'All the beauty and the bloodshed' leva o Le�o de Ouro em Veneza

 
Em sua 79ª edi��o, o Festival de Veneza, que terminou na noite de s�bado (10/9), teve uma de suas premia��es mais inusitadas. Diante da chance de consagrar pela primeira vez um longa dirigido por uma pessoa negra – o favorito "Saint Omer", da franco-senegalesa Alice Diop – ou de laurear a obra de um cineasta que n�o p�de ir a Veneza por estar preso em seu pa�s – caso do iraniano Jafar Panahi, com seu "No bears" –, o j�ri comandado pela atriz Julianne Moore preferiu premiar um document�rio bem recebido, mas que quase ningu�m imaginava que poderia levar o Le�o de Ouro.

"All the beauty and the bloodshed", ou toda a beleza e o derramamento de sangue, da americana Laura Poitras, saiu consagrado do festival italiano. Tamb�m �, de certo modo, uma escolha pol�tica – o document�rio mostra a famosa fot�grafa americana Nan Goldin em sua atual luta contra a poderosa fam�lia Sackler, bilion�ria, que financia museus importantes em todo o mundo, mas que tamb�m � dona de um laborat�rio que fabrica um rem�dio altamente viciante, que segue vendido com facilidade nos Estados Unidos. Goldin j� foi viciada no medicamento e h� anos tem organizado protestos contra a sua venda em seu pa�s natal.

Mas a briga de Goldin �, antes de mais nada, uma desculpa para Poitras contar a hist�ria dessa grande fot�grafa, que foi uma das principais artistas da cena underground de Nova York a partir dos anos 1970. Ela ficou conhecida por imagens que captam ao mesmo tempo o aspecto glorioso e decadente de pessoas entregues ao hedonismo, geralmente captadas em festas e depois de rela��es sexuais.

� sem d�vida um document�rio empolgante, muito bem-feito – Poitras, que j� ganhou o Oscar de document�rio por "Citizenfour", sobre Edward Snowden, em 2015, dispara agora no favoritismo � estatueta dourada do ano que vem na categoria. N�o era, no entanto, o filme mais impactante ou desafiador em Veneza.

Mas o document�rio apresenta uma quest�o que d� uma amostra da t�nica tem�tica dos longas exibidos neste ano no Lido. Vemos no filme que Goldin era inquieta desde pequena, e o conflito dela com os pais conservadores s� potencializou o seu lado mais rebelde e iconoclasta.

As rela��es conturbadas entre pais e filhos, sobretudo as diferen�as geracionais que levantam tens�es, foram o grande assunto dos filmes da competi��o veneziana deste ano.

A Marilyn Monroe de "Blonde", de Andrew Dominik, por exemplo, nunca superou a falta do pai, que a abandonou muito cedo. Assim como fizeram os genitores de "Love life", de Koji Fukada, e de "The whale", de Darren Aronofsky.

J� as m�es s�o as principais causadoras de inseguran�as de suas crias em filmes como "The eternal daughter", de Joanna Hogg, em que Tilda Swinton interpreta m�e e filha que nem sequer conseguem jantar juntas sem que haja um clima de tens�o; em "Monica", de Andrea Pallaoro, em que a personagem de Patricia Clarkson expulsa de casa o filho que quer assumir uma identidade feminina; e em "The son", de Florian Zeller, em que o rebento adolescente de Laura Dern prefere ir morar com o seu pai.

O conflito geracional tamb�m fica evidente na trajet�ria do diretor Emanuele Crialese, cuja pr�pria transsexualidade ele explora em seu "L'Immensit�", e na nega��o da homossexualidade do escritor Aldo Braibanti, em "Il signore delle formiche", de Gianni Amelio. De certo modo, esta edi��o � um prolongamento da do ano passado, que destacou sobretudo a quest�o espec�fica da maternidade em crise, explorada em filmes como "M�es paralelas", de Pedro Almod�var, e "A filha perdida", de Maggie Gyllenhaal.

O j�ri capitaneado por Julianne Moore pode ter errado na escolha do Le�o de Ouro, mas premiou alguns dos melhores filmes em outras categorias. A Coppa Volpi de melhor atriz foi para Cate Blanchett, fabulosa no papel de uma regente de orquestra tir�nica no poderoso filme "T�r".

J� o pr�mio de melhor ator foi para um Colin Farrell em estado de gra�a, em "The banshees of inisherin", de Martin McDonagh, sobre a briga entre dois amigos. O excelente script de McDonagh, ali�s, tamb�m foi premiado em Veneza na categoria melhor roteiro – rara ocasi�o em que um mesmo filme ganhou mais de um pr�mio no festival.

O fraco "Bones and all" tamb�m surpreendeu ao levar dois pr�mios – o Marcello Mastroianni, dedicado a atores em come�o de carreira, foi para Taylor Russell, que interpreta uma canibal que se envolve com o personagem de Timoth�e Chalamet. O filme tamb�m ganhou o trof�u mais inexplic�vel da premia��o, o de melhor diretor para Luca Guadagnino, que, apesar de mostrar enorme talento em filmes anteriores, como "Me chame pelo seu nome", desta vez fez uma obra irregular e sem brilho.

Em 2019, Moore fez com o italiano o curta semipublicit�rio "The staggering girl", e talvez a amizade entre eles explique tamanho equ�voco.

O Pr�mio Especial do J�ri foi para "No bears", do iraniano Jafar Panahi, cineasta que atualmente est� preso no Ir�, devido � defesa p�blica que fez de dois cineastas detidos ap�s criticarem o governo de Teer�.

E o filme mais atordoante do evento levou o Grande Pr�mio do J�ri, esp�cie de "medalha de prata" da competi��o. "Saint Omer", de Alice Diop, se baseia na hist�ria ver�dica de uma senegalesa que matou a pr�pria filha de apenas 15 meses.

O longa acompanha o julgamento dessa mulher, abordando quest�es como racismo, machismo e xenofobia.

Diop tamb�m levou o Le�o do Futuro, reservado a cineastas em in�cio de carreira. Pode ter sido injusti�ada desta vez ao n�o levar o pr�mio principal, mas seu filme tem sido t�o merecidamente festejado na imprensa e no boca a boca que n�o h� de precisar de le�o dourado para conseguir a devida consagra��o.

"All the beauty and the bloodshed", de Laura Poitras (Estados Unidos)

>>  Le�o de Prata Grande Pr�mio do J�ri e Le�o do Futuro – Melhor Estreia: "Saint-Omer", de Alice Diop (Fran�a)

>> Le�o de Prata de melhor diretor: Luca Guadagnino, "Bones and all" (It�lia)

>> Pr�mio de melhor atriz: Cate Blanchett por "T�r", de Todd Field

>> Pr�mio de melhor ator: Colin Farrell por "The banshees of inisherin", de Martin McDonagh

>> Pr�mio Marcello Mastroianni de melhor ator ou atriz revela��o: Taylor Russell, "Bones and all"

>> Pr�mio Especial do J�ri: "No bears", de Jafar Panahi (Ir�)

>> Pr�mio de melhor roteiro: "The banshees and the inisherin", do irland�s Martin McDonagh