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Estado de Minas AUDIOVISUAL

Ind�genas tukunas e matis fazem cinema na floresta amaz�nica

Povos que vivem na Col�mbia e no Brasil dispensam o olhar ex�tico de cineastas brancos e decidem filmar as pr�prias hist�rias


22/11/2022 04:00 - atualizado 21/11/2022 21:57
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Foto mostra indígena matis Dame Betxun segurando a câmera de filmagem
Dame Betxun participou de 'Festa da tatuagem matis', premiado no festival de cinema ind�gena Kurumin, em 2021 (foto: Carlos Suarez/AFP)

''N�o queremos que os brancos venham nos filmar''

Dame Betxun, cineasta do povo matis

 

Nas entranhas da selva amaz�nica colombiana, uma Torre de Babel. Ind�genas de diferentes l�nguas, pa�ses e etnias descobriram no cinema a linguagem comum para narrar sua hist�ria longe do olhar estrangeiro.


Em San Mart�n de Amacayacu, os povos matis, do Brasil, e tikuna, da Col�mbia, encontraram-se pela primeira vez. Foi uma viagem de sete dias por estradas e rios tortuosos.


Determinados a narrar suas pr�prias hist�rias, os matis ganharam duas c�meras em 2015, gra�as � Funda��o Nacional do �ndio (Funai), e aprenderam a filmar com o apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI).


Agora desejam que as comunidades do outro lado da fronteira tamb�m contem suas hist�rias. “N�o queremos que os brancos venham nos filmar”, diz Dame Betxun Matis, de 27 anos.

 

Indígena tikuna sorri, enquadrada pela lente da câmera de filmar de um indígena, na Amazônia
Mulher tikuna � uma das personagens do curta-metragem filmado sob orienta��o dos ind�genas matis em San Mart�n de Amacayacu, na Col�mbia (foto: Lina Vanegas/AFP)
 

'Homens-on�a' bons de c�mera

Um matis de rosto tatuado d� instru��es sobre como focar. Eles se comunicam por meio da mistura de espanhol, portugu�s e l�nguas nativas.  Desde que os “homens-on�a” chegaram a este povoado colombiano de 700 habitantes, tudo � “satisfa��o” e “curiosidade”, afirma a tikuna Lizeth Reina, de 24.


“N�o sab�amos manejar uma c�mera, ent�o o que eles fazem � mostrar sua experi�ncia, proporcionando conhecimento e perseveran�a (...) estamos muito felizes com esse passo que estamos dando pela primeira vez”, diz, em espanhol, a jovem aprendiz.


Uma dezena de matis deixou suas terras no Vale do Javari, regi�o castigada por m�fias do tr�fico de drogas, da pesca, da minera��o e da madeira. Neste territ�rio, o jornalista brit�nico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram mortos a tiros em 5 de junho.


“N�o � f�cil chegar aqui. A gente sofre um pouco, mas � muito emocionante, n�o �?”, diz o cineasta Pixi Kata Matis, de 29, com o rosto tatuado como felino, tra�o que distingue esta etnia, contatada pela primeira vez em 1976.

 

Com a câmera na mão, indígena tikuna filma outro indígena tomando bebida com uma cuia
Tikunas fazem curta sobre suas tradi��es, como o masato, bebida fermentada � base de mandioca, servida em cuias (foto: Lionel Rossini/AFP)
 


De m�o em m�o, eles passam a cuia transbordando de masato, bebida fermentada � base de mandioca. Os visitantes bebem entre caretas e o riso dos tikunas.


Na maloca, o centro cultural, pol�tico, social e espiritual da aldeia, come�a a proje��o dos filmes matis. Centenas de espectadores deslumbrados contemplam ca�adas com zarabatanas, arcos e flechas, al�m do festival de tatuagem, ritual que acompanha a transi��o dos jovens matis para a vida adulta.


“Temos de mostrar a outros povos e aos brancos que temos nossa identidade”, diz Pixi. As cenas inspiram “respeito”, acreditam os tikunas. “Os filmes podem ajudar a deixar mem�rias para o futuro (...) para que n�o esque�amos nossas tradi��es”, comenta Yina Moran, de 17, em espanhol.

Curtas tem�ticos

Divididos em grupos mistos, os tikunas pretendem realizar tr�s curtas-metragens sobre sementes, plantas medicinais e masato com o apoio dos matis, do CTI e da associa��o francesa ForestEver.


“As c�meras mergulharam na paisagem, e as fam�lias estavam mais dispostas a compartilhar e se comunicar”, observa a coordenadora da ForestEver, Claire Davigo.


Um exuberante parque natural circunda San Mart�n de Amacayacu. Casas de madeira e telhados de zinco, algumas com murais coloridos, abrigam v�rias gera��es da mesma fam�lia.


Aprendizes e veteranos passam o dia fazendo entrevistas e registrando o cotidiano. “A comunica��o foi muito bonita, porque nos entendemos mesmo falando pouco portugu�s, mas por meio de nossas culturas”, ressalta Yina.

 

Indígena cineasta Pixi Matis sorri, em frente ao rio que corta aldeia tikuna na Colômbia
Pixi Kata foi � Col�mbia ensinar os tikunas a filmar (foto: Carlos Suarez/AFP)

''Temos de mostrar a outros povos e aos brancos que temos nossa identidade''

Pixi Kata, cineasta do povo matis

 


� tarde, quando o calor diminui, os moradores se re�nem no rio, algumas mulheres lavam roupa e outras tomam banho.
� noite, os geradores de energia s�o ligados por quatro horas. Depois disso, o mundo sonoro da floresta come�a.


Os matis foram contatados nos anos 1970 e, uma d�cada depois, j� eram estrelas das “reportagens ex�ticas” feitas por jornalistas de Estados Unidos, Jap�o, Fran�a e Inglaterra, segundo o CTI.


Estrangeiros ficavam cativados por aquelas figuras ornamentadas – orelhas furadas com ornamentos grossos; narizes e l�bios cruzados por hastes finas; bochechas e testas tatuadas com linhas pretas e paralelas.


“Muitas pessoas queriam ir para a aldeia. E foram muitas vezes. Filmaram muitas coisas sem a nossa autoriza��o, sem o nosso entendimento. Filmaram e logo depois tiraram o material”, lamenta Pixi. � por isso que, em 2017, os matis come�aram a escrever sua pr�pria hist�ria.

 

Indígena tikuna em frente a panelas com carne de animais que será preparada para o almoço
Curta mostra o cozinheiro tikuna preparando o almo�o (foto: Lina Vanegas/AFP )
 

Document�rio premiado

Dame n�o larga a c�mera. Ele participou da realiza��o do document�rio “Festa da tatuagem matis”, que ganhou o pr�mio do j�ri no festival de cinema ind�gena Kurumin, em 2021.


O filme mostra a tradi��o de marcar o rosto que os jovens abandonaram quando come�aram a ser discriminados nas cidades.
Pixi convenceu a comunidade a retomar o ritual, depois que um universit�rio o repreendeu em p�blico porque ele n�o parecia “ind�gena original” sem as tatuagens.

 

Professora indígena Loia Ruiz em frente a maloca da aldeia tikuna, na Colômbia
Loida Ruiz, professora dos tikunas, tamb�m aparece no filme rodado na floresta colombiana (foto: Lionel Rossini/AFP )
 


Cerca de 90 jovens das quatro aldeias matis fizeram tatuagens e foram filmados em v�deo por seus colegas.


“Gosto muito da aldeia dos tikunas (...) Gostei muito de fazer esse interc�mbio audiovisual”, diz Betxun, com longo colar cruzado sobre o torso nu.

Sess�o de gala

Na �ltima noite em San Mart�n, centenas de moradores v�o � maloca ver os curtas feitos pelos jovens tikunas com a ajuda dos matis.


Risos, aplausos e muito masato acompanham a proje��o. Perguntado se viver entre dois mundos, um ocidental e outro ind�gena, � algo que o afeta, Pixi responde, sem rodeios: “N�o vivemos entre dois mundos, vivemos com dois mundos.”


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