A partir de uma receita que mistura "blockbusters e hist�rias comoventes", o longa estrelado por Michelle Yeoh tem conflitos familiares que se desenrolam em m�ltiplos metaversos (foto: Diamond Films/divulga��o)
Mais novo integrante dos Goonies, Data � um garoto chin�s que, inspirado pelo �dolo James Bond, adora inventar apetrechos. Por anos a perder de vista, o personagem da cl�ssica aventura oitentista foi a principal refer�ncia sobre o ator Ke Huy Quan, americano nascido no Vietn�, hoje na casa dos 50 anos. Quando se tornou adulto, Quan se viu escanteado por Hollywood. N�o havia pap�is para ele, que passou a trabalhar na equipe t�cnica de produ��es americanas e asi�ticas.
A invisibilidade de Quan na ind�stria encontra um paralelo em Waymond Wang. � doce e engra�ado, mas sua mulher, Evelyn (Michelle Yeoh), n�o presta a menor aten��o nele. Nem mesmo o pedido de div�rcio que Waymond apresenta a ela surte grande efeito. Mas, assim como Data, Waymond traz uma carta na manga – na verdade, uma pochete, que usa como arma.
Os Wang, imigrantes chineses que vivem nos Estados Unidos, s�o o par central de “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, um destes fen�menos que Hollywood produz de quando em vez. O filme, uma com�dia abilolada mas cheia de afetos capitaneada por dois nomes do cinema independente – Dan Kwan e Daniel Scheinert, que assinam roteiro e dire��o como “Daniels” – � uma das produ��es mais faladas na atual temporada de pr�mios.
Quando as indica��es para o Oscar forem anunciadas, em 24 de janeiro, a probabilidade de “Tudo em todo lugar...” figurar entre as principais categorias – melhor filme e atriz para Yeoh, pelo menos – � enorme. Os sinais est�o por todos os lados. O longa lidera as indica��es do Independent Spirit Awards 2023, com oito nomea��es, incluindo filme, dire��o e protagonista – a premia��o ser� em 4 de mar�o, uma semana antes da cerim�nia da Academia de Artes e Ci�ncias Cinematogr�ficas de Hollywood.
Bilheteria
Na semana passada, o longa se tornou o principal vencedor do Gotham Awards, com os trof�us de melhor filme e performance coadjuvante para Ke Huy Quan. Tornou-se um fen�meno ainda nas salas de cinema: somente no Brasil, o filme, que estreou no final de junho passado, ficou 19 semanas em cartaz (uma vit�ria e tanto neste per�odo de vacas magras, em que produ��es independentes mal conseguem superar a semana de estreia). No pa�s, fez 190 mil espectadores.
Atualmente dispon�vel no Brasil para aluguel e compra em v�rias plataformas, “Tudo em todo lugar...” traz uma hist�ria complicada de enquadrar. � uma com�dia, mas carrega muitos dramas. � tamb�m uma fic��o cient�fica, pois trata de universos paralelos, os metaversos como chamamos hoje.
Ainda que tenha dois grandes nomes da ind�stria como produtores, os irm�os Anthony e Joe Russo, as figuras por tr�s dos blockbusters Marvel, acompanha pessoas absolutamente comuns. Evelyn (Michelle Yeoh, a atriz malaia que ganhou o mundo com “O tigre e o drag�o”) � uma mulher sobrecarregada.
Imigrante chinesa que foi tentar a vida nos EUA com o marido Waymond, administra uma lavanderia � beira do fracasso. O casamento tamb�m est� em vias de acabar. N�o obstante, a vida em fam�lia sofre outra crise. Evelyn n�o aceita que a �nica filha, Joy (Stephanie Hsu), tenha uma namorada. Tenta esconder o relacionamento do pai, Gong Gong (James Hong), um chin�s tradicional que chega para comemorar seu anivers�rio.
D�vida
Antes da festa, no entanto, Evelyn tem que tratar de um problema urgente. Ela est� com v�rias pend�ncias com a Receita Federal, e a auditora respons�vel pelo caso, Deirdre (Jamie Lee Curtis), lhe avisa que seu tempo est� esgotando. Acreditando ter fracassado em tudo, Evelyn, com a ajuda de outra vers�o do pr�prio marido, vai parar em diferentes universos. Explorando as vidas que poderia ter vivido, ela descobre que, sozinha, ter� que salvar o mundo do dem�nio Jobu Tupaki.
A hist�ria, absolutamente improv�vel, funciona em meio a situa��es absurdas. Dependendo do universo em quest�o, as pessoas podem ter dedos como salsichas; ou ent�o um donut ser um vil�o. E Evelyn e Waymond, nestas outras vidas, lutam como ningu�m. N�o bastante a narrativa insana, o filme � falado em tr�s idiomas: ingl�s, canton�s e mandarim.
Ke Huy Quan ganhou o pr�mio Gotham Awards, na categoria Performance coadjuvante (foto: Diamond Films/divulga��o)
'Por muito tempo, Hollywood n�o teve bons personagens para asi�ticos. Isto mudou, e foi por isto que quis ser ator de novo. Estou bem otimista, mas sonho com o dia em que n�o precisemos mais falar sobre 'atores asi�ticos'. Espero todo tipo de personagem, n�o s� um tipo espec�fico'
Ke Huy Quan, ator
Em plena campanha para a temporada de pr�mios, parte da equipe de “Tudo em todo lugar...” participou, nesta semana, de uma entrevista on-line com a imprensa de todo o mundo. Rec�m-premiado com o Gotham, Dan Kwan se disse “chocado” com a repercuss�o do t�tulo. “Quando ele foi lan�ado, em mar�o (nos EUA), achei que ter�amos sorte se as pessoas o levassem seriamente. Mas elas est�o falando do filme at� hoje, algo que n�o poderia imaginar.”
De acordo com Kwan, “Tudo em todo lugar...” nasceu da vontade de “combinar os filmes que gostamos: blockbusters e hist�rias comoventes. Mas n�o sab�amos se ia funcionar.” Daniel Scheinert comentou ainda que a �tima recep��o de p�blico e de cr�tica � quase um “acidente”. “Contamos uma hist�ria muito espec�fica, sobre a comunidade chinesa nos EUA, e falada em tr�s l�nguas. Ou seja, n�o � um filme para um p�blico internacional. Mas as pessoas se relacionaram com ele.”
Para Kwan, o hist�rico da dupla pode explicar a �tima aceita��o que o longa teve mundo afora. “Somos diretores criados no universo dos videoclipes. Ent�o sabemos criar hist�rias sem di�logos, em que o aspecto visual assume este poder.”
Lan�ado em junho passado nos cinemas, onde fez bom p�blico, t�tulo agora est� dispon�vel no streaming (foto: Diamond Films/divulga��o)
Triste
“Tudo em todo lugar...” foi rodado em 38 dias. “Os Daniels filmavam de uma maneira fren�tica. Mesmo sendo um filme com tal n�vel de complexidade, foi muito r�pido”, disse Jamie Lee Curtis. Com uma carreira que j� soma 45 anos, ela admitiu que nunca fez uma personagem como Deirdre. “� medida que eu a conhecia, via qu�o triste ela era.”
Jamie tamb�m elogiou muito o trabalho de seus colegas. “Desde o come�o do projeto eu j� sabia o que iria fazer. A Michelle tinha um trabalho muito mais dif�cil, o roteiro dela tinha umas 25 cores diferentes (marcando cada fala) j� que a personagem tinha mudan�as r�pidas, algumas impercept�veis. No meu caso, eu s� circulei meu nome no script.”
A atriz ainda se lembrou da hist�ria de Ke Huy Quan: “Um grande exemplo de perseveran�a e acreditar em si pr�prio, pois chegou num ponto em que a ind�stria o rejeitou”. Presente na entrevista virtual, o ator contou que quando foi fazer a audi��o para o papel de Waymond, tinha a sensa��o de que o personagem seria dele. “Quando li o roteiro pela primeira vez, j� peguei de cara o que queriam. Quis um bom papel por tanto tempo e ele finalmente veio.”
Ainda impactado com o pr�mio do Gotham Awards, Quan acrescentou que, aos poucos, as barreiras v�m sendo quebradas. “Por muito tempo, Hollywood n�o teve bons personagens para asi�ticos. Isto mudou, e foi por isto que quis ser ator de novo. Estou bem otimista, mas sonho com o dia em que n�o precisemos mais falar sobre ‘atores asi�ticos’. Espero todo tipo de personagem, n�o s� um tipo espec�fico”, afirmou.
“TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO”
(EUA, 2022, 139min., de Dan Kwan e Daniel Scheinert, com Michelle Yeoh, Ke Huy Quan e Jamie Lee Curtis) – Dispon�vel para compra ou aluguel no AppleTV, Claro Video, iTunes, Google Play, Prime Video e YouTube.