"Faca de Ponta" joga luz sobre abusos sofridos pelas mulheres
No livro de fic��o de �rica Toledo e Andrea Taubman, duas desconhecidas trocam cartas sobre viol�ncias que sofreram. Lan�amento ser� neste s�bado (4/3), em BH
Andrea Taubman enviou a correspond�ncia a �rica usando o nome Cl�
Jean Yoshii/Divulga��o
A psicanalista e escritora �rica Toledo estava zapeando os canais da televis�o quando se deparou com uma entrevista da escritora e palestrante Andrea Taubman, argentina radicada no Rio de Janeiro. Era 2018, e Andrea tinha acabado de receber o Pr�mio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crian�as e Adolescente pelo livro “N�o me toca, seu boboca”, que explica aos pequenos situa��es classificadas como abuso sexual.
“Na �poca, eu estava com uma filha ainda crian�a e fiquei encantada com o livro. Comprei, li e passei a indicar para pacientes pequenos que eu tinha e para m�es com filhos pequenos”, lembra �rica.
As duas escritoras, no entanto, n�o chegaram a se encontrar, e Andrea sequer sabia que tinha uma grande admiradora em Belo Horizonte respons�vel por divulgar seu trabalho em solo mineiro. O primeiro contato das duas s� ocorreu em 2020, quando �rica participou do projeto Sempre um Papo, que teve Andrea entre os espectadores.
Animada por ver a autora de “N�o me toque, seu boboca” assistindo a seu bate-papo, �rica foi at� o perfil de Andrea e mandou mensagem se apresentando. “Rapidamente, n�s trocamos telefone e passamos a conversar por mensagens”, conta a psicanalista.
Em "Faca de Ponta", �rica Toledo usa o heter�nimo Iara
Donald Rayment/Divulga��o
Revela��es de Cl�
A correspond�ncia, no entanto, tomou rumo inesperado quando Andrea escreveu uma mensagem para �rica, assinando com o nome Cl�. No texto, falava de situa��es envolvendo traumas, viol�ncia e abusos sexuais.
Sem saber direito como responder, �rica decidiu tamb�m mandar uma carta ficcionalizada, sob o nome de Iara e se mostrando sens�vel ao assunto por tamb�m ter passado por experi�ncias semelhantes.
Andrea e �rica gostaram da ideia de se corresponder assim e mantiveram seus heter�nimos a fim de ver onde aquilo daria. O resultado � o livro “Faca de ponta”, que re�ne essa correspond�ncia ficcionalizada entre as duas e ser� lan�ado pela Aletria Editora neste s�bado (4/3), no espa�o para eventos Casa da Floresta. Haver� ainda lan�amento no Rio de Janeiro, em 8 de mar�o.
Quem encontrar pela primeira vez as duas escritoras juntas certamente ter� a impress�o de que elas s�o amigas de longa data. Inclusive, no dia em que deram entrevista ao Estado de Minas, Andrea estava em Belo Horizonte, hospedada na casa de �rica e, em momento combinado, deixou a entrevista para participar de uma reuni�o no computador da amiga, sentindo-se completamente � vontade e ambientada no local.
At� junho passado, contudo, as duas n�o se conheciam pessoalmente. “Somos uma dupla que formou um �nico”, afirma Andrea. “Eu j� tive essa experi�ncia de escrever a dois, com diferentes autores. No entanto, foi a primeira vez que escrevi com algu�m que eu n�o conhecia pessoalmente”.
Praticamente todo o livro foi feito antes de elas se encontrarem, o que torna fidedigno o argumento de “Faca de ponta”, que entrega ao leitor a correspond�ncia entre duas mulheres desconhecidas, que se confessam uma � outra.
Os relatos abordam abusos sexuais, viol�ncia de g�nero, depress�o e a experi�ncia que uma das mulheres tem com um filho transexual no intuito de jogar luz sobre os constrangimentos e agress�es que mulheres enfrentam diariamente simplesmente pela sua condi��o feminina numa sociedade extremamente machista.
Viol�ncia desde sempre
O pr�prio t�tulo, retirado de uma das cartas assinadas por Iara, refere-se ao comportamento que as mulheres adotam desde cedo para se blindar. “Ser� que existe alguma mulher que n�o carregue faca de ponta contra os homens? Alguma de n�s que se sinta plenamente segura?”, escreveu a personagem.
“A gente que � mulher convive com a viol�ncia desde sempre”, afirma �rica. “Neste carnaval, por exemplo, eu me peguei numa situa��o em que dizia para minha filha que ela tinha que aprender a dizer n�o, deveria ter a voz incisiva e empostada, e que ela sempre deveria olhar para o lado a fim de procurar pessoas que pudessem ajud�-la em alguma situa��o de perigo. Ou seja, eu estava ensinando para minha filha que ela vai carregar faca de ponta a vida inteira”, emenda.
As preocupa��es de �rica est�o longe de beirar a insensatez. Afinal, somente em 2022, todas as formas de viol�ncia contra a mulher aumentaram no Brasil. De acordo com levantamento encomendado pelo F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, 50.692 mulheres sofreram viol�ncia diariamente no ano passado. As agress�es consistem em tiro, esfaqueamento, amea�a com arma de fogo, espancamento, tentativa de estrangulamento e insultos, humilha��o ou xingamento.
“Em todos os lugares onde n�s fomos divulgar o livro, depois que fal�vamos sobre ele, vimos mulheres chorando, dizendo que se identificavam com Cl� e Iara”, conta �rica.
Existe, conforme ela diz, uma grande diferen�a no comportamento dos meninos e meninas ao longo do per�odo em que v�o se desenvolvendo, respectivamente, em corpos de homens e mulheres. “Enquanto os rapazes se sentem confiantes, as garotas passam a se sentir amea�adas”, destaca �rica.
O trauma que vem de fam�lia
Um fator que contribui para o sentimento de inseguran�a entre garotas e mulheres � a transmiss�o ps�quica do trauma.
De acordo com a psicanalista, todas as pessoas, mesmo sem conhecerem os medos e traumas de seus pais, acabam herdando-os.
“Imagine, ent�o, as meninas que nunca tiveram uma experi�ncia de viol�ncia direta, mas que s�o filhas de mulheres violentadas e abusadas”, ressalta.
Ainda que aborde sentimentos e situa��es – lamentavelmente, diga-se – inerente �s mulheres, “Faca de ponta” � uma leitura recomendada, sobretudo, para os homens. � deles, afinal, a responsabilidade pela atual situa��o de vulnerabilidade das mulheres brasileiras representadas por Cl� e Iara.
“FACA DE PONTA”
• De Andrea Taubman e �rica Toledo
• Editora Aletria
• 168 p�ginas
• R$ 64
• Exemplares � venda no lan�amento e no site aletria.com.br
• Lan�amento neste s�bado (4/3), das 11h �s 15h, na Casa Floresta (Rua Silva Ortiz, 78, Floresta). Entrada franca. Informa��es: (31) 3296 7903 ou pelo @aletriaeditora, no Instagram.
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