
Em 1981, Fran�ois Mitterand se elege presidente da Fran�a e um clima de otimismo e solidariedade se instala no pa�s. Esse clima embala "Noites de Paris", seja na trama, na textura da imagem e do som ou na rela��o afetiva que estabelece com lugares e mem�rias.
Uma sinopse do novo longa de Mikha�l Hers dir� que se trata da hist�ria de �lisabeth, m�e de dois adolescentes que, no in�cio dos anos 1980, se separa do marido e se v� diante da necessidade de trabalhar pela primeira vez na vida.
Vivida por Charlotte Gainsbourg, a protagonista arruma um emprego como telefonista de um programa de r�dio em que os ouvintes contam suas hist�rias de vida noite adentro. No est�dio, ela conhece Talulah, papel de No�e Abita, garota que erra pela cidade, sem ter onde morar. E decide acolh�-la.
Embora correto, esse resumo deixa de lado aspectos essenciais do filme, a come�ar pela import�ncia da cidade na tela, sobretudo � noite.
De fato, Mikha�l Hers filma uma Paris nada �bvia, vista a partir do apartamento onde a fam�lia de �lisabeth vive, no 15º arrondissement. A partir dos anos 1970, torres de at� 100 metros de altura foram erguidas no bairro de Beaugrenelle, na margem esquerda do Sena, entre as quais o hotel Nikko, com fachada de alum�nio e janelas de contornos arredondados, num vermelho nada discreto.
PAISAGEM
Seu colorido marca a paisagem do filme, assim como a esplanada que une diversos conjuntos residenciais daquele peda�o, ornamentado pelo painel de azulejos desenhados pelo pintor Olivier Debr�.
No filme, o espa�o urbano funciona quase como personagem e ganha por vezes uma textura granulosa e espessa. Isso se deve � incorpora��o de trechos de filmes das d�cadas de 1970 e 1980, rodados em pel�cula e em v�deo.
Hers gravou majoritariamente em tecnologia digital, com exce��o de algumas cenas em 16 mil�metros, de modo que h� uma vis�vel diferen�a entre os suportes da imagem. Embora cause estranheza, a estrat�gia interpela diretamente a mem�ria. � nostalgia de lugares, sons, roupas e objetos dos anos 1980 se soma a lembran�a saudosa da imagem anal�gica e videogr�fica.
Entre os materiais que "Noites de Paris" toma de empr�stimo est�o planos do document�rio que Claire Denis e Serge Daney dedicam a Jacques Rivette, e o pr�prio cineasta � visto no metr�. H� tamb�m refer�ncias a "A Ponte do Norte", de 1981, que Rivette ambienta justamente numa Paris que erguia grandes conjuntos habitacionais.
Mais do que homenagem, "A Ponte do Norte" talvez seja uma chave de compreens�o para o longa de Mikha�l Hers. O filme de Rivette traz no elenco Pascale Ogier, coautora do roteiro, no papel de uma garota que, como a Talulah de Hers, tem uma exist�ncia errante pela capital francesa.
� not�vel a semelhan�a f�sica entre No�e Abita, que vive Talulah, e Pascale Ogier. A cena em que Talulah e os filhos de �lisabeth veem no cinema "Noites de lua cheia", de 1984, filme de �ric Rohmer protagonizado por Ogier, refor�a o elo entre as �pocas, atrizes e personagens, gesto expl�cito de cine-filia��o. Ogier morreu em 1984, aos 25 anos.
Amizade, solidariedade, amor ao cinema e � arte de narrar d�o o tom de "Noites de Paris". Ao som de "Et si tu n'existais pas", hit de Joe Dassin, uma nostalgia difusa impera. A alegria da elei��o de um presidente socialista � resgatada, num cen�rio pol�tico mais tolerante e solid�rio, terr�vel contraste com o peso que a extrema-direita adquiriu recentemente na Fran�a, e n�o s�.
“NOITES DE PARIS”
(Fran�a, 2022, 115min) Dire��o: Mikha�l Hers. Com Charlotte Gainsbourg, Quito Rayon Richter, Marion Touitou e No�e Abita. Classifica��o indicativa: 16 anos. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 2, 16h e 18h10) e no Centro Cultural Unimed-BH Minas T�nis Clube (Sala 2, 16h10)