ficasse pronto para ser encenado houve longo caminho, relembra Silvia. “Senti que principalmente no momento inicial da pandemia, a comunica��o e os di�logos tinham ficado muito urgentes. Pelo menos no meu c�rculo, as conversas eram mais sinceras, a fala se tornou fervilhante.”
Em maio de 2020, ela j� tinha o texto de “Pequena cole��o de frases...”, que foi selecionado para o projeto “Cenas do confinamento – Leituras dram�ticas virtuais”. Este rendeu um e-book com trabalhos de autores brasileiros, argentinos, colombianos, espanh�is e peruanos.

TIA YARA
Antes mesmo da crise sanit�ria, Silvia Gomez havia conversado com Oliveira sobre a possibilidade de o Encena montar um texto dela. “Foi o primeiro grupo que vi se reunir para fazer teatro. Ainda na inf�ncia, nos anos 1980, a tia Yara (de Novaes, que participou da fase inicial da companhia) me levava para os ensaios. Considero que minha forma��o teatral come�ou ali, vivenciando as coxias. Ent�o, estou orgulhosa de escrever para eles, que me apresentaram o teatro.”
Autora de textos sobre o tempo presente, normalmente quest�es que a incomodam, Silvia deixou Belo Horizonte no in�cio dos anos 2000. O jornalismo a levou para S�o Paulo e foi naquela cidade que ela come�ou a escrever para teatro.
A mineira estudou e trabalhou muito tempo no Centro de Pesquisa Teatral (CPT), criado por Antunes Filho, onde, at� 2011, atuou no chamado c�rculo da dramaturgia. A estreia profissional como autora se deu em 2008, com a montagem “O c�u cinco minutos antes da tempestade”.
''Fazemos pe�as infantis, juvenis e adultas com o foco sempre nos conflitos do homem urbano. � algo importante para n�s, talvez porque vivamos todos em grandes cidades, o que gera tens�o e conflito''
Wilson Oliveira, diretor
Wilson Oliveira, que formou o Encena em 1984 – ao lado de Gustavo Werneck, Yara de Novaes, Fernando Ernesto e Elisa Santana –, leu a primeira vers�o do texto e confirmou a inten��o de lev�-lo para os palcos. “Mas eu precisava que ela ampliasse o texto para que virasse dramaturgia para teatro. Conversamos muito tempo, observando o que estava acontecendo naquele momento hist�rico”, ele conta.
A primeira vers�o foi aprovada. “Disse a ela que queria todas as palavras que estavam ali, mas de forma que os personagens pudessem interagir.” Silvia fez a segunda vers�o. “� um texto para o palco, mas sempre assumindo o lugar do experimental. Hoje podemos definir o teatro contempor�neo de muitas formas”, acrescenta ela.
FIGURINHAS
De posse das duas vers�es, Oliveira e a assistente de dire��o Adelia? Carvalho trabalharam no texto final. “A perda de uma grande amiga representa um pouco o tempo de luto. Ao se encontrarem para conversar, trocar essa cole��o de figurinhas, os personagens refletem sobre quest�es �s vezes pessoais, �s vezes coletivas.
O pr�prio t�tulo, ‘Pequena cole��o de frases’, traz a ideia do falar como espa�o que nos salva do vazio, que permite o encontro com outro. As frases fundas e inquietantes borbulham dentro de n�s. Quanto mais os personagens falam, mais chegam num lugar absurdo”, acrescenta Silvia.
O pr�prio t�tulo, ‘Pequena cole��o de frases’, traz a ideia do falar como espa�o que nos salva do vazio, que permite o encontro com outro. As frases fundas e inquietantes borbulham dentro de n�s. Quanto mais os personagens falam, mais chegam num lugar absurdo”, acrescenta Silvia.
O Encena vem trabalhando a nova montagem h� tr�s meses. � o primeiro espet�culo do grupo desde 2019, quando houve a temporada de “A morte e a donzela”, de Ariel Dorfman. Caminhando para os 40 anos de sua funda��o – em 2024 –, a trupe tem mantido boa m�dia de espet�culos, um a cada dois anos.
“Fazemos pe�as infantis, juvenis e adultas com o foco sempre nos conflitos do homem urbano. � algo importante para n�s, talvez porque vivamos todos em grandes cidades, o que gera tens�o e conflito”, explica o diretor.
Formado em teatro pelo Cefart (ent�o Cefar, Centro de Forma��o Art�stica da Funda��o Cl�vis Salgado), Oliveira foi logo depois para a Oficina de Teatro, escola livre criada por Pedro Paulo Cava. Ali se encontrou com Yara e Gustavo, tamb�m estudantes. “Disse para eles que ningu�m chamaria a gente, ent�o dever�amos fazer uma pe�a”, relembra.
TORTURA E CENSURA
Na �poca, Oliveira havia se encantado com “A lira dos 20 anos”, de Paulo C�sar Coutinho. Com t�tulo que alude � obra m�xima do poeta rom�ntico �lvares de Azevedo, a pe�a, montada no fim da ditadura militar (1964-1985), acompanha um grupo de jovens que luta a favor da liberdade e contra a tortura e a censura nos anos 1960.
“Era um texto t�o parecido com o que a gente pensava da vida, ent�o resolvemos fazer. Foi uma montagem eletrizante, pois est�vamos motivados pelo mesmo tema”, diz o diretor. Da forma��o inicial do Encena permaneceram ele e Gustavo Werneck – Christiane Antu�a entrou uma d�cada depois.
Desde ent�o, a cada montagem o Encena trabalha com atores de diferentes gera��es. Com o grupo, Raquel Lauar participou da pe�a “Nossa cidade”. J� Arthur Barbosa, ator rec�m-formado, est� fazendo seu batismo no Encena em “Pequena cole��o de frases...”.
“Gosto de reunir quem est� chegando agora e quem j� est� no grupo h� mais tempo”, finaliza Wilson Oliveira.
“PEQUENA COLE��O DE FRASES EM TEMPOS DE FUNDOS PENSAMENTOS”
Espet�culo do Grupo Teatral Encena. Teatro 1 do Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB BH. Pra�a da Liberdade, 450, Funcion�rios, (31) 3431-9400. Temporada de sexta a segunda-feira, �s 20h, at� 11 de julho. Ingressos:
R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada), na bilheteria e pelo site www.eventim.com.br