
Mariana Peixoto
Deitada na mesa em uma das salas do terceiro andar do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), a pintura “O galo violeta” (1966-1972) aguarda, pacientemente, o momento em que ser� colocada em seu devido lugar. N�o est� sozinha. Caixas de madeiras s�o abertas por equipe especializada, enquanto conservadoras fotografam cada tela retirada dali. Qualquer altera��o ser� anotada no laudo t�cnico da respectiva obra.

“Voc� tem uma arena de circo, um casal de namorados em primeiro plano, um buqu� de flores, com o seu simbolismo, palha�os. O homem pode ser um pouco melanc�lico, mas a m�sica e o movimento traduzem o esp�rito de Chagall, sobretudo seus momentos mais felizes.”
A exposi��o, que chega a Belo Horizonte depois de levar quase 300 mil pessoas �s unidades do CCBB no Rio de Janeiro e em Bras�lia, � a segunda mostra monumental que a capital mineira recebe do artista neste s�culo. Em 2009, a Casa Fiat, em celebra��o ao Ano do Brasil na Fran�a, apresentou a retrospectiva “O mundo m�gico de Marc Chagall – O sonho e a vida”, que depois foi levada para o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e ao Masp, em S�o Paulo.
No mundo e, principalmente, no Brasil de hoje, a obra de Chagall � um grito de esperan�a. “Do ponto de vista art�stico, ele � um dos grandes inovadores do s�culo 20”, afirma Lola �car, que se vale da trajet�ria do artista para falar sobre sua relev�ncia nos dias atuais.
“Temos de pensar na vida que ele teve. Nasce na R�ssia, sofre o primeiro ex�lio quando vai para Paris. Na Segunda Guerra, vai para os EUA, ent�o sofre seu segundo ex�lio. Passa por tr�s guerras (as duas mundiais e a Revolu��o Russa). Como judeu, passa a vida perseguido. Mas sua pintura, contrariamente a isso, nos leva a um mundo colorido, brilhante. � esta a mensagem que ele nos deixa agora: at� nas piores situa��es, sempre existe esperan�a.”
Foi em 2019 que Cynthia Taboada, diretora da mostra brasileira, viu na Basilica di Santa Maria Maggiore alla Pietrasanta, em N�poles, a exposi��o de Chagall que Lola havia concebido para a cidade italiana. Tr�s anos de negocia��es depois, a mostra chegou ao Brasil com o mesmo conceito, mas v�rios acr�scimos.
''Temos de pensar na vida que ele teve.(Marc Chagall) Nasce na R�ssia, sofre o primeiro ex�lio quando vai para Paris. Na Segunda Guerra, vai para os EUA, ent�o sofre seu segundo ex�lio. Passa por tr�s guerras. Como judeu, passa a vida perseguido. Mas sua pintura, contrariamente a isso, nos leva a um mundo colorido, brilhante. � esta a mensagem que ele nos deixa agora: at� nas piores situa��es, sempre existe esperan�a''
Lola Dur�n �car, curadora
Pain�is "flutuantes"
A come�ar pelo projeto expositivo, assinado por Stella Tennenbaum. Ela criou o percurso cont�nuo de pain�is ondulares que, na opini�o de Cynthia, buscam seguir “o esp�rito de flutua��o que se tem com as pinturas de Chagall”.Al�m dos museus e colecionadores particulares estrangeiros que cederam obras, “Sonho de amor” re�ne trabalhos de institui��es brasileiras, como “Os noivos com tren� e galo vermelho” (1957) e “Primavera” (1938-1939), dos acervos da Casa Museu Ema Klabin e do Museu de Arte Contempor�nea da Universidade de S�o Paulo (MAC-USP), respectivamente.
A exposi��o ainda conta com a instala��o “Air fountain”, do norte-americano Daniel Wurtzel. O trabalho, j� exibido em diferentes espa�os do mundo, ganhou vers�o com seis metros de di�metro para a mostra brasileira. Aqui, a obra que exibe a “dan�a” de dois tecidos, traduzindo em arte contempor�nea o encontro do amor que tanto marcou a obra de Chagall, vai ficar no p�tio do CCBB.
“Sonho de amor” traz quatro m�dulos, que acompanham a vida de Chagall por meio de seu trabalho. “Isso acontece com quase todos os artistas, mas com Chagall ainda mais: a pintura � muito marcada pelos diferentes momentos de sua vida”, explica Lola.
O m�dulo de abertura, o maior, � “Origens e tradi��es russas”. “Os primeiros anos, no vilarejo de Vitebsk, s�o definitivos. Nesta se��o, temos a tradi��o, a cultura e a religi�o, algo que ele mant�m por toda a vida. Constru�mos a se��o com base no livro ‘Minha vida’, em que Chagall escreveu sobre seu nascimento at� a sa�da da R�ssia ap�s a revolu��o”, diz Lola.

Aldeia ancestral e lugares santos
Uma das obras marcantes do per�odo � a pintura “Aldeia russa” (1929). A s�rie gr�fica “F�bulas” (1927-1930-1952), inspirada em La Fontaine (1621-1695), est� reunida em sua totalidade, com 102 �guas-fortes.O segundo m�dulo � dedicado � religi�o. “Mundo sagrado” se subdivide em “B�blia” e “A hist�ria do �xodo”. H� pinturas, como “Davi e Golias” (1981), e gravuras coloridas � m�o, como “Mois�s e Ar�o diante do fara�” e “Travessia no Mar Vermelho” (1956). Mas s�o as 24 litografias de 1966, que comp�em o “�xodo”, que traduzem um momento especial da vida do artista.
“Nos anos 1930, ele vai � Palestina e visita os lugares santos. Se imbui de luz e de espiritualidade e, de alguma forma, se conecta com suas ra�zes. Nos conta, nas mem�rias, ter sentido que passou a pertencer a um lugar. Ent�o, come�a a ilustrar com coloridos e luminosidade a hist�ria da B�blia, que considerava a maior fonte de poesia que havia conhecido”, relata a curadora.
A terceira parte da mostra, “Um poeta com asas de pintor”, � dedicada principalmente a Paris, sua segunda cidade. “Ela foi important�ssima na vida dele, como na de outros tantos jovens. Chagall vai a Paris atra�do pelas vanguardas. Depois, quando se muda para os EUA com a mulher (Bella Rosenfeld) e a filha (Ida), � com a ajuda de Guggenheim, que lhe facilita dinheiro para escapar da persegui��o aos judeus. Ali, sofre o segundo ex�lio.”
No retorno � Fran�a, em 1945, mais um ex�lio, que a curadora chama de “ex�lio interior”. Bella, seu grande amor e maior musa, morreu em 1944. “Isso coloca Chagall em uma tristeza muito profunda. Mas Paris o recebe de bra�os abertos, � preparada uma grande exposi��o. E � ali que surge a faceta escritor dele. Chagall nunca se ligou a nenhum movimento art�stico, fosse o cubismo ou o surrealismo. Era um pouco incompreendido. Mas os poetas surrealistas o acolhem.”
Al�m do j� citado “O galo violeta”, a terceira se��o destaca trabalhos que remetem ao mundo do circo, como “M�sico e dan�arina” (1975) e “Pintor e acrobata” (1961).
''Para ele, o motor da vida � o amor. Falamos em um sentido mais amplo, do amor �s flores, aos animais, aos semelhantes e � querida Bella''
Lola Dur�n �car, curadora
Amor: o motor da vida
Eis que finalmente, no quarto e �ltimo m�dulo, a exposi��o chega �s vias de fato, por assim dizer. “O amor desafia a for�a da gravidade” destaca as v�rias formas de afeto que Chagall traduziu em sua obra.“Para ele, o motor da vida � o amor. Falamos em um sentido mais amplo, do amor �s flores, aos animais, aos semelhantes e � querida Bella”, continua Lola. “Apesar de Bella ter desaparecido fisicamente em 1944, ela permanece nos quadros dele, at� em suas �ltimas obras. Quando a conhece, Chagall diz que viu a vida entrar, as luzes e as flores.”
O m�dulo � subdividido em tr�s. L� est�o telas de buqu�s de flores (conjunto de cinco quadros, raramente reunidos em exposi��es dedicadas ao artista), outras com violinos em primeiro plano e uma terceira com casais (destacam-se “Os noivos com tren� e galo vermelho”, de 1957, e “O sonho”, de 1980).
Depois da morte de Bella, o pintor se relacionou com Virginia McNeil, com quem teve o segundo filho, David. Em suas �ltimas tr�s d�cadas, foi casado com Valentina “Vava” Brodsky. “Na vida, como na paleta do artista, h� apenas uma cor que d� sentido � vida e � arte: � a cor do amor”, afirmou Chagall.
Dan�a e palestra
No dia da abertura da exposi��o, haver� duas performances da bailarina Jacqueline Gimenes, �s 11h e �s 18h, na obra “Air fountain”, de Daniel Wurtzel, no p�tio do CCBB. N�o � necess�rio retirar ingressos. Na quinta-feira (13/10), �s 20h, a curadora Lola Dur�n �car vai fazer palestra. Ingressos devem ser retirados na bilheteria ou no site bb.com.br/cultura.
“MARC CHAGALL: SONHO DE AMOR”
Exposi��o no Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte. Pra�a da Liberdade, 450, Funcion�rios. Abertura na quarta-feira (12/10). Visita��o di�ria, das 10h �s 22h, exceto �s ter�as-feiras. Entrada franca. Ingressos devem ser retirados na bilheteria ou no site bb.com.br/cultura. At� 16 de janeiro.