
Na internet, h� uma m�xima que diz: “se algo existe, h� uma vers�o porn�”. Esse princ�pio � conhecido como regra 34, e defende que h� pornografia em toda cria��o imag�tica que est� associada ao meio virtual, desde personagens de filmes e s�ries - em sua maioria, animes, desenhos animados e personagens de videogame -, at� objetos dos mais variados que despertam fetiches nas pessoas.
A cineasta carioca Julia Murat partiu dessa ideia para conceber o filme “Regra 34”, que ganhou o Leopardo de Ouro de melhor filme internacional em competi��o no Festival Locarno, na Su��a, no �ltimo s�bado (13/8).
Estrelado por Sol Miranda, Lucas Andrade, Lorena Comparato e Isabela Mariotto, o longa acompanha o dilema de Simone (Sol Miranda), uma jovem advogada negra que, para custear os estudos preparat�rios para o concurso da defensoria p�blica, torna-se camgirl (uma esp�cie de stripper on-line).
O dilema, contudo, se d� devido � “vida dupla” da protagonista. Enquanto trabalha na Justi�a em defesa de mulheres exploradas e v�timas da viol�ncia dom�stica, ela mergulha em um mundo de erotismo exacerbado, no qual se depara com diversas brutalidades.
Prazer
Em suas performances de camgirl, Simone lan�a m�o da associa��o de atos dolorosos � pr�tica sexual. Asfixia, socos e queimaduras por ponta de cigarro s�o apenas alguns dos recursos utilizados pela protagonista para levar prazer a seus espectadores e, consequentemente, conseguir dinheiro.Nas redes sociais, a cineasta comentou a escolha de Sol Miranda como protagonista do longa. “Foi um longo processo de casting, portanto. E a defini��o n�o foi f�cil. Quando vi a Sol pela primeira vez, ela me fascinou. Tinha algo nela inacess�vel, algo que, mesmo escondido, aparecia. Eu n�o sabia dizer o que era. Quis escolh�-la, mas quase todos � minha volta ficaram com medo. Afinal, n�o era �bvia a ideia de escolher uma mulher negra para fazer um personagem que descobria o desejo pela viol�ncia”, escreveu.
Se com uma mulher branca, o risco j� era enorme, com Sol esse risco era ainda maior, avaliava a equipe. Julia, portanto, continuou na busca pela atriz que interpretaria Simone por mais alguns meses, mas Sol n�o saiu da cabe�a da diretora, at� que, por fim, ela se rendeu.
“Conversamos com muitos atores maravilhosos que foram lendo o roteiro e discutindo com a gente. Em algum momento, resolvemos admitir que era ela e assumir mais esse risco. E para nossa sorte ela resolveu se arriscar junto com a gente. Hoje sinto que era isso que eu via nela: essa for�a de se arriscar, de se jogar para dentro, enfrentar seus medos e estar ali, inteira”, comentou a diretora.
Assinam o roteiro, al�m da diretora, Gabriela Capello, Rafael Lessa e Roberto Winter. O longa, produ��o das brasileiras Esquina Filmes e Bubbles Project e da francesa Still Moving, ser� distribu�do no Brasil pela Imovision.
Produ��o
“Minha filha, Lina, volta e meia me pergunta: ‘Mam�e, h� quanto tempo voc� est� fazendo esse filme?’. Respondo para ela que as primeiras ideias come�aram ali em 2014, quando ela tinha apenas 2 anos. ‘Demora muito isso de fazer um filme, n�?’, ela sempre responde”, contou Julia, em suas redes sociais.Em seu depoimento, ela revela que, quando iniciou a concep��o de “Regra 34”, nutria esperan�as de que as manifesta��es populares iniciadas em 2013 seriam capazes de ajudar a expor contradi��es que ocorriam no Brasil h� duas d�cadas em pleno per�odo democr�tico.
“Mas logo veio o impeachment, veio a ascens�o dessa direita, e as coisas foram ficando cada vez mais amargas. Ganhei o primeiro dinheiro para fazer o filme no mesmo ano em que Bolsonaro foi eleito. E agora, Jos�? Fazia sentido continuar fazendo um filme cujo intuito era criticar o campo progressista?”, comentou a diretora.
Com a elei��o de Jair Bolsonaro, ela cogitou devolver o valor recebido para filmar o longa, contudo, pensou melhor e chegou � conclus�o de que, em meio a tanto discurso de �dio e persegui��o pol�tica, o combate � autocensura se faz extremamente necess�rio, principalmente levando em considera��o o atual momento em que se discute a possibilidade de uma ruptura democr�tica no pa�s.
O reconhecimento de “Regra 34” no Festival de Locarno respalda a resist�ncia dos cineastas brasileiros, sobretudo diante do descaso do poder p�blico com o segmento cultural. Vale lembrar que, em julho do ano passado, um inc�ndio atingiu a Cinemateca Brasileira, em S�o Paulo, destruindo parte de seu acervo.
A �ltima vez que um brasileiro havia recebido o Leopardo de Ouro em Locarno foi em 1967, quando Glauber Rocha (1939-1981)venceu com “Terra em transe”, que se tornaria um cl�ssico do cinema novo.
Nesta edi��o da mostra su��a, outros brasileiros foram contemplados em diferentes categorias. “Big Bang”, de Carlos Segundo, levou o Pardino de Ouro, de melhor curta-metragem de autor, e “� noite na Am�rica”, de Ana Vaz, recebeu men��o especial no Pardo Verde, dedicado a filmes que trazem a tem�tica ambiental. (Com France Presse)