Rolling Stones fazem incendi�ria turn� de despedida na Europa
Os shows de "Sixty", giro que comemora os 60 anos da banda, come�am com homenagem ao baterista Charlie Watts e mostram o trio remanescente em plena forma
Os shows de "Sixty", giro que comemora os 60 anos da banda, come�am com homenagem ao baterista Charlie Watts e mostram o trio remanescente em plena forma; acima a apresenta��o em Lyon, na ter�a passada
JEFF PACHOUD / AFP
Lyon, Fran�a – Como resumir 60 anos num espet�culo de duas horas? E, leia bem, caro leitor, em se tratando dos Rolling Stones, a palavra � espet�culo. Show fica para os mortais. Escolher as m�sicas que v�o compor a turn� “Sixty”, em comemora��o �s seis d�cadas de carreira, deve ser a parte mais dif�cil, porque, para o resto, os vov�s do rock parecem n�o ter visto o tempo passar desde o primeiro concerto, em 12 de julho de 1962, no Marquee Club, em Londres.
Percorrendo a Europa desde 1º de junho, eles acabam de passar pela Fran�a. Com as datas deste ano, totalizaram 54 shows na Fran�a, ao longo da carreira.
A �ltima ter�a-feira (19/7), dia em que se apresentaram em Lyon, foi um dia quente, em todos os sentidos. Temperaturas bateram recorde em toda a Europa e v�rias cidades francesas beiraram ou ultrapassaram os 40 graus.
Eram 21h05 quando os Stones entraram no palco do est�dio de futebol do Olympique Lyonnais. “� nosso 53º show na Fran�a e, sem d�vidas, o mais quente”, disse Mick Jagger. E n�o era para menos. Neste momento, fazia 36 graus � sombra – no ver�o, o sol se p�e quase �s 22h. A partir dali, ningu�m mais se lembrou do calor.
Logo antes de os m�sicos entrarem no palco, os tel�es mostraram imagens de Charlie Watts, o lend�rio baterista do grupo, falecido h� quase um ano. “� particularmente emocionante. Ele nos faz tanta falta”, disse Jagger.
D�CADA DE 60
As guitarras come�aram ao ritmo de “Street fighting man”, can��o escrita em 1968, em refer�ncia aos eventos do m�s de maio daquele ano na Fran�a. As composi��es da d�cada de 60 dominaram, sendo mais da metade do set list: “Let’s spend the night together”, “Honky Tonk women”, “You got the silver”, “Midnight rambler”, “Jumpin’ Jack Flash”, e as emblem�ticas “Paint it black”, “Sympathy for the devil”, “(I can’t get no) Satisfaction”.
Os anos 1970 foram representados em Lyon por “Tumblin’ dice”, “Out of time”, “Dead flowers”, “Angie”, “Happy”, “Miss you”. Da d�cada de 1980, veio a ic�nica “Start me up” e, para completar o repert�rio, a mais recente, “Living in a ghost town”, lan�ada durante o confinamento de 2020.
Na sexta m�sica, o est�dio, j� tomado pela noite, foi iluminado por milhares de celulares, a postos para gravar a passagem de “Angie”, sem d�vida, o momento mais emocionante e a mais linda can��o – pelo menos para a autora dessas linhas. Keith Richards e Ronnie Wood tomaram (ainda mais) conta da cena na 10ª e na 11ª m�sicas.
Ao lado do parceiro de guitarra, Keith assumiu o microfone para cantar “You got the silver” e “Happy”, �nico momento em que Mick Jagger se ausentou nos bastidores. O guitarrista ganhou ares quase juvenis ao falar do prazer de reencontrar o p�blico e estar ali. Jagger voltou para cantar “Miss you” e “Midnight rambler”, para, em seguida, incendiar o est�dio com “Paint it Black”.
Ainda no rol das sessentonas m�ticas, “Gimme Shelter” estava prevista no set list desenhado e assinado por Ronnie, mas n�o foi tocada – deixando muita gente na vontade. Fazendo o est�dio todo se levantar, “Satisfaction” fechou a noite, e o t�tulo n�o podia ser melhor. Se bem que, sim, se tivesse alguma m�sica chamada “�xtase”, “�pico”, “sem palavras” ou algo do tipo, para resumir o sentimento das 50 mil pessoas presentes no est�dio de Lyon.
Mas, no meio da festa, a incivilidade tamb�m marcou presen�a. Numa parte das cadeiras, um grupo de brasileiros era o �nico que insistia em ver o show de p�, no corredor entre os assentos e a grade, pulando e dan�ando com bandeira verde-amarela levantada. Os seguran�as os abordaram tr�s vezes para faz�-los retomar seus lugares e desbloquear a vis�o de quem estava atr�s.
ADEUS
A turn� europeia “Sixty” � tamb�m chamada “turn� do adeus” ou “turn� europeia de despedida”. Mick Jagger completa 79 anos na pr�xima ter�a-feira (26/7) e Keith Richards ter� a mesma idade em dezembro. O mais novo � Ronnie Wood, com 75 rec�m-completados.
Com 60 anos de estrada, a banda faz hist�ria, �nica no mundo, maior grupo de rock do planeta em atividade. Discografia e carreiras falam por si. Mick, Keith e Ronnie lotam est�dios sem propaganda sequer. Pelo menos na Fran�a, o show n�o teve an�ncios em cartaz, outdoor ou inser��es em outros meios de comunica��o.
Na plateia, gente de todas as idades compartilhou um momento inesquec�vel. Havia desde crian�as de 5 anos ou menos at� octogen�rios. Gente que j� viu os Rolling Stones diversas vezes e quem os via pela primeira vez – todos, com certeza, dispostos a ver ainda quantas vezes forem poss�veis.
Mas, vendo-os no palco, � dif�cil acreditar e falar em �ltima vez. Nem garot�es t�m tanta energia. As guitarras soam como um som de divindade, que entra nos ouvidos e hipnotiza. Foram duas horas de espet�culo, que contou com abertura da banda brit�nica Nothing But Thieves, num aut�ntico rock ingl�s.
Teria sido um show brilhante para a banda de abertura, se 50 mil pessoas n�o estivessem ali para, de fato, ver os quase octogen�rios do rock. Os tr�s Stones trocaram de roupas como trocaram de guitarras, praticamente a cada m�sica. Mick Jagger e sua gaita fazem coro ao time de saxofonistas, percuss�o, piano, backing vocals.
Ronnie e Keith andam de um lado para o outro, mas n�o tanto quanto Jagger. Tem que ter preparo f�sico para percorrer um palco que � condizente com a grandeza da banda. Dif�cil � acreditar ainda na idade de Mick Jagger. Se o rosto revela as rugas de um homem de 78 anos, a silhueta fina se recusa a acompanhar o tempo.
Ele sacode e chacoalha o corpo, mexe os quadris com sua marca intacta de sensualidade e erotismo. Desce at� o ch�o, como num passo de funk, com classe, sem ser vulgar. Ventiladores estrategicamente colocados no palco levantam a blusa preta que ele usa por baixo das camisas e revelam um abdome sarado. � a simpatia com o diabo em pessoa, com direito a ma�� e serpente ao lado.
A intera��o com o p�blico foi uma constante, num franc�s perfeito, falando quase nada em ingl�s. Arrancou aplausos quando fez piada sobre a rivalidade entre os times de futebol do Olympique Lyonnais e do Sainte-�tienne, dizendo que os torcedores do primeiro cantam melhor que os do segundo. Contou sobre o que comeu na cidade que tem o t�tulo de capital da gastronomia do mundo. “Lyon estragou meu regime!”, brincou.
Mick Jagger acena para f�s em frente ao hotel em que se hospedou em Amsterd�, na passagem da turn� pela Holanda, no �ltimo dia 7
Evert Elzinga / ANP / AFP
Mick Jagger em modo turista
Os Stones t�m uma hist�ria especial com a Fran�a. Mick Jagger � radicado no pa�s, onde tem um castelo desde a d�cada de 1980 – foi nele que passou o primeiro confinamento, em 2020. Mas, antes disso, j� tinham experimentado os ares do Hex�gono europeu, como mostra o document�rio “A hist�ria francesa dos Rolling Stones”, de Rapha�lle Baillot e Elise Le Bivic, exibido pelo canal France T�l�visions.
Em 1971, depois de serem taxados em 95% na Inglaterra por causa das altas rendas, eles deixam a Gr�-Bretanha para um ex�lio dos sonhos na C�te d’Azur, no Sul da Fran�a. Keith Richards aluga uma mans�o neocl�ssica em Villefranche-sur-Mer, perto de Nice. Logo depois, Mick Jagger, provisoriamente instalado em Paris; Bill Wyman (baixista dos Stones at� 1993) e Charlie Watts (1941-2021), j� na C�te d’Azur, v�o se juntar a ele, na emblem�tica Vila Nellc�te. � no subsolo da casa que eles gravam o �lbum “Exile on Main St”.
No palco e fora dele, a idade revela, sobretudo, a maturidade dos Stones. Se a imagem da banda era alimentada pela f�rmula sexo, drogas e rock n’ roll, algo mudou no segundo item. No document�rio, o fot�grafo franc�s Jean-Marie P�rier, que foi � Nellc�te fotograf�-los por um dia e acabou morando meses com o grupo a convite de Keith Richards, conta ter acreditado que aquele seria o �ltimo ver�o que veria Keith vivo, tal era o consumo de coca�na.
E eis que o guitarrista est� a� at� hoje. Imagens de arquivos e quem foi em d�cadas passadas a shows dos Stones s�o testemunhas dos eventos regados a drogas. Sessenta anos depois do in�cio dessa hist�ria, as coisas mudaram. Antes do show, um e-mail lembra aos espectador os itens vetados no est�dio. Na lista est�o, por ironia (ou n�o) do destino: “droga, subst�ncia ilegal, �xido nitroso (mais conhecido como g�s hilariante), sust�ncia psicoativa etc.”, seguido por “roupa inapropriada”. �, os tempos n�o s�o mais os mesmos.
Conselho
Em sua rede social, Ronnie Wood, no caminho do est�dio de Lyon, postou v�deo aconselhando os f�s a beberem muita �gua naquela noite quente e seca, antes mesmo de desejar um bom concerto. “Talvez eu pare�a rid�culo dizendo isso, mas � preciso se hidratar.” Definitivamente, os tempos n�o s�o mais os mesmos! No palco, homens s�brios e antenados, longe dos tempos em que entravam em cena “alucinados”.
A turn� “Sixty” come�ou em 1º de junho, em Madri (Espanha) e se encerrar� em 3 de agosto, em Berlim (Alemanha). Ao todo, ela passar� por 15 cidades, que ganharam como marca registrada acolher um Mick Jagger em modo turista. Com chap�u ou bon� e �culos escuros, ele sai em cada v�spera de show para dar uma volta e tomar uma cerveja.
“Tudo � para�so nesse inferno”, disse, no v�deo em franc�s, se referindo ao calor, em frente � Taverne du Perroquet (Taberna do Papagaio), a mais antiga destilaria de Lyon. Nas fotos postadas em sua rede social, � poss�vel v�-lo passando completamente despercebido em lugares cheios de gente.
O maior disfarce de Mick Jagger � Mick Jagger. Afinal, mesmo achando que se parece com ele, quem acreditaria que, ali naquele bar ou em plena rua, tomando uma gelada em lata, aquele senhor seria Mick Jagger em pessoa? Levanta a m�o quem ousaria tirar a prova dos 9!
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