Eliete Mejorado, Yoko Afi e Bruno Verner gravaram o disco "num est�dio caseiro, montado perto da cozinha", segundo conta o m�sico mineiro radicado em Londres
'Yoko tem uma participa��o que n�o � ilustrativa. N�s tr�s assinamos a maioria das composi��es, e mesmo aquelas em que um ou outro n�o participou diretamente da cria��o est�o impregnadas pelas trocas dessa conviv�ncia familiar. Al�m do violoncelo, Yoko marca presen�a tamb�m com teclados adicionais e cantando'
Bruno Verner, m�sico
H� quase 30 anos transitando por diferentes ambientes sonoros, do p�s-punk ao funk carioca, o Tetine, formado pelo casal Bruno Verner e Eliete Mejorado, acaba de lan�ar um trabalho com o qual, ao mesmo tempo, experimenta nova fase e rev� a pr�pria trajet�ria. Batizado “After the future”, o rec�m-lan�ado disco marca o debute da nova forma��o – o duo passou a ser trio com a incorpora��o de Yoko Afi, filha do casal.
Morando em Londres desde 2000, a fam�lia, isolada em seu apartamento no Leste da capital brit�nica, come�ou a experimentar a fus�o de instrumentos ac�sticos e eletr�nicos. O violoncelo tocado por Yoko foi determinante para os rumos que levaram ao novo �lbum, segundo Verner.
Ele diz que um primeiro resultado dessas experi�ncias foi “The ether”, filme-performance de 25 minutos feito com a chegada da pandemia e com a trilha sonora toda composta a partir do violoncelo e de beats e ambi�ncias eletr�nicas.
“A partir da�, come�amos a trabalhar nas m�sicas que est�o no ‘After the future’, um processo que culminou com a grava��o, entre junho e setembro do ano passado, num est�dio caseiro, montado perto da cozinha”, diz.
• Leia tamb�m: Lollapalooza bate recorde de p�blico no Brasil
Di�logo com o passado
Se por um lado o novo �lbum � atravessado por diversos novos elementos e mesmo pelas circunst�ncias em que foi feito, por outro estabelece um di�logo direto com tudo o que o Tetine j� fez, segundo o artista. Ele aponta que � um disco “totalmente diferente”, mas coerente em rela��o a como as ideias foram se desenvolvendo ao longo dos anos – funciona, assim, como um complemento.
“Pensando no conjunto das m�sicas, ‘After the future’ foi uma forma de a gente rever trabalhos antigos do Tetine, quase que como uma canibaliza��o pr�pria, porque a gente voltou ali no come�o dessa hist�ria, em 1995, quando nosso trabalho era extremamente experimental, passando por lugares que estavam adormecidos e que a gente foi acordando, entendendo coisas que a gente fez no in�cio da carreira”, diz.
1Falamos de capitalismo digital, de como as coisas funcionam numa sociedade como a de hoje, um lugar onde nos sentimos um organismo estranho, com o Tetine sendo um objeto n�o identificado como grupo'
Bruno Verner, m�sico
Organismo estranho
Em termos conceituais e tem�ticos, Bruno Verner observa que, a despeito do nome, � um disco alinhado com o tempo presente. “Falamos de capitalismo digital, de como as coisas funcionam numa sociedade como a de hoje, um lugar onde nos sentimos um organismo estranho, com o Tetine sendo um objeto n�o identificado como grupo”, salienta.
“After the future” � o 21º t�tulo da discografia do Tetine e segue mantendo o duo – agora trio – na seara independente que trilha desde que foi criado. “Nesse sentido, � um trabalho que segue a linha do que sempre fomos, meio que nadando contra a corrente do pop comercial, ainda pensando a obra como um todo, como um �lbum que cont�m uma narrativa, que conta uma hist�ria”, destaca.
Ele credita essa carater�stica � sua pr�pria forma��o e � de Eliete, j� que, al�m da m�sica, os dois sempre transitaram pelo campo do audiovisual e das artes pl�sticas. “A gente faz m�sica, mas, na verdade, tamb�m tem o desejo de fazer cinema pela m�sica, de t�-la como ve�culo para outras formas de express�o”, pontua.
Presen�a de Yoko
Toda essa conceitua��o, os caminhos que “After the future” percorre e os elementos que o embasam reverberam, de alguma forma, a presen�a de Yoko, atualmente com 13 anos, no trabalho. Verner conta que ela toca instrumentos desde crian�a, tem o envolvimento com a m�sica no DNA e, de um tempo para c�, “come�ou a fazer suas pr�prias coisas”.
Ele pontua que, com o isolamento da fam�lia imposto pela pandemia, o que ocorreu foi um am�lgama natural. “Ficamos quase dois anos os tr�s em casa, ent�o, inevitavelmente ela entrou para o grupo”, diz. O instrumento em que Yoko vinha se especializando era o violoncelo e, assim, ele acabou n�o s� absorvido como deu boa parte do direcionamento na produ��o das m�sicas reunidas em “After the future”.
“Quando come�amos a compor, j� est�vamos �ntimos musicalmente. Com a presen�a do violoncelo, come�amos a fazer uma esp�cie de ‘do it yourself’ de m�sica de c�mara, o que era novo para a gente – e � uma presen�a fundamental, muitas m�sicas surgiram das linhas mel�dicas que Yoko fez no violoncelo. � um disco que reflete a atmosfera do que a gente viveu nos �ltimos tr�s anos, com a pandemia e com a sa�da dela, os reflexos disso”, aponta.
Virada de chave
Uma parte do repert�rio � puramente instrumental ou conta apenas com alguns vocalizes. As m�sicas que t�m letras tratam de assuntos como envelhecimento, morte, opress�o, menopausa, imigra��o, polui��o, futuros e n�o-futuros poss�veis. “S�o can��es que surgiram muito a partir dessa quebra que deu no mundo, essa virada de chave que aconteceu entre 2020 e 2022.”
Verner chama a aten��o para o fato de que, de uma forma ou de outra, todas as faixas de “After the future” foram compostas a seis m�os. “Yoko tem uma participa��o que n�o � ilustrativa. N�s tr�s assinamos a maioria das composi��es, e mesmo aquelas em que um ou outro n�o participou diretamente da cria��o est�o impregnadas pelas trocas dessa conviv�ncia familiar. Al�m do violoncelo, Yoko marca presen�a tamb�m com teclados adicionais e cantando”, afirma.
A incorpora��o da filha de 13 anos no projeto musical que est� em curso h� 28 foi um “movimento encantador”, segundo Verner. Ele diz ter entendido quest�es musicais suas, muito subjetivas, atrav�s de uma outra pessoa. “A forma como ela se acoplou ao Tetine foi algo muito belo, parecia que ela estava ali desde sempre. Foi uma sensa��o muito boa, cristalizou uma comunica��o musical muito bacana entre a gente”, conta.
Diversas refer�ncias
Instado a pontuar as principais caracter�sticas de “After the future”, ele costura diversas refer�ncias. Nas palavras de Verner, faixas minimalistas e atmosf�ricas como “And still the Earth”, “Music for breathing”, “Inverno” e “Always at war” convivem em di�logo com trip hop, rap, palavras faladas atonais e batidas lis�rgicas de faixas como “After the future (Eldorado a vapor)”, “Spaced out in paradise”, “No fim da hist�ria” e “Disorder of desire”.
“A gente fez um disco de c�mara, mas ao mesmo tempo com pegada eletr�nica. Acho que a singularidade � essa. O primeiro single, ‘Spaced out in paradise’, sintetiza um pouco o �lbum, tem uma sonoridade atmosf�rica, viajante, bem melanc�lica, mas com um componente psicod�lico que te leva, te abre perspectivas, e isso pode ser tanto luminoso em algumas passagens quanto bem escuro em outras”, diz.
Segundo Verner, “After the future” remete ao in�cio da hist�ria do Tetine, mas, na verdade, retrocede ainda mais. O repert�rio inclui uma faixa – “Tr�s tristes tigres (Circe em paz)” – que ele comp�s com o poeta Marcelo Dolabela (1957-2020) quando integravam o Diverg�ncia Socialista, lend�rio grupo do underground de Belo Horizonte criado nos anos 1980 e que foi o embri�o de diversas outras bandas que viriam a surgir posteriormente.
Sintonia com o agora
“Estive no Diverg�ncia entre 1988 e 1990 e compus essa m�sica com Marcelo logo que entrei. Na �poca, a gente nem chegou a gravar, mas ela sempre ficou na minha cabe�a. Agora, no processo de ‘After the future’, pensei que ela tinha tudo a ver com o que a gente estava falando. Apesar de ser de 1988, � uma letra em sintonia com o nosso discurso de agora”, diz.
Ele observa, a prop�sito, que tem estado �s voltas com a��es que envolvem seu antigo grupo. H� cerca de cinco meses foi lan�ado um songbook do Diverg�ncia Socialista – capitaneado por Aleca de Alexandria, musicista que integrou uma das diversas forma��es da banda –, do qual participou da produ��o. “Teve uma reuni�o do pessoal e agora estamos em contato de novo”, diz.
O songbook, que pode ser baixado no site do grupo, traz grava��es de m�sicas originalmente agrupadas em trabalhos lan�ados em fita cassete – “Christine Keeler”, de 1986, e “Lilith Lunaire”, de 1990 – e em CDs – “Cacograma”, de 2001, e “Subst�ncia”, de 2013 –, al�m de grava��es de shows feitas ao vivo tamb�m em fitas cassete.
M�sica regravada
Antes de se envolver com o songbook, Verner j� havia revisitado o passado em outra ocasi�o. Em 2020, com a morte de Marcelo Dolabela, um m�s antes da chegada da pandemia, ele tamb�m regravou, com a filha, a faixa-t�tulo da fita cassete “Lilith Lunaire”, que comp�s com o poeta. “Eu e Yoko fizemos esse registro em abril daquele ano. � interessante como essas hist�rias da pr�-pandemia e da p�s-pandemia se conectam”, observa.
Agora, com “After the future” no mundo, ele diz que o desejo da fam�lia � pegar a estrada. “� um disco de que estamos extremamente orgulhosos. No texto de apresenta��o, pego a express�o ‘�gil e ing�nuo como uma crian�a’, de Oswald de Andrade, para me referir a esse trabalho, e digo tamb�m que ele traz a ‘arrog�ncia de uma segunda inf�ncia’, frase do (cineasta brit�nico) Derek Jarman, o que tem a ver com voc� fazer com todas as suas possibilidades”, destaca.
“AFTER THE FUTURE”
• �lbum de Tetine
• Slum Dunk Music
• 11 faixas
• Dispon�vel nas principais plataformas
*Para comentar, fa�a seu login ou assine