
KOBRA. A assinatura, sempre em mai�sculas, acompanha murais enormes, muito coloridos. Boa parte deles retrata pessoas, c�lebres ou n�o. Malala, em Roma; Anne Frank, em Amsterd�; Alfred Nobel em Boras, Su�cia; Bob Dylan, em Minneapolis; Elizabeth II, em Londres; Ayrton Senna, Racionais, Oscar Niemeyer, em S�o Paulo. S�o cerca de 3 mil murais em 35 pa�ses – somente em Nova York s�o 22; o mais recente, lan�ado em setembro passado, tem 336m colorindo a fachada da sede da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU).
Na adolesc�ncia, foi expulso do col�gio, da casa dos pais, abusou do �lcool e dos rem�dios. Sofreu muito de depress�o. H� mais de 15 anos � casado com Andressa. A vinda de Pedro mudou sua vida – e ele foi reticente durante um bom tempo por n�o saber se daria conta de ser pai.
� sobre Kobra e tamb�m Carlos Eduardo o document�rio “Kobra auto retrato”, de Lina Chamie, que estreia nesta quinta-feira (17/11), no UNA Cine Belas Artes. Pichador na juventude, grafiteiro mais tarde e hoje muralista, o paulistano de Campo Limpo, na periferia de S�o Paulo, � um dos nomes mais conhecidos da arte brasileira no mundo contempor�neo. Mas sua arte est� nas ruas, onde ele come�ou e de onde nunca saiu.
Em primeira pessoa, Kobra narra sua trajet�ria, art�stica e pessoal, de frente para a c�mera. A entrevista, gravada em est�dio durante dois dias de maio de 2019, � a espinha dorsal do document�rio que une imagem, palavra e som em uma costura inteligente e imag�tica. � tudo direto, sem meias palavras – mas nada �bvio.
O projeto teve in�cio em 2018. Tamb�m paulistana, Lina Chamie o admirava de longe, por meio dos trabalhos p�blicos. Um jornalista, Edson Veiga, apresentou os dois. “Na �poca, ele iria para Nova York fazer um projeto de 18 murais e queria algu�m para filmar. S� que isto aconteceria dali a dois meses e n�o daria para eu levantar tudo o que precisava para fazer uma filmagem legal. Sugeri fazer um filme sobre a vida dele”, conta ela.
Ins�nia
Depois de realizar a entrevista, Lina maturou o material por tr�s meses para da� fazer as imagens que enchem a tela – dos murais, de S�o Paulo, de passagens de Kobra pelo mundo. � a ins�nia, companheira desde sempre, quem d� in�cio � narrativa. “A hist�ria dele � contada de um lugar solit�rio. Ele � autodidata e tem uma trajet�ria dif�cil n�o s� por vir da periferia, mas por toda a vida. Como encontrar imagens para isto?”, acrescenta a realizadora.Lina imaginou o filme como uma narrativa que se desenrola entre a realidade e o sonho. Em uma noite sem dormir, Kobra reflete sobre sua vida, do in�cio at� o ponto em que ele se encontra. H� muitas imagens noturnas, e a diretora o coloca tamb�m sob uma bicicleta, que, com uma c�mera subjetiva, vai registrando os caminhos dele por S�o Paulo.
“� como se ele estivesse visitando a si mesmo em uma noite solit�ria”, comenta Lina. A viagem parte da vida em fam�lia. O pai, estofador, nunca o compreendeu direito – s� no final da vida os dois chegaram a um entendimento. Mas as cores das amostras de tecidos influenciaram Kobra, ele tem consci�ncia disto.
Exclus�o
A Escola Municipal Maur�cio Sim�o, no Campo Limpo, foi o lugar dos primeiros pixos – e tamb�m da primeira exclus�o. O filme, na parte final, retorna a este espa�o, agora com outro sentido. Ainda na juventude, sem escola e sem casa, Kobra acaba tendo sua chance ao pintar o Playcenter – com o dinheiro ganho, pagou as contas e comprou um Mustang 0 KM. Coisa de moleque, ele hoje diz.Ao mesmo tempo em que viaja ao passado, o filme tamb�m coloca seu personagem no exterior, e as conquistas que v�o se somando. Lina s� n�o conseguiu uma coisa: que Kobra fizesse um autorretrato. “Ele me disse que n�o, que n�o se pintava e que buscava pessoas que o inspiravam. Mas, ao terminarmos o filme, feito em primeira pessoa e ele sempre sincero, eu vi que, no fim das contas, a relut�ncia em se pintar permitiu que o filme ocupasse o espa�o do autorretrato”, comenta.

Quatro perguntas para...
Eduardo Kobra
Muralista
O filme de Lina Chamie � muito pessoal, voc� fala em primeira pessoa e sempre de frente para a c�mera. Houve dificuldade neste processo?
Com certeza, pois a minha forma de comunica��o � a pintura. Falar para as c�meras � algo diferente. Sou uma pessoa introvertida, ent�o n�o foi f�cil, tive que quebrar muitas barreiras. O que me deu mais seguran�a foi o pr�prio trabalho de Lina. Assisti a v�rios filmes dela e vi como � uma pessoa sens�vel e delicada.
Tamb�m aceitei passar por este desafio por conta do Instituto Kobra (que deve ser inaugurado em Itu, no interior de S�o Paulo, em 2023). A finalidade do projeto � transformar vidas de meninos e meninas de comunidades. Quis mostrar, atrav�s da minha hist�ria, que voc� pode se dedicar, fazer o que � certo, e que a minha vida n�o � s� glamour, viagem, mas sempre pautada por desafios.
Tamb�m aceitei passar por este desafio por conta do Instituto Kobra (que deve ser inaugurado em Itu, no interior de S�o Paulo, em 2023). A finalidade do projeto � transformar vidas de meninos e meninas de comunidades. Quis mostrar, atrav�s da minha hist�ria, que voc� pode se dedicar, fazer o que � certo, e que a minha vida n�o � s� glamour, viagem, mas sempre pautada por desafios.
Sua obra � pautada por grandes murais e, em certo momento do filme, voc� fala da dificuldade de pintar telas pequenas. Como isto se d�?
Comecei na rua pintando murais grandes e cada vez mais foram surgindo convites para trabalhos maiores. Hoje, tenho dois no Guinness (o maior deles o chamado “Cacau”, de 2017, com 5,7 mil metros quadrados, na rodovia Castelo Branco, em Itapevi, S�o Paulo).
Trabalhar em menor escala �, para mim, uma dificuldade grande, pois tenho que usar outro tipo de equipamento e a pintura � mais delicada e demorada. Sou hiperativo, ent�o me enquadro bem em trabalhos din�micos. Por incr�vel que pare�a, levo o mesmo tempo para pintar uma tela pequena, de 2m X 2m, e uma parede de 20m X 5m.
Trabalhar em menor escala �, para mim, uma dificuldade grande, pois tenho que usar outro tipo de equipamento e a pintura � mais delicada e demorada. Sou hiperativo, ent�o me enquadro bem em trabalhos din�micos. Por incr�vel que pare�a, levo o mesmo tempo para pintar uma tela pequena, de 2m X 2m, e uma parede de 20m X 5m.
Quando voc� fala em tempo para pintar, est� falando de quanto?
Todo mural tem uma tela original. Tenho que fazer testes de cor e depois � que passo a arte do papel para o muro. Fiz recentemente um sobre o c�ncer de mama no Rio de Janeiro.
Era de 5m X 12m e terminei em cinco dias. Mas o que acontece � que �s vezes demoro mais para criar do que pintar (o muro). A cria��o � um processo de inspira��o, posso levar semanas para fazer. Agora, o mural do Guinness levou tr�s meses para ser feito.
Era de 5m X 12m e terminei em cinco dias. Mas o que acontece � que �s vezes demoro mais para criar do que pintar (o muro). A cria��o � um processo de inspira��o, posso levar semanas para fazer. Agora, o mural do Guinness levou tr�s meses para ser feito.
H� muitos anos voc� foi diagnosticado com intoxica��o por metais pesados em decorr�ncia da inala��o de tintas (mal que matou C�ndido Portinari em 1962) e j�, como afirma no filme, foi proibido de pintar pelos m�dicos. Est� em seus planos dar uma parada?
N�o existe a possibilidade de parar, e a pandemia deixou isso ainda mais claro. O per�odo em que fiquei em casa, recluso, foi muito ruim. Meu trabalho est� na rua, viajo o mundo todo e sou feliz fazendo isto. N�o tenho outro objetivo na vida, ent�o est� fora de cogita��o. Quando era jovem, n�o me protegia, n�o usava m�scara, e hoje em dia me protejo.
Por isso tive intoxica��o por metais pesados, que me trouxe uma s�rie de problemas de sa�de: ins�nia e intoler�ncia alimentar. Para voc� ter uma ideia, n�o posso com dezenas de alimentos: nada de leite, gl�ten, feij�o, ovos, aveia, gergelim. A��car me faz mal e n�o tomo nada de bebida alco�lica. Isto tudo foi gerado por intoxica��o de tinta.
Por isso tive intoxica��o por metais pesados, que me trouxe uma s�rie de problemas de sa�de: ins�nia e intoler�ncia alimentar. Para voc� ter uma ideia, n�o posso com dezenas de alimentos: nada de leite, gl�ten, feij�o, ovos, aveia, gergelim. A��car me faz mal e n�o tomo nada de bebida alco�lica. Isto tudo foi gerado por intoxica��o de tinta.
“KOBRA AUTO RETRATO”
(Brasil, 2022, 84min.). Dire��o: Lina Chamie. Estreia no UNA Cine Belas Artes, �s 14h, na Sala 3 e �s 19h, na Sala 1.