Reprodução da tela de Vermeer 'Moça com brinco de pérola'

Mais famosa tela de Johannes Vermeer (1632-1975), "Mo�a com brinco de p�rola" j� inspirou filme hom�nimo, estrelado por Scarlett Johansson

Lex van Lieshout /AFP

Pouco se sabe a respeito da vida de Johannes Vermeer (1632-1975). Acredita-se que o pintor holand�s, autor da celebrada tela “Garota com brinco de p�rola”, tenha vivido tranquilamente em sua cidade natal, Delft, e, justamente por isso, sua biografia n�o conta com nenhum epis�dio mais chamativo.


Al�m disso, o que motivou o maior representante do tronie (g�nero espec�fico da pintura que retrata modelos an�nimos, por vezes com express�o exagerada ou traje inusitado) ser completamente esquecido, tendo sua mem�ria resgatada somente na segunda metade do s�culo 19?
 
Reprodução da tela de Vermeer 'Moça lendo carta de amor'

Restaura��o de "Mo�a lendo carta de amor", feita em 2021, identificou que o pintor apagou um cupido que havia pintado na parede atr�s da leitora

�Gem�ldegalerie Alte Meister/Divulga��o
Talvez sejam a essas quest�es que a mostra “Mais perto de Johannes Vermeer”, inaugurada neste m�s, no Rijksmuseum de Amsterd�, tente responder.

Pela primeira vez, uma exposi��o re�ne todas as pinturas que se conhecem de Vermeer. S�o 28 telas ao todo, muitas delas empr�stimos dos principais museus internacionais e de cole��es particulares na Europa e nos Estados Unidos.
 
Reprodução da tela de Vermeer 'O astrônomo'

"O astr�nomo" � uma das obras pertencentes ao acervo do Louvre, que, assim como outras institui��es e colecionadores, emprestou suas telas para a mostra�

Museu do Louvre/Divulga��o
Embora esteja com ingressos esgotados – somente nos primeiros dias de visita��o, aberta no �ltimo dia 10/2, o museu vendeu 200 mil bilhetes –, a exposi��o pode ser conferida virtualmente pelo site da institui��o, numa esp�cie de visita guiada (em  ingl�s, com a possibilidade de legenda tamb�m em ingl�s).

Luzes da manh�

Narrada pelo ator e escritor brit�nico Stephen Fry (“V de vingan�a”, “O Hobbit”, “Sherlock Holmes”), o tour virtual come�a pela tela “Vista de Delft”, que retrata a cidade nas primeiras horas da manh� – o rel�gio da igreja marca 7h.

“Essa pintura quase parece uma fotografia. Os reflexos do pr�dio e a luz na �gua parecem t�o reais”, afirma Fry ao apresentar o quadro. A luz, ali�s, � um elemento muito explorado por Vermeer em toda a sua obra. 

Oriundo do Barroco, movimento que tinha como principal caracter�sticas fazer esse contraste entre claro e escuro, Vermeer dominou essa t�cnica como poucos, sendo considerado at� um “Caravaggio n�rdico”, em refer�ncia ao principal pintor do Barroco italiano.

Em “Vista de Delft”, no entanto, h� um detalhe que quase passa despercebido: � margem do Rio Schie, duas mulheres est�o conversando; uma delas veste as mesmas roupas da personagem retratada na tela “A leiteira”.

Os cuidados com os detalhes fizeram com que Vermeer se destacasse de seus contempor�neos da chamada Idade de Ouro Holandesa, quando as prov�ncias dos Pa�ses Baixos transformaram-se em pot�ncia capitalista. Ao menos, essa � a percep��o que se tem hoje do pintor.

Reprodução da tela de Vermeer 'A leiteira'

"A leiteira" tem uma tela pr�pria e aparece tamb�m como detalhe em "Vista de Delft", paisagem da cidade natal do pintor

Rijksmuseum/Divulga��o
Na �poca, entretanto, ele vivia priva��es, morando com a esposa e os 11 filhos na casa da sogra e tendo enormes dificuldades para vender seus quadros. Quando morreu, sua vi�va precisou vender todos os quadros que ainda estavam com ela para que tivesse um local para morar.

Mesmo com todas as dificuldades, Vermeer n�o abandonou o esmero nas pinceladas e as mensagens que deixava nos detalhes que hoje observadores mais atentos tentam decifrar. O cuidado era tanto que, n�o raras vezes, ele “apagava” alguns elementos que havia inserido originalmente na tela.

Isso foi feito, por exemplo, em “Mo�a dormindo”. � poss�vel ver uma mo�a sentada � mesa, dormindo com a cabe�a pendida apoiada no bra�o direito. Seria uma imagem banal; no entanto, s�o alguns elementos – ou melhor, a falta deles – que contam a hist�ria daquela mulher. 
 
Reprodução da tela de Vermeer 'A rendeira'

"A rendeira" � exemplo do tipo de pintura que caracteriza a obra de Vermeer: o retrato de pessoas an�nimas em atividades cotidianas�

Museu do Louvre/Divulga��o
Na mesa, percebe-se uma ta�a com um resto de vinho, talvez o motivo do sono; no lugar ao lado na mo�a, a cadeira est� levemente arrastada, e a toalha da mesa est� mal colocada, como se algu�m tivesse sa�do abruptamente e, sem querer, puxado o tecido. Por fim, atr�s da mo�a, uma porta entreaberta que leva a outro c�modo da casa.

“Na verdade, deveria ter outra pessoa na pintura”, sugere Fry. “Descobrimos, por meio de an�lises t�cnicas, que Vermeer pintou originalmente um homem e um cachorro na sala dos fundos. Mas ele preferiu o vazio”, diz.
 
Esse vazio d� ao observador infinitas possibilidades de interpreta��o para aquela cena. Poderia ser um casal que, depois de tomar algumas doses a mais de vinho, brigou, e o homem foi embora. Ou mesmo duas amigas que haviam tomado uma ta�a de vinho e, quando a visitante foi embora, a anfitri� caiu no sono. 

Pode at� mesmo ser uma m�e cansada que, no momento em que o filho dormiu, serviu para si uma ta�a de vinho, mas acabou adormecendo antes de termin�-la.

A mo�a da janela e o Cupido

Outro quadro presente na exposi��o � “Mo�a lendo uma carta � janela”. No final de 2021, essa tela virou not�cia, depois que um projeto de restaura��o confirmou que, na parede atr�s da tal mo�a lendo a carta, havia o quadro de um cupido, o que possibilita outra interpreta��o para a obra, sugerindo que a carta seja de amor.

Outro detalhe em “Mo�a lendo uma carta � janela” � que a fruteira que est� ao lado da garota � a mesma do quadro “Mo�a dormindo”.

“Li��o de m�sica” � outra tela que traz detalhes curiosos. Em uma primeira leitura, parece, de fato, que a mo�a sentada ao piano e de costas para quem a observa est� tendo aulas do instrumento com o cavalheiro posicionado de perfil, ao lado dela.

Contudo, quando se observa o espelho acima da jovem, � poss�vel ver pelo reflexo que a aten��o dela n�o est� no instrumento, e sim no homem ao lado. “Talvez haja mais do que apenas uma harmonia musical acontecendo entre os dois”, insinua Fry.

Vermeer tamb�m � sens�vel a quest�es da m�sica. Em “O concerto”, por exemplo, no qual tr�s m�sicos executam alguma pe�a de c�mara num pequeno c�modo, os quadros que enfeitam a parede desse lugar mostram o que o pintor sentia em rela��o � m�sica. 

Em um desses quadros pintados dentro da tela, h� uma paisagem descampada e em outro uma prostituta, simbolizando a pureza natural da m�sica, ao mesmo tempo em que desperta sentimentos acalorados, assim como uma cortes�.

O tour n�o poderia deixar de falar de “Garota com brinco de p�rola”. A tela � o perfeito exemplo do tronie e desperta no observador uma sensa��o de tranquilidade. No entanto, embora o quadro seja o mais famoso do artista, s�o outros detalhes de sua obra que chamam a aten��o de Fry.

“Voc� j� reparou que quase sempre Vermeer posiciona as janelas do lado esquerdo das pinturas?”, questiona Fry, em determinado momento. 
 
Reprodução da tela de Vermeer 'Mulher de azul lendo uma carta'

Em "Mulher de azul lendo uma carta", nota-se a habilidade de Vermeer no uso da luz. Detalhes das obras s�o comentados na visita guiada virtual conduzida pelo ator Stephen Fry

Rijksmuseum/Divulga��o
De fato, em “A arte da pintura”, “A leiteira”, “Mo�a lendo uma carta � janela”, “Mulher segurando uma balan�a”, “Jovem com uma jarra de �gua”, “Li��o de m�sica”, “Oficial e garota sorrindo”, “O astr�nomo”, entre outras telas nas quais Vermeer pintou uma janela, todas est�o posicionadas no lado esquerdo.

O motivo? N�o se sabe. Talvez, se Vermeer n�o tivesse sido negligenciado em vida e relegado como artista por tantos anos, conhecer�amos a resposta.

“MAIS PERTO DE JOHANNES VERMEER”

At� 4 de junho, no Rijksmuseum de Amsterd�. Visita guiada virtual gratuita pelo site rijksmuseum.nl