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Estado de Minas M�SICA

"O cara rico tinha vergonha de pedir um sertanejo na loja", diz Chit�ozinho

Ao comemorar cinco d�cadas de carreira, dupla com Xoror� diz que eles sofreram preconceito at� que o g�nero se popularizasse no pa�s


20/09/2022 04:00 - atualizado 19/09/2022 19:54
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Chitãozinho & Xororó posam com violão e usando roupas ao estilo country americano em carro
Os irm�os paranaenses contam que decidiram importar o modo de vestir dos artistas do country quando tiveram contato com o estilo, nos Estados Unidos (foto: Chico Audi/Divulga��o )

Em algum momento da primeira metade dos anos 1980, Xoror� estava em Nashville, a meca da m�sica country americana, quando comprou um banjo de segunda m�o. "Nunca tinha visto um banjo na minha vida, mas l� era comum", diz o cantor, que, ao lado do irm�o Chit�ozinho, completa 50 anos de carreira. "Percebemos que a m�sica country tinha muito a ver com a sertaneja."

O banjo apareceu pela primeira vez mesclado � sonoridade caipira em "Ela chora chora", de 1985, mas n�o foi apenas o instrumento que Chit�ozinho & Xoror� trouxeram na bagagem. "Ficamos muito interessados na maneira de eles se vestirem – as roupas franjadas, as cal�as rasgadas e apertadas, uma mistura de rock com country", diz Xoror�. "Ele trouxe o banjo e eu trouxe o chap�u", acrescenta o irm�o.

As influ�ncias americanas marcaram a carreira da dupla, que, mesmo sem abandonar as letras sobre o campo, �quela altura era protagonista na populariza��o do sertanejo. Se antes era limitada aos interiores de Minas Gerais, S�o Paulo, Paran�, Mato Grosso e Goi�s, a m�sica do campo passava ent�o a acompanhar a urbaniza��o das grandes cidades do pa�s enquanto tamb�m se transformava.

Este m�s, Chit�ozinho & Xoror� retornaram aos Estados Unidos para gravar projeto audiovisual ao vivo, acompanhados por orquestras e com participa��o de Sandy, Junior e Luan Santana. Eles reuniram 14 mil pessoas em quatro apresenta��es, incluindo o Radio City Music Hall, em Nova York, que celebram as cinco d�cadas de uma trajet�ria sem igual n�o s� no sertanejo, mas em toda a m�sica brasileira.

"� rid�culo um artista cobrar um cach� milion�rio numa cidade pequenininha de tantos mil habitantes e aquele dinheiro ser tirado do pr�prio povo. N�o tem l�gica. N�o tem cabimento nem o prefeito fazer isso nem o artista receber, mas cada um � cada um. A gente se preocupa muito com isso. Estamos aqui h� mais de 50 anos e n�o � � toa"

Xoror�, cantor sertanejo

Influ�ncias 

Muito antes dos americanos, era a Am�rica Latina que inspirava os irm�os Jos� Lima Sobrinho e Durval de Lima no interior do Paran�. "A gente conhecia o trio Pedro Bento, Z� da Estrada e Celinho, que at� se vestia de mariachi", diz Chit�ozinho, citando a influ�ncia dos sons do M�xico. "Eles eram os mais pr�ximos, mas Belmonte e Amara� cantavam assim, e depois Milion�rio & Jos� Rico tamb�m tinham essa veia, da rancheira, fincada l�."

Na virada dos anos 1960 para os 1970, a chamada m�sica caipira tinha como inspira��o as rancheiras, os boleros, as serestas e as guar�nias. N�o � toa, o primeiro sucesso de Chit�ozinho & Xoror�, "Galopeira", de 1970, foi importado diretamente do Paraguai.



Os irm�os come�aram a carreira ainda adolescentes, perseguindo o sonho frustrado do pai de ser m�sico, mas j� queriam transcender a m�sica caipira. "Quando mor�vamos no Paran�, crescemos com o timbre do Roberto Carlos no ouvido. Ouv�amos muito Beatles, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, todo aquele movimento da Jovem Guarda", diz Chit�ozinho.

Mais do que a voz e os cabelos longos do rei, eles queriam somar �s violas aqueles baixos, guitarras e baterias do rock. "Quando a gente ia gravar um disco, o produtor falava que 'n�o, tem que ser viola, viol�o'. �s vezes n�o queria botar nem o contrabaixo. Tinha que ser acordeom. A gente dizia que 'n�o, n�o � isso que a gente quer, porque isso todo mundo j� faz'."

At� o fim da d�cada de 1970 – isto �, a primeira fase da dupla –, os irm�os tocavam em circos e contavam o dinheiro escasso que recebiam da gravadora. Vender 5 mil c�pias de um �lbum era o �pice. Artisticamente, dizem, eram muito contrariados. Tudo mudou quando conheceram o produtor Homero Bettio, que viraria amigo e empres�rio.

"Sofremos muito preconceito. Quando estourou, o cara rico, que vinha do interior, tinha vergonha de entrar na loja e pedir uma fita de sertanejo. Ele mandava o motorista ir comprar, mas tocava no carro. Depois, o caipira virou moda"

Chit�ozinho, cantor sertanejo

Demiss�o 

A essa altura, Chit�ozinho & Xoror� j� tinham pedido demiss�o da Copacabana, selo que lan�ava suas m�sicas, e fazer um �lbum com Bettio era como uma �ltima dan�a. "Disseram 'se n�o der certo, a gente dispensa voc�s no ano que vem', a� n�s aceitamos", diz Chit�ozinho. "Quando Homero mostrou o que ele estava fazendo, ficamos de boca aberta. Era um sonho. Exatamente o que a gente queria."

Ainda n�o era a est�tica arrojada que a dupla adotou a partir da d�cada seguinte, mas o novo tratamento das grava��es impulsionou m�sicas como "60 dias apaixonado", de 1979, e "Amada amante", de 1981, que colocou a carreira dos irm�os em ascens�o.

Esse processo foi coroado com "Fio de cabelo", m�sica que vendeu mais de 1 milh�o de c�pias do �lbum "Somos apaixonados", lan�ado h� exatos 40 anos. � um patamar alcan�ado apenas por gente como Roberto Carlos e Nelson Gon�alves, impens�vel para a m�sica sertaneja �quela altura.

"Sertanejo no r�dio s� tocava em AM, de madrugada e no fim de tarde, e s� no interior", diz Chit�ozinho. "Come�amos a perceber que as r�dios come�aram a tocar durante o dia. Come�aram a pedir e a tocar em FM. Essa m�sica mais do que triplicou o nosso p�blico. Tinha gente que n�o ouvia e passou a ouvir m�sica sertaneja."

"Fio de cabelo" p�s a m�sica sertaneja no card�pio dos ritmos mais consumidos do Brasil, onde hoje � o prato mais pedido da maioria dos brasileiros. Mais at� do que isso, ela trouxe uma nova po�tica para o estilo, que ficou mais pr�ximo da m�sica rom�ntica ou brega.

Conforme escreveu o pesquisador Gustavo Alonso, o pr�prio Marciano, dupla de Jo�o Mineiro e compositor da m�sica ao lado de Darci Rossi, n�o quis grav�-la porque a achava melodram�tica e melanc�lica demais at� para os padr�es sertanejos.

Sofr�ncia

Se hoje a sofr�ncia domina o sertanejo, ela certamente tem ra�zes em "Fio de cabelo". "Eu diria que foi a primeira can��o que abriu essa porteira para a m�sica se tornar mais rom�ntica e mais bem-elaborada de poesia, de harmonia e de tudo", diz Xoror�.

Mas as mudan�as n�o vieram sem resist�ncia. "Lembro-me de que Inezita Barroso, que sempre foi a rainha do caipira, chamava isso de 'sertanojo'", diz Chit�ozinho. "Sofremos muito preconceito. Quando estourou, o cara rico, que vinha do interior, tinha vergonha de entrar na loja e pedir uma fita de sertanejo. Ele mandava o motorista ir comprar, mas tocava no carro. Depois, o caipira virou moda."

Dali em diante, Chit�ozinho & Xoror� n�o pararam. Vieram as idas aos Estados Unidos, os banjos e gaitas, as mudan�as de figurino, a populariza��o dos rodeios, o acr�scimo de banda com baixo, guitarra e bateria e o Rock in Rio de 1985. Eles viram no festival o show do Yes, banda de rock progressivo brit�nica, e pegaram a ideia de fazer um palco elaborado, com fuma�a e pirotecnia.

Exig�ncias

Na segunda metade dos anos 1980, diz Chit�ozinho, quem movimentava as massas eram eles, Sidney Magal e RPM. Foi ent�o que a dupla passou a exigir equipamentos de som e estrutura melhores, investir para viajar com banda, algo que influenciou a populariza��o de todo o sertanejo Brasil afora.

O movimento adiantou o sucesso de Leandro & Leonardo e Zez� di Camargo & Luciano, j� na virada da d�cada seguinte, marcando a exposi��o crescente do g�nero na TV, a expans�o para plateias do Nordeste e chegando at� o especial "Amigos", na Globo, em 1995.

"Nossa imagem ficou conhecida. O cabelo e o figurino viraram moda", diz Xoror�. Em certa altura, acrescenta o irm�o, eles tinham que viajar com dois jatinhos para dar conta da estrutura de banda e palco. "Fizemos 285 shows em um ano, mas ficamos doentes."

Hoje, eles celebram o pioneirismo com uma agenda bem mais confort�vel, de n�o mais do que "uns seis shows por m�s", e dizem que nunca tiveram cach�s astron�micos, ao contr�rio do que acontece com astros do sertanejo como Gusttavo Lima e Z� Neto & Cristiano, que dominaram o notici�rio por receber cach�s que beiram ou ultrapassam R$ 1 milh�o vindos dos cofres p�blicos para tocar em cidades com poucos milhares de habitantes.

"As coisas t�m que ser �s claras. � rid�culo um artista cobrar um cach� milion�rio numa cidade pequenininha de tantos mil habitantes e aquele dinheiro ser tirado do pr�prio povo", diz Xoror�. "N�o tem l�gica. N�o tem cabimento nem o prefeito fazer isso nem o artista receber, mas cada um � cada um. A gente se preocupa muito com isso. Estamos aqui h� mais de 50 anos e n�o � � toa."

Voto

A dupla, que no auge de seu sucesso apoiou Fernando Collor contra Lula, em 1989, e figurou na campanha de A�cio Neves contra Dilma Rousseff, em 2014, agora n�o toma lado nas elei��es. "Acho que a gente tem que respeitar o voto de cada cidad�o. Independentemente de quem vai ganhar esta elei��o, a gente segue sendo brasileiro e trabalhando, produzindo no nosso pa�s", diz Chit�ozinho.

Ele v� certa semelhan�a no apoio que a classe sertaneja deu a Collor e, atualmente, ao presidente Jair Bolsonaro. "Foram duas surpresas, dois candidatos que estavam l�, mas ningu�m sabia de nada. Eles apareceram do nada e chegaram l�. Tomara que isso seja um exemplo para muitos pol�ticos, de saber que �s vezes a pessoa que est� no poder n�o tem a voz. A voz � do povo."

J� Xoror� resume seu pensamento lembrando a m�sica "A nossa voz", que a dupla gravou na elei��o de 2018. A letra prega a uni�o e re�ne figuras de diversos ritmos e correntes pol�ticas – de Caetano Veloso e Gilberto Gil a Elba Ramalho, passando por Karol Conka, Michel Tel� e Ivete Sangalo, entre outros. "Esse � o pa�s que eu quero construir/ Com nosso povo andando de m�os dadas vamos conseguir", diz o refr�o.

"O voto est� a�, com a democracia", diz Xoror�. "Vamos continuar assim porque a gente sabe que do outro jeito n�o foi legal. Pegamos o finalzinho, a gente era crian�a ainda, mas eu me lembro muito bem de que era bem mais dif�cil. A gente tem que se juntar. A democracia � isso." 


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