Rogério Skylab canta de olhos fechados no microfone

Rog�rio Skylab causa pol�mica com suas letras, mas diz que usa par�dias para falar das hipocrisias contempor�neas. Na sexta (31/3), ele canta n"Aut�ntica

Murilo Rodrigues/divulga��o

'Minha m�sica n�o � banquinho e viol�o. 'Vamos ouvir m�sica agora, sentadinhos?' Isso n�o. A minha m�sica � anarquia'

Rog�rio Skylab, cantor e compositor


O cantor e compositor Rog�rio Skylab n�o � um artista para quem detesta palavr�es. Tem versos expl�citos para falar do corpo, um lirismo que por vezes se choca com o politicamente correto. Meio surrealista, diz que sempre se considerou “cad�ver dentro da MPB”. J� Soares (1938-2022) compreendia esse esp�rito transgressor. Convidou o carioca v�rias vezes para participar de seu talk show na Globo, chamando a aten��o do Brasil para um artista fora dos padr�es.

Nesta sexta-feira (31/3), Skylab est� de volta a BH para se apresentar na casa noturna Aut�ntica. O repert�rio ter� can��es de todas as fases de sua carreira, desde o primeiro disco, “Fora da grei” (1992).

Ere��o d� samba

A m�sica mais tocada do carioca no Spotify � um samba rock que come�a com batida envolvente e pode levar distra�dos a sambarem na ponta do p�. A letra, sobre ere��es involunt�rias, retrata a situa��o do cotidiano masculino com naturalidade que ainda � tabu para muita gente.

Skylab fala do dia a dia invis�vel, de temas n�o abordados por outros artistas. �s vezes, com abordagem l�rica, �s vezes com linguagem visceral, expl�cita, at� mesmo escatol�gica.

“No meu repert�rio, talvez em 30% das m�sicas voc� vai encontrar palavr�es. Mas n�o � o grosso do meu trabalho”, explica o compositor, cantor e performer.

Seu lan�amento mais recente, o �lbum “Caos e cosmos 2” (2022), traz faixas po�ticas, cuja sonoridade mistura jazz, rock e MPB. Palavr�es est�o presentes em apenas uma faixa, que, ironicamente, chama-se “M�sica suave”.

“As pessoas fixam mais esse lado, n�o tenho d�vidas. ‘Ah, o Skylab, o poeta maluco, o poeta escatol�gico’, dizem essas coisas... Mas s�o pessoas que n�o conhecem meu repert�rio, porque se conhecessem, de fato, n�o falariam isso”.
 

Parte dos f�s foi apresentada a Skylab no sof� de J� Soares. O apresentador se dobrava de rir ao ouvir “Matador de passarinho”, can��o em que pintassilgos, colibris, andorinhas e can�rios s�o executados num tiro ao alvo, “para espantar o t�dio/ e o vazio de existir”.

Rogério Skylab tem na boca um galho com passarinho pousado na ponta

Com "Matador de passarinho", can��o lan�ada em 1999, o carioca Skylab divertiu J� Soares, se tornou conhecido no Brasil e ganhou programa de TV

Solange Venturi/divulga��o

'Atrav�s do lirismo, falo verdadeiras atrocidades. Essa jun��o fala muito da nossa sociedade, que � extremamente perversa, injusta, mas tem toda a apar�ncia de beleza, de lirismo, de poesia'

Rog�rio Skylab, cantor e compositor


Do sof� do J� para o Canal Brasil

A performance de Skylab, imitando o som de disparos, fez dele o apresentador do programa “Matador de passarinho”, exibido pelo Canal Brasil de 2012 a 2014. Na atra��o fora dos padr�es televisivos e com est�tica underground, Skylab e convidados falavam do mundo contempor�neo e suas hipocrisias.
 
Ele entrevistou o compositor Arrigo Barnab�, o humorista Juca Chaves, a cantora Elza Soares, o compositor Fausto Fawcett, o diretor Cl�udio Assis e o escritor Louren�o Mutarelli, entre outros.

“Eu fazia quest�o de participar do 'Programa do J�', porque era uma m�dia espetacular e estar ali era conversar com o grande p�blico”, explica Rog�rio. Aos 66 anos, atualmente ele � presen�a corriqueira em podcasts de destaque, como Flow e Intelig�ncia Ltda.

Essas participa��es, conta ele, atraem o interesse dos jovens para seu trabalho. A nova gera��o vem tornando Skylab cada vez mais popular nas redes sociais.
 
 
 

No TikTok, v�deos com trechos de versos das m�sicas do carioca, alguns impublic�veis e tirados do contexto da can��o, somam milh�es de visualiza��es. Ele diz n�o se incomodar com o fato de conhecerem seu trabalho superficialmente, apenas por meio de pequenos fragmentos compartilhados na internet. Conta que at� colabora para isso, postando trechos de at� um minuto das can��es em seus perfis.

 

 


“Recentemente, estou entrando no TikTok, mas sempre frequentei assiduamente as redes sociais. Estou muito impressionado, porque tem um crescimento violento. Outro dia, entrei e tinha 10 seguidores, hoje estou com mais de 50 mil.”

Sem medo de virar meme

Skylab diz que o objetivo de sua arte sempre foi dialogar com o grande p�blico. A internet tem sido fundamental, pois ele nunca fez parte do elenco ligado � ind�stria fonogr�fica. “Quero conversar com o grande p�blico, mesmo com o risco de me transformarem em meme”, afirma.
 
 

Escatologia e agressividade ora est�o mais intensos, ora menos presentes na discografia de Skylab. A sequ�ncia atual de discos, “Cosmos”, que vai se encerrar este ano no quinto volume, apresenta atmosfera notadamente mais moderada do que a sequ�ncia anterior, dos anos 2000, �lbuns do dec�logo “Skylab”.

O artista concorda que can��es escatol�gicas e com palavr�es chamam muito a aten��o, mas alega que n�o as escreve com a inten��o de apenas atrair p�blico.

“Se fizer isso, estarei entrando num erro incalcul�vel. Traria um tipo de p�blico para ouvir minha m�sica pelo qual n�o tenho nenhum interesse. Muitas vezes, com perspectiva pol�tica diferente da minha”, diz ele.
 
 

As can��es mais expl�citas n�o se resumem a obscenidades. Em “O corpo real da Paola”, do �lbum “Cosmos” (2020), versos picantes brincam com as diferentes defini��es de corpo, transitando tamb�m por temas pol�micos como a viol�ncia nas favelas do Rio de Janeiro, a supervaloriza��o de assuntos sup�rfluos pela m�dia e a obsess�o com a apar�ncia de celebridades.

“O corpo � uma coisa muito imediata e est� al�m da ideologia. A m�sica popular brasileira se esqueceu do corpo, no af� de lutar contra a ditadura. At� hoje, com o hip hop, � m�sica muito ideol�gica, muito pol�tica. Sempre vivi incomodado com essa situa��o”, diz Skylab.
 
O músico Rogério Skylab e Jô Soares sentados no cenário do Programa do Jô

Entrevistas a J� Soares chamaram a aten��o do Brasil para Skylab

Globo/reprodu��o

O 'cad�ver' da MPB

O compositor refor�a que sua obra n�o se dedica a abstra��es. “Falo muito do imediato, da coisa crua, pouco abstrata. �s vezes, pouco ideol�gica tamb�m. Estou falando do cru, do material, do corpo. Esse tema est� presente na minha m�sica desde o in�cio. De certa forma, sempre me considerei um cad�ver dentro da m�sica popular brasileira.”

No �lbum “Skylab VII” (2008), uma das can��es diz: “� tudo atonal”. Rog�rio revela que procura o “menos”. “Queria falar de coisas com menos abstra��o, uma coisa reduzida. O Giacometti, aquele escultor que pintava homens magros e pobres… Minha arte � pobre, � magra”, define, referindo-se ao artista pl�stico su��o que viveu de 1901 a 1966.

Quem escreve sobre temas sens�veis usando linguagem, por vezes, um tanto agressiva corre o risco de atravessar a t�nue linha entre o que o p�blico aceita e rejeita, em termos de liberdade art�stica.
 

'O corpo � uma coisa muito imediata e est� al�m da ideologia. A m�sica popular brasileira se esqueceu do corpo, no af� de lutar contra a ditadura. At� hoje, com o hip hop, � m�sica muito ideol�gica, muito pol�tica. Sempre vivi incomodado com essa situa��o'

Rog�rio Skylab, cantor e compositor

 

A can��o “Motoserra”, do segundo disco do Skylab, por exemplo, relata o feminic�dio sob a perspectiva do assassino. A letra foi escrita nos anos 1980, no contexto em que as r�dios tocavam � exaust�o m�sicas que minimizavam a viol�ncia dom�stica, como “S�lvia/Piranha”, da banda Camisa de V�nus.

“Quem viveu aquela d�cada sabe muito bem que essas quest�es dos costumes, do feminic�dio, de valorizar grupos como os transexuais, a quest�o das cotas nas universidades n�o s�o dos anos 1980”, diz.

Versos ir�nicos, como “serrei suas duas pernas/ os seus dois bracinhos/ voc� ficou sendo a V�nus de Millus do meu jardim”, certamente revoltam as mulheres. Isso foi preocupa��o para Skylab, que se diz atento a discuss�es contempor�neas.

“N�s somos um pa�s de Terceiro Mundo, um pa�s escravocrata, um pa�s com taxa de feminic�dio imensa, e a gente tem que lutar contra isso”, afirma.

Mesmo assim, ele resolveu seguir caminho diferente daquele adotado, por exemplo, por Sidney Magal, que deixou de cantar a machista “Se te agarro com outro te mato”.
 

'Estou entrando no TikTok, mas sempre frequentei assiduamente as redes sociais. Estou muito impressionado, porque tem um crescimento violento. Outro dia, entrei e tinha 10 seguidores, hoje estou com mais de 50 mil'

Rog�rio Skylab, cantor e compositor


Par�dia de atrocidades

Skylab vai tocar “Motosserra” em BH, alegando que o p�blico feminino compreende o motivo disso.

“'Motosserra' � extremamente po�tica. Tem a quest�o da par�dia, � qual minha m�sica est� muito ligada. Atrav�s do lirismo, falo verdadeiras atrocidades. Essa jun��o fala muito da nossa sociedade, que � extremamente perversa, injusta, mas tem toda a apar�ncia de beleza, de lirismo, de poesia”, afirma.

De volta a BH pela primeira vez depois da pandemia, Skylab promete show com as can��es mais marcantes de sua carreira, garantindo n�o ter qualquer constrangimento com seu repert�rio.
 
 

“Meus shows s�o absolutamente crus. As pessoas gostam de pular, de dan�ar, do entrechoque dos corpos. A minha m�sica n�o � banquinho e viol�o. Vamos ouvir m�sica agora, sentadinhos? Isso n�o. A minha m�sica � anarquia”.

ROG�RIO SKYLAB

Convidados: F�bio de Carvalho e Aldan. Show nesta sexta-feira (31/3), �s 21h, n'Aut�ntica (Rua �lvares Maciel, 312, Santa Efig�nia). Ingressos dispon�veis para os lotes 3 (R$ 120, inteira) e 4 (R$ 70, meia), mais taxas. � venda no site da casa (autentica.byinti.com) ou na bilheteria, que abre das 10h �s 15h.