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Estado de Minas ENSAIO

Fil�sofo explica em livro a degrada��o do debate p�blico no Brasil

Francisco Bosco tamb�m prop�e um caminho para a retomada da via pol�tica saud�vel em "O di�logo poss�vel - Por uma reconstru��o do debate p�blico brasileiro"


28/06/2022 04:00 - atualizado 27/06/2022 22:30

De barba, Francisco Bosco, de perfil, ao ar livre, com paisagem de vegetação ao fundo
Francisco Bosco diz que com seu novo livro tenta "fazer com que as pessoas utilizem esse gloss�rio fundamental da pol�tica com maior conhecimento de causa" (foto: Bel Pedrosa/Divulga��o)

"Para um grupo social muito fragilizado, o pertencimento grupal pode dar a esse grupo o apoio psicol�gico necess�rio para que tenha condi��es de lutar por suas reivindica��es dentro de um debate p�blico que normalmente lhe � hostil. Para indiv�duos em geral, o pertencimento a grupos traz muitos benef�cios narc�sicos, aqueles que todos n�s conhecemos em alguma medida ou registro das nossas vidas"

Francisco Bosco, fil�sofo



Ao longo dos �ltimos quatro anos, o ensa�sta e fil�sofo Francisco Bosco se debru�ou sobre um estudo para procurar entender a deteriora��o do debate p�blico brasileiro. Dessa imers�o, na observa��o de como o Brasil tornou-se um pa�s polarizado e regido por discuss�es que passam ao largo da argumenta��o embasada, Bosco retornou com “O di�logo poss�vel — Por uma reconstru��o do debate p�blico brasileiro”. No livro, ele busca compreender como a sociedade brasileira chegou ao ponto de alimentar um debate inflamado, mitificado, agressivo e autorit�rio, em “peti��o de mis�ria conceitual”.

A internet teve uma parcela de culpa, mas as pr�prias op��es pol�ticas da redemocratiza��o tamb�m tiveram seu papel. “Minha hip�tese � que, nesses anos recentes, muito decisivos para a vida brasileira, aconteceu um fen�meno que foi a politiza��o generalizada da sociedade brasileira”, afirma. 

O fen�meno poderia ser comemorado, j� que o pr�prio conceito de democracia tem como crit�rio fundamental a participa��o popular. “Ocorre, entretanto, que a participa��o popular, que aumentou muito, se deu simultaneamente � emerg�ncia das redes digitais, um espa�o muito atravessado e constitu�do pelo que a psican�lise chama de registro do imagin�rio, que � o registro do narcisismo.”

Bosco explica que a l�gica de grupo instalada na sociedade brasileira � um dos impedimentos para um debate saud�vel. “O debate p�blico � um lugar em que diferentes perspectivas, diferentes argumentos, evid�ncias cient�ficas ou emp�ricas, tudo isso � reunido e friccionado, argumentos contr�rios se chocam e por meio desse confronto as pessoas aperfei�oam sua vis�o sobre determinado assunto ou fen�meno e definem suas posi��es.”

Esse mecanismo, no Brasil, estaria emperrado e dominado pela l�gica de grupo, na qual a vontade de pertencimento e aceita��o � maior do que a interpreta��o honesta da realidade. A partir de uma perspectiva pol�tica, mas tamb�m filos�fica, psicol�gica e social, Bosco prop�e a desaliena��o do debate por meio da restaura��o do vocabul�rio pol�tico. 

Cogni��o

Para ele, h� um problema cognitivo na sociedade brasileira quando se trata de compreender o real significado de palavras como neoliberal, liberal, socialista, conservador, populista, fascista, identit�rio e outras que hoje est�o carregadas de peso ideol�gico.

“Tento mostrar o que essas palavras significam nos seus respectivos campos te�ricos, que s�o, normalmente, a sociologia, a ci�ncia pol�tica, a hist�ria. Tento fazer com que as pessoas utilizem esse gloss�rio fundamental da pol�tica com maior conhecimento de causa”, diz. “Minha premissa � que essas palavras, dentro do centro do novo espa�o p�blico que s�o as redes sociais, est�o usadas de maneira extremamente falsificadas, mitificadas.” 

Na entrevista a seguir, Bosco fala sobre as reflex�es que levaram ao livro e suas expectativas para o futuro do pa�s.

Pode contar o que motivou a escrita de ''O di�logo poss�vel''?
O que me motivou foi a minha observa��o feita ao longo dos �ltimos anos de que o debate p�blico no Brasil, cujo centro passou a ser as redes sociais, esse debate p�blico est� em um estado que chamo de disfuncional, porque a fun��o do debate p�blico � precisamente transformar a posi��o das pessoas. O debate p�blico est� emperrado. Em vez de estar produzindo transforma��es e aprimorando as interpreta��es da realidade, levando a respostas mais verdadeiras e eficientes aos desafios da realidade, o debate p�blico tem produzido um entrincheiramento cada vez maior em posi��es cada vez mais fixas, que � uma outra forma de chamar o que se tem chamado de polariza��o. A polariza��o tal como estamos experimentando hoje � uma esp�cie de perturba��o do bom estado de funcionamento do debate p�blico. Tentei identificar as raz�es disso, de por que o debate p�blico est� disfuncional no Brasil.

Como a l�gica de grupo explica o que estamos vivendo?
Talvez a tese principal do livro seja de que a raz�o principal da disfuncionalidade do debate p�blico brasileiro seja de ordem antes psicoafetiva do que pol�tica cognitiva. Dentro desse registro, foram se formando l�gicas de grupo, um fen�meno que a psican�lise estudou bastante. Quando o indiv�duo faz parte de um la�o de identifica��o grupal, seja por meio de uma religi�o, time de futebol, ideologia ou partido pol�tico, ele colhe benef�cios psicol�gicos importantes. Ent�o, para um grupo social muito fragilizado, o pertencimento grupal pode dar a esse grupo o apoio psicol�gico necess�rio para que tenha condi��es de lutar por suas reivindica��es dentro de um debate p�blico que normalmente lhe � hostil. Para indiv�duos em geral, o pertencimento a grupos traz muitos benef�cios narc�sicos, aqueles que todos n�s conhecemos em alguma medida ou registro das nossas vidas.

''Assim como a direita dominante, a esquerda dominante tamb�m tende a uma caricatura das posi��es de direita que s�o igualmente complexas e variadas. O debate est� muito atravessado por essas caricaturas que falsificam a realidade e nos distanciam da possibilidade de constru��o sen�o de consensos pelo menos de conflitos esclarecidos''

Francisco Bosco, fil�sofo



Narcisismo, gozo e reconhecimento norteiam a l�gica de grupo. Qual o custo social disso?
Esse prazer do acolhimento tem um custo social alto, as pessoas tendem a sacrificar a interpreta��o honesta da realidade quando essa interpreta��o corre o risco de p�r em xeque as premissas do grupo e, logo, os prazeres que o indiv�duo retira da reprodu��o sistem�tica das produ��es do grupo. No conflito entre a complexidade do fen�meno social e exig�ncias de alinhamento incondicionante do grupo, o que tem prevalecido s�o os imperativos do grupo. E isso � um dos fatores que impedem o debate p�blico de exercer sua fun��o no Brasil. � como se estiv�ssemos girando em falso, porque cada grupo est� preocupado com a manuten��o das verdades do seu pr�prio grupo em vez de submeter essas verdades a um exame honesto da realidade, que se orienta por evid�ncias cient�ficas, dados emp�ricos, argumentos convincentes por pesquisas hist�ricas, apresenta��es conceituais. Isso � o que deveria orientar o debate p�blico e n�o o compromisso com o prazer proporcionado pelas l�gicas de grupos.

Como a mistifica��o da realidade afeta o debate?
A mistifica��o grotesca da realidade impede qualquer conversa poss�vel e qualquer compreens�o mais correta da realidade que nos permita tamb�m receitar rem�dios para a realidade. Nos dois lados, acontece a mesma coisa. Assim como a direita dominante, a esquerda dominante tamb�m tende a uma caricatura das posi��es de direita que s�o igualmente complexas e variadas. O debate est� muito atravessado por essas caricaturas que falsificam a realidade e nos distanciam da possibilidade de constru��o sen�o de consensos pelo menos de conflitos esclarecidos. A maioria dos conflitos que estamos vivendo nos �ltimos anos s�o conflitos irreais, falsos problemas. Ent�o, vamos tentar identificar os verdadeiros problemas da sociedade brasileira e pensar as solu��es poss�veis dessa etapa inicial de desmistifica��o do debate.

''O modo como o PT enxergou o governo PSDB era um modo que rebaixou muito esse governo e vice-versa. Isso produziu, ao longo do tempo, uma corros�o rec�proca da credibilidade de ambos os partidos na sociedade brasileira. Isso foi um dos fatores que produziu um sentimento antissistema generalizado que eclodiu em 2013''

Francisco Bosco, fil�sofo



Em que momento, em sua opini�o, o debate p�blico brasileiro come�ou a se degradar?
� uma hist�ria feita de diferentes temporalidades. Come�ando pela redemocratiza��o, acho que teve um problema que foi o seguinte: a vida pol�tica, em geral, mas especialmente no Brasil, � feita de duas dimens�es. Uma dimens�o � a parasit�ria da pol�tica: s�o pr�ticas como patrimonialismo, corporativismo, fisiologismo. � toda aquela dimens�o da pol�tica institucional em que se governa e legisla em causa pr�pria e n�o pensando nos grupos sociais ou tentando construir projetos coletivos. A dimens�o parasit�ria da pol�tica sempre foi muito forte no Brasil. Outra dimens�o � propriamente a pol�tica: pensar o funcionamento da experi�ncia social das institui��es e apresentar � sociedade propostas de pol�ticas p�blicas no sentido de orientar a sociedade para esse ou aquele caminho de acordo com as diretrizes ideol�gicas propostas. Durante a democratiza��o, dois partidos foram respons�veis por essa dimens�o: PSDB e PT, que governaram o Brasil durante as melhores d�cadas de redemocratiza��o.

Como isso ocorreu?
Ambos os partidos fizeram representa��es um do outro que eram distorcidas para fins eleitorais. Ent�o, o modo como o PT enxergou o governo PSDB era um modo que rebaixou muito esse governo e vice-versa. Isso produziu, ao longo do tempo, uma corros�o rec�proca da credibilidade de ambos os partidos na sociedade brasileira. Isso foi um dos fatores que produziu um sentimento antissistema generalizado que eclodiu em 2013. A gente entrou numa fase da crise institucional, social e cultural que levaria a esse estado de coisas. Talvez o principal acontecimento seja o impeachment da Dilma, a maior viola��o do princ�pio da autoconten��o na vida pol�tica brasileira. As regras n�o escritas n�o s�o leis, s�o certas expectativas de um comportamento que renuncie a obter ganhos eleitorais imediatos se esses ganhos forem correr o risco de corroer as bases da legitimidade do sistema pol�tico. Bolsonaro soube capturar para si esse sentimento antissistema.

capa do livro, 'O diálogo possível - Por uma reconstrução do debate público brasileiro'
(foto: Todavia/reprodu��o)
“O DI�LOGO POSS�VEL — POR UMA RECONSTRU��O DO DEBATE P�BLICO BRASILEIRO”
. De Francisco Bosco
. Todavia
. 460 p�ginas
. R$ 89,90


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