
Ao longo dos �ltimos seis meses, Amanda Carneiro, curadora no Museu de Arte de S�o Paulo (MASP) e coeditora da revista "Afterall" – publica��o norte-americana de arte contempor�nea –, separava um dia a cada m�s para sair de S�o Paulo e vir a Belo Horizonte para bate-volta. Ela foi uma das curadoras da oitava edi��o do Bolsa Pampulha, programa de resid�ncia art�stica da Prefeitura de Belo Horizonte.
O trabalho desenvolvido pelos artistas residentes sob curadoria dos dois est� na exposi��o "Botar f�", que ser� aberta nesta sexta-feira (25/11), no Museu de Artes e Of�cios, na regi�o central da cidade.
Parte das obras ser� exposta no Viaduto das Artes, na regi�o do Barreiro; e no jardim do Museu de Arte da Pampulha (MAP), a partir deste s�bado (26/11). A visita��o fica aberta at� fevereiro.

Os artistas residentes s�o Artes Sapas, ciber_org, Comum, Cozinha Comum, Dalila Coelho, Froiid, Hort�ncia Abreu, Ing Lee, �talo Almeida, Josane Jorge, Luana Vitra, Lucas Emanuel, Marcelo Venzon, Marcus Deusdedit, Mateus Moreira e Pedro Neves. O nome da mostra foi escolhido em virtude das repetidas vezes que os artistas disseram aos curadores a express�o "boto f�".
"Agora que a montagem est� finalizando, a gente pode perceber o quanto a interlocu��o entre esses artistas produziu di�logos muito al�m do que a gente podia imaginar", comenta Amanda, em entrevista concedida no in�cio da tarde de quarta-feira (23/11).
Os bolsistas trabalharam por seis meses e, al�m de contarem com o apoio dos curadores, tiveram tamb�m suporte de tutores. Entre eles, Gabriel Martins, diretor de "Marte Um", filme brasileiro que tenta uma vaga no Oscar 2023. Os outros tutores foram Br�gida Campbell, Marcel Diogo e Laura Bel�m.

Di�logos MAP
V�rias a��es foram realizadas pelos residentes ao longo dos �ltimos seis meses. "Uma delas era chamada de di�logos MAP, onde convidamos agentes do sistema de artes para ser uma interlocu��o com os artistas residentes'', explica Amanda. Participaram desses di�logos desde estrangeiros, como o coletivo argentino Serigrafia Queer, at� nomes locais e tradicionais da cena art�stica, como o fot�grafo mineiro Eust�quio Neves.
Em paralelo a essas a��es, houve tamb�m atividades voltadas para a comunidade, para incentivar o fortalecimento do v�nculo entre os artistas e a cidade. Diferentemente das edi��es passadas, o Bolsa Pampulha deste ano aumentou de 10 para 16 o n�mero de artistas e coletivos contemplados e eliminou a limita��o de idade (35 anos) para participar do programa, o que permitiu a Froiid, hoje com 36, ser selecionado.
"O Bolsa Pampulha coaduna muito com minha linguagem, com meus trabalhos que discutem o museu, os espa�os espec�ficos e os di�logos com a arquitetura. S�o sempre coisas que me interessaram e est�o permeadas no meu trabalho", afirma.

Na v�rzea
Para a mostra "Botar f�", Froiid fez pesquisa relacionada ao futebol de v�rzea. H� alguns anos, o esporte e os jogos em geral atraem o artista. Na Copa de 2014, por exemplo, juntamente com o Coletivo Mapa, ele fez um paralelo do mundial de futebol, no qual o campo era hexagonal e, ao inv�s do juiz, havia um terceiro time.
"A partir da� eu come�o a misturar meu trabalho com tr�s elementos, que s�o a tradi��o construtivista da arte contempor�nea brasileira, a maneira como os jogos se constitu�ram na sociedade e, por fim, a favela, a periferia", explica.
Pesquisando mais sobre o circuito de futebol amador, Froiid observou que existiam v�rios elementos est�ticos que poderiam fazer parte das instala��es que ele tinha em mente para o programa de resid�ncia. "Em BH existem mais de mil times amadores, sendo que alguns t�m mais de 100 anos de exist�ncia", admira-se o artista.
Uma das obras desenvolvidas � um agrupamento com 22 bandeiras concebido a partir do formato dos bras�es e das cores dos times que se repetiam. Essas bandeiras estar�o expostas no MAO junto da grava��o de cantos e tambores que Froiid fez com torcidas organizadas de alguns dos clubes que integram o circuito do futebol de v�rzea da cidade.
Outra instala��o do artista est� no Viaduto das Artes. S�o 22 figurinhas em tamanho A3 com fotos que ele fez, n�o de jogadores, e sim de elementos t�picos do futebol de v�rzea, como o campinho de terra, as marca��es de campo e os inusuais patrocinadores das camisas. Todas essas figurinhas s�o assinadas por "sujeitos varzeanos".
"Esses sujeitos s�o as pessoas que fazem a v�rzea. � o cara que tem um boteco do lado, o pessoal que vende cerveja, a galera que vai ver o jogo, os dirigentes do time. S�o as pessoas que frequentam esse circuito", diz Froiid.
Para a terceira instala��o, que estar� no jardim do MAP, o artista se inspirou na religiosidade, que acabou virando um dos elementos do futebol. Para ele, o est�dio chega a ser considerado por muitos como um templo, onde o pr�prio jogo � visto como um culto. Ser�o expostas, portanto, tr�s fotos de jogadores - de v�rzea, conforme ele destaca - rezando ao comemorar um gol ou a vit�ria do time.

Grafite
Outro artista que tamb�m contar� com instala��es integrando a mostra "Botar f�" � o grafiteiro e rapper Comum. Aos 35 anos, ele � outro que corria o risco de ficar de fora do programa por limita��o de idade.
Comum preparou tr�s instala��es de grafite espalhados pela cidade (o primeiro est� no Viaduto Mo�ambique, na Avenida Ant�nio Carlos; o segundo est� no Viaduto das Artes, no Barreiro; e o terceiro, que ele produzia na tarde de quarta-feira, est� em local ainda n�o divulgado). Comum tamb�m ter� uma interven��o exposta no MAO.
No grafite, o estilo do desenho que Comum usa em suas interven��es � chamado de "Sopa de letras", justamente o nome que ele deu ao conjunto das obras que integram "Botar f�". As 'Sopas de letras' s�o grandes interven��es coletivas feitas na rua, onde v�rias pessoas escrevem o pr�prio nome, criando um mosaico colorido com diversos nomes.
Para fazer jus ao nome do estilo de grafite escolhido para suas obras, Comum convidou 16 grafiteiros para criar sua pr�pria "Sopa de letras" dentro do MAO. No entanto, ao inv�s de eles escreverem o pr�prio nome, Comum pediu para que escrevessem trechos de frases, em uma proposta de se apropriar do dispositivo do grafite para a constru��o textual.
"O texto � um grande componente dessa obra", afirma. "Eu parto da frase 'Um graffiti na parede j� defende algum direito', do Heli�o, que � do grupo de rap paulista RZO, e vou modificando para: 'A palavra na parede j� defende algum direito' e 'Um nome na parede j� defende algum direito'. � uma intertextualidade entre o rap, o grafite e o texto para buscar as aproxima��es entre elas", explica.
"O lugar da arte de rua � na rua mesmo, Contudo, ao mesmo tempo, � muito importante lev�-la para dentro do museu, porque, querendo ou n�o, o museu ainda � a inst�ncia legitimadora da arte. Para muitos artistas de rua, � representativo estar dentro do museu"
Comum, artista pl�stico
Ao longo dos �ltimos anos, curadores de importantes institui��es nacionais e internacionais ensaiam o movimento de trazer a arte de rua para dentro dos museus, precisamente o que Comum est� fazendo com sua interven��o no MAO. "Busco sempre as converg�ncias desses universos. Mas confesso que � algo muito conflituoso, muitas vezes eles se estranham. Mas ainda acho que � poss�vel convergir", afirma.
"� importante entender que, na maioria das vezes, o lugar da arte de rua � na rua mesmo, Contudo, ao mesmo tempo, � muito importante lev�-la para dentro do museu, porque, querendo ou n�o, o museu ainda � a inst�ncia legitimadora da arte. Al�m disso, percebo que, para muitos artistas de rua, � representativo estar dentro do museu."
Essa converg�ncia tamb�m � o que a curadora Amanda Carneiro espera para um futuro n�o t�o distante nas artes visuais. "Ainda h� uma dificuldade de acesso (�s diferentes formas de arte). Mas, cada vez mais, as institui��es e os agentes do sistema entendem a necessidade de ampliar o acesso para que os espa�os de artes sejam mais acolhedores. E para que a rua ocupe as institui��es de arte e as institui��es tamb�m ocupem as ruas. Esta exposi��o, portanto, transita bem entre esses diversos espa�os", diz.
"BOTAR F�"
Exposi��o dos artistas residentes da 8ª edi��o do Bolsa Pampulha. No Museu de Artes e Of�cios (Pra�a Rui Barbosa, 600, Centro), desta sexta (25/11) a 4 de fevereiro de 2023. No Viaduto das Artes (Avenida Olinto Meireles, 45, Barreiro), deste s�bado (26/11) a 5 de fevereiro de 2023. No jardim do Museu de Arte da Pampulha (Avenida Otac�lio Negr�o de Lima, 16.585, Pampulha), deste s�bado (26/11) a 5 de fevereiro de 2023.

OS RESIDENTES
Confira os artistas e coletivos participantes do Bolsa Pampulha
. Artes Sapas (Let�cia Bezamat e N�dia Fonseca)
. ciber_org
. Comum
. Cozinha Comum (Jon Olier, Julia Bernardes, La�s Velloso e Silvia Herval)
. Dalila Coelho
. Froiid
. Hort�ncia Abreu
. Ing Lee
. �talo Almeida
. Joseane Jorge
. Luana Vitra
. Lucas Emanuel
. Marcelo Venzon
. Marcus Deusdedit
. Mateus Moreira
. Pedro Neves