
"� uma banda que est� levando o nome de Uberaba, levando cultura, pautas conscientes. Mas isso (a falta de apoio) nunca privou a gente de fazer nada. A gente ia l� e fazia por n�s mesmos"
Rodrigo "Pancho" Augusto, baterista
Ter a oportunidade de cantar no Rock in Rio � para poucos. Ser a banda respons�vel pela abertura do maior festival de m�sica do pa�s, ent�o... Mas o Black Pantera, grupo de Uberaba, chegou l�, em 2 de setembro. Homenageou Elza Soares em grande estilo, com sua mistura de hardcore punk e trash metal, recebeu os pernambucanos do pioneiro Devotos e mandou sua autoral “Fogo nos racistas” no Palco Sunset.
O grupo iniciou o show com um poema da escritora peruana Victoria Santa Cruz (1922-2014), “Me gritaron negra”. O baterista Rodrigo “Pancho” Augusto acompanhou de local privilegiado Charles Gama “incendiar” o p�blico naquela tarde ensolarada. O vocalista desceu at� a plateia, cantou “Padr�o � o cara**”, “Mocha” e “Godzilla”, entre outras do repert�rio do trio, que se completa com o baixista Chaene Gama, irm�o de Charles.

Tel�o e plateia animada no bar
Os amigos que n�o puderam ir � Cidade do Rock se juntaram em um bar em Uberaba para acompanhar a performance de Pancho, Charles e Chaene. Assistiram a tudo no tel�o.
“Estava parecendo final de Copa do Mundo para os nossos”, conta Pancho, a respeito do p�blico no festival. “Foi incr�vel a mobiliza��o das pessoas. A sensa��o foi de que est�vamos representando muita gente. Os amigos do interior, as bandas underground, todo mundo mandou mensagem falando o quanto a gente estava representando bem ali”, diz.
Pancho � f� de carteirinha do Devotos, grupo criado em 1988 no Recife, pioneiro do punk e do hardcore em Pernambuco, destaque da cena no Brasil. Para ele, se o Black Pantera “hoje corre”, � porque, l� atr�s, Devotos abriu caminhos para as bandas do g�nero. Ambas denunciam o racismo e a exclus�o social no pa�s. O formato “power trio preto” � outro ponto em comum, observa Pancho.
VEJA Charles Gama desce do palco no Rock in Rio:
“A carne mais barata do mercado � a carne negra”, cantou Elza Soares, fazendo da m�sica de Marcelo Yuka, Seu Jorge e Ulisses Cappelletti uma esp�cie de grito de guerra. Black Pantera j� havia gravado a vers�o metal desta can��o (tamb�m sucesso do extinto O Rappa), que foi apresentada no Palco Sunset com o Devotos.
Ali�s, a autoral “Fogo nos racistas”, do trio de Uberaba, traz no t�tulo outro grito de guerra – o mesmo refr�o de “Olho de peixe”, sucesso do rapper belo-horizontino Djonga.
“Isso � o mais legal, o Palco Sunset te permite experimentar, fazer encontros. Poxa, acho que n�o tinha palco melhor para a gente come�ar no Rock in Rio, transmitido ao vivo, depois de (o festival) ser adiado por causa da pandemia. Foi um show com v�rios significados para todos”, diz Pancho. O baterista elogia o vocalista Charles. “Ele teve o dom�nio do show do come�o ao fim. Foi lindo.”
VEJA o clipe de 'Fogo nos racistas':
O Rock in Rio � marco na carreira da banda de Uberaba, mas as coisas n�o s�o nada f�ceis para o trio. Na �ltima ter�a-feira (6/9), quatro dias depois do show, Charles e Chaene batiam ponto no trabalho. Pancho, por sua vez, � m�sico freelancer em eventos em Uberaba.
“Quem sabe depois do Rock in Rio, com a repercuss�o, a coisa melhora. Este ano j� est� muito bom para a gente. Temos feito muitos shows, os cach�s melhoraram, mas o Black Pantera n�o vive do Black Pantera ainda”, revela Pancho.
O baterista diz esperar que agora, “aparecendo no 'Jornal Nacional'”, o grupo n�o precise contar apenas com os amigos. Espera tamb�m que a administra��o de Uberaba valorize a banda por divulgar a cidade.
“A gente nunca teve muito apoio do poder p�blico. Acho importante esse apoio em todos os lugares. � uma banda que est� levando o nome de Uberaba, levando cultura, pautas conscientes. Mas isso (a falta de apoio) nunca privou a gente de fazer nada. A gente ia l� e fazia por n�s mesmos”, afirma.
Pancho revela o desejo em tocar em Belo Horizonte. A �ltima apresenta��o antes do festival seria realizada na Aut�ntica, casa de shows no bairro Santa Efig�nia, mas a banda optou por se concentrar na performance que faria no Rock in Rio.

Cover do Sepultura
Rodrigo “Pancho” Augusto, Charles Gama e Chaene Gama j� trabalhavam juntos antes de o Black Pantera existir. O trio fazia cover de Sepultura e System of a Down, entre outras estrelas do metal. O grupo se desfez quando Charles decidiu seguir carreira solo. A reaproxima��o veio em 2014 e, de l� para c�, os tr�s se apresentaram em festivais de m�sica no Brasil e no exterior. Em 2016, cantaram no Afropunk, em Paris.
“Aquilo ali foi a primeira virada de chave da banda. Para a gente poder falar: Cara, 'pera' a�. Se a gente chegou na Fran�a, do outro lado do oceano, vamos levar a s�rio essa parada. Vamos come�ar a produzir conte�do com mais qualidade, mais clipes”, relembra Pancho. “E a� � s� dinheiro saindo, n�? Ali a gente estava s� plantando. A gente est� plantando h� oitos anos, uma hora a gente vai colher.”
O trio formado por rapazes negros de fam�lias humildes vai � luta na cidade que tem a fama de conservadora, onde predomina a m�sica sertaneja. Black Pantera se apoiou nos amigos para construir seu caminho na cena independente, sobretudo abordando o racismo.
O nome de batismo veio do Panteras Negras, partido criado nos anos 1960, nos Estados Unidos, que defendia a revolu��o, o socialismo e justi�a para o cidad�o afro-americano.
O nicho do rock foi o ponto de apoio tanto para o Black Pantera quanto para as demais bandas do g�nero no pa�s. O grupo de Uberaba conquistou reconhecimento depois de se apresentar nos Estados Unidos, na Fran�a e na Col�mbia, em eventos com participa��o de Green Day, Slayer e System of a Down, entre outras estrelas internacionais.
“� uma cena pequena, mas � uma cena fiel”, diz Pancho. “Cada vez que a gente ia para fora do pa�s, a gente voltava mais forte. Dava bagagem”, diz o baterista.
“Sou muito f� da minha banda. A gente tem de gostar do que faz. N�o quero ser clubista, mas � porque realmente tenho muito orgulho do trabalho que a gente est� fazendo”, conclui.
* Estagi�rio sob supervis�o da editora-assistente �ngela Faria
ME GRITARON NEGRA
E vou rir daquelas pessoas que,
por educa��o e por nos evitar,
chamam os negros de “gente de cor”.
E que cor � essa?
Negra!
E que linda soa!
Negra!
E que ritmo tem,
Negra,
Negra,
Negra!
. Trecho do poema de Victoria Santa Cruz que abriu o show do Black Panterano Rock in Rio