
Quem entrar no CCBB, a partir desta quarta-feira (14/12), vai se deparar, logo no hall, com arm�rios tortos (um deles pendurado no teto) e cristaleiras deformadas. Semelhantes ao quadro “A persist�ncia da mem�ria”, de Salvador Dal�, com seus elementos “derretidos”, os m�veis integram a exposi��o “A forma n�o cumpre a fun��o”, do artista pl�stico belo-horizontino Francisco Nuk, que ficar� em cartaz at� 13 de fevereiro.
Cada um dos tr�s espa�os do primeiro piso do CCBB recebeu instala��o de Nuk. No primeiro, h� duas mesas entrela�adas, com cabeceira de madeira de 7m de comprimento, formato que remete �s ondas. No segundo, 150 gavetas foram dependuradas e agrupadas sem ordem l�gica. No �ltimo, seis cristaleiras est�o dispostas como domin�s, at� serem barradas por um espelho gigante.
“As pessoas costumam considerar meu trabalho surrealista, mas a verdade � que foi um acidente”, explicou o artista durante visita guiada � mostra, na segunda-feira.
N�o � mesmice
A ideia inicial de Nuk era fazer um arm�rio torto. Por ter trabalhado a vida inteira como marceneiro, estava acostumado a produzir m�veis sob medida com funcionalidade prevista e, sobretudo, equil�brio e sustenta��o. No entanto, ele decidiu sair da mesmice. E arriscou, deformando os objetos com o intuito de tirar a utilidade deles.Foi assim que surgiram as mesas de cabeceira tortas e entrela�adas. As gavetas perderam sua fun��o utilit�ria. De in�cio, elas n�o seriam de verdade, apenas detalhes da escultura. “Mas veio uma provoca��o do meu pai, dizendo que eu deveria fazer as gavetas se abrirem”, revela Nuk. Ele � filho do artista pl�stico S�rgio Machado.
“Gavetas abertas, passei a enfrentar um dilema: se fossem todas fechadas, mero ornamento, eu teria uma escultura; a partir do momento em que elas se abrem, a obra se torna mobili�rio.”

� algo presente nas casas, principalmente das av�s, para propor a seguinte reflex�o: OK, voc� quer me colocar um r�tulo, quer que eu tenha um emprego, me case, tenha filhos (...). No entanto, vou ser arm�rio do meu pr�prio jeito. Posso ser, sim, gaveta, mas serei gaveta de cabe�a para baixo
Francisco Nuk, artista pl�stico
Afinal de contas, a arte deve ser in�til para existir?
Esta pergunta n�o saiu da cabe�a de Nuk. A partir da d�vida, ele passou a refletir sobre o conceito de inutilidade, levando tal dilema para suas pe�as.
Cada cria��o dele deveria ser o mais disfuncional poss�vel. Assim, surgiram gavetas de cabe�a para baixo, arm�rio flutuante e cristaleiras no formato de ferramenta.
Quanto mais objetos in�teis criava, Nuk mais encontrava novos significados para as obras.
“As pessoas caracterizam minhas obras como surrealistas porque exploro a utilidade at� o limite para ela eventualmente se tornar in�til. No entanto, o que � in�til? Ser� que existe, por excel�ncia, esse in�til? Me incomoda muito pensar que nada vai ser in�til, porque isso � quest�o de perspectiva”, observa.

A partir dessa constata��o, ele criou a instala��o com 150 gavetas dispostas sem ordem l�gica. A escolha das pe�as n�o foi acaso, pois Nuk � fascinado por gavetas. Afinal, ao mesmo tempo em que ajudam as pessoas a serem mais organizadas e guardam coisas importantes, elas s�o confinadas a locais obscuros, enclausuradas. De acordo com o artista, isso refor�a o aspecto acumulador e um tanto quanto mesquinho do ser humano.
“A inutilidade n�o pode ser vista como antag�nica, n�o pode ser rejeitada. Ela precisa ser um novo ambiente para o questionamento de algo que incomoda, para nos fazer pensar em alternativas”, diz.
Arm�rio "filos�fico"
Ao buscar a ressignifica��o do mobili�rio tradicional, Nuk conta que se encontrou. E quanto mais se enxergava na pr�pria produ��o, mais mergulhava no questionamento a respeito da inutilidade.
“Eu me vi naquele arm�rio. Passei a questionar a minha pr�pria utilidade”, observa.
“A ideia, ent�o, foi trabalhar com a mob�lia mais conservadora em estilo antigo, mas que, ao mesmo tempo, traz mem�ria afetiva muito grande para n�s, mineiros. � algo presente nas casas, principalmente das av�s, para propor a seguinte reflex�o: OK, voc� quer me colocar um r�tulo, quer que eu tenha um emprego, me case, tenha filhos e seja uma pessoa pr�-definida, assim como a mob�lia � pr�-definida. Tudo bem. No entanto, vou ser arm�rio do meu pr�prio jeito. Posso ser, sim, gaveta, mas serei gaveta de cabe�a para baixo.”

Domin� com cristaleiras
A terceira instala��o do t�rreo remete ao desejo de Nuk de se libertar. As seis cristaleiras dispostas em domin� s�o uma forma de provocar o p�blico com a seguinte quest�o: “O que aconteceria se a nossa utilidade fosse empurrada, despejada e quebrada?”Nuk diz que, antes de ser artista, � marceneiro. Com t�cnicas da marcenaria, constr�i obras art�sticas e est� inserido no que chama de “ciclo de utilidade”.
Seguir a carreira art�stica iria contra o que � considerado �til, e essa contradi��o est� representada na �ltima instala��o da mostra. Cristaleiras caindo em “efeito domin�” significam a destrui��o gradativa da “persona �til” de Nuk, mas tamb�m a liberdade para criar.
As cristaleiras, ali�s, n�o se limitam a representar Nuk. Qualquer um que queira romper com o tal “ciclo de utilidade” estar� representado nesta instala��o. O resultado desse rompimento? Est� refletido no espelho gigante logo � frente.
“A FORMA N�O CUMPRE A FUN��O”
Esculturas de Francisco Nuk. De quarta a segunda-feira, das 10h �s 22h, no Centro Cultural do Banco do Brasil (Pra�a da Liberdade, 450, Funcion�rios). Entrada franca. Em cartaz at� 13 de fevereiro. Informa��es: (31) 3431-9400.
