Martha Batalha tamb�m � autora de "A vida invis�vel de Eur�dice Gusm�o", que deu origem ao filme 'A vida invis�vel, com Fernanda Montenegro
Jorge Luna/Divulga��o
Quando Joel caminha por Copacabana, tem o h�bito de olhar para cima avaliando de onde poderia se jogar. Os melhores pr�dios s�o os antigos, sem janelas lacradas de vidro fum� e longe das vias principais. Ele conhece a express�o dos passantes em torno de um morto e n�o quer assustar os outros."
Assim come�a o romance "Chuva de papel", rec�m-lan�ado pela autora Martha Batalha, uma recifense de 50 anos criada no Rio de Janeiro. A hist�ria acompanha o rep�rter policial Joel Nascimento, um sujeito de 70 anos, barrigudo e decadente, que chega � conclus�o de que tirar a pr�pria vida � sua melhor op��o.
Com humor e sagacidade, a trama segue por uma rota surpreendente e vai mesclando a crueza das lembran�as da vida e da carreira de Joel com dois novos relacionamentos com duas mulheres mais velhas, com quem ele se v� for�ado a conviver depois de uma tentativa apatetada de se matar, atrapalhada por um panela�o.
A hist�ria se passa quase toda durante a pandemia de coronav�rus, mas n�o � uma narrativa do confinamento, n�o h� contagem de mortos e infectados pelo v�rus, considera��es sobre o apag�o do governo ou a paranoia coletiva de que fomos todos v�timas.
"Chuva de papel" � uma tragicom�dia carioca. O Rio de Janeiro � cen�rio, mas tamb�m personagem do livro, todo escrito em "carioqu�s", o que n�o o torna inacess�vel para os leitores das outras regi�es do Brasil.
Ou do mundo. Se este livro seguir o rumo dos dois primeiros da autora, "A vida invis�vel de Eur�dice Gusm�o", de 2016, e "Nunca houve um castelo", de 2018, deve ser lan�ado em v�rios outros pa�ses, em diversas l�nguas que ter�o de ser adaptadas ao dialeto do balne�rio. Os direitos de adapta��o para o cinema j� foram comprados pelo produtor Rodrigo Teixeira, assim como os dos dois primeiros romances.
'Quando fazia plant�o, tinha que ir em delegacia, fazer reportagem em comunidade. Eram trag�dias horr�veis... Isso mexeu muito comigo e me abriu os olhos para o lado B da cidade (Rio de Janeiro), esse que � narrado pelo Joel no livro'
Martha Batalha, escritora
Melodrama em Cannes
Teixeira comprou os direitos de "Eur�dice Gusm�o" antes mesmo de o livro sair no Brasil, pela Companhia das Letras. Ele tamb�m foi produtor de "A vida invis�vel", filme de Karim A�nouz lan�ado em 2019 no Festival de Cannes, onde ganhou o pr�mio da mostra Um Certo Olhar.
"Gostei muito da adapta��o que Karim fez, mas ele fez um melodrama e eu tinha escrito uma tragicom�dia", diz, por videoconfer�ncia, a autora, logo ap�s chegar ao Rio, vinda de Santa Monica, cidade costeira a 25 quil�metros do Centro de Los Angeles, na Calif�rnia, onde mora desde 2014 com o marido, um porto-riquenho de fam�lia cubana, e os dois filhos do casal, de 10 e 12 anos.
Foi a mudan�a para os Estados Unidos e o casamento com um americano que a fizeram tomar coragem de realizar o desejo de crian�a de ser escritora. "Fiquei com muito medo de perder minha liga��o com o Brasil. Isso ampliou o interesse que eu j� tinha em hist�rias muito brasileiras", diz ela.
Batalha estudou jornalismo no Rio e come�ou a trabalhar como rep�rter, aos 18 anos, em O Dia, um jornal popular que cobre principalmente not�cias da cidade do Rio, como crimes, celebridades e futebol.
"Quando fazia plant�o, tinha que ir em delegacia, fazer reportagem em comunidade. Eram trag�dias horr�veis", conta. "Isso mexeu muito comigo e me abriu os olhos para o lado B da cidade, esse que � narrado pelo Joel no livro."
Batalha ainda trabalhou nas reda��es dos jornais O Globo e fez parte da equipe que criou o Extra, tamb�m do Rio. Ela desistiu da profiss�o quando percebeu que n�o h� um projeto de carreira nos jornais e, de vez em quando, acontecem demiss�es em massa.
Intui��es
Foi ent�o que decidiu criar uma editora, a Desiderata, que publicou, nos anos 2000, antologias de textos e ilustra��es de jornais como O Pasquim e O Planeta Di�rio. A editora ainda incluiu o Brasil no roteiro da exposi��o World Press Photo, uma das mais importantes do mundo para o fotojornalismo.
A Desiderata foi vendida para o grupo Ediouro em 2008, quando Batalha decidiu deixar tudo que tinha e apostar num novo amor, seu marido. "As coisas na minha vida acontecem por decis�es intuitivas. Nunca sei o que vem pela frente", diz.
Quando nasceu sua primeira filha, em 2009, Batalha conta que, pela primeira vez, teve a no��o exata da certeza da mortalidade. "Via aquela coisinha se mexendo e pensava ‘daqui a pouco ela vai ganhar o mundo, realizar os sonhos dela, se eu n�o lembrar dos meus’. A gente s� tem uma vida, n�?"
Ent�o, come�ou a escrever. "Pegava minha bicicleta, sa�a de casa com uma mochila nas costas que tinha aparelho para tirar o leite e ia de metr� at� Manhattan para escrever em um lugar chamado Paragraph, coworking para escritores na Rua 14", conta.
Quando concluiu a hist�ria de Eur�dice Gusm�o, procurou a agente liter�ria carioca Luciana Villas-Boas, que estava de malas prontas para viajar para a Feira de Frankfurt, considerado o evento do mercado editorial mais importante do mundo, e levou com ela o livro de Martha Batalha.
L�, uma editora alem� que l� em portugu�s comprou os direitos de publica��o e escreveu uma carta de recomenda��o para editoras de outros pa�ses. Ele foi lan�ado no Brasil pela Companhia das Letras, que tamb�m edita seus outros livros, hoje dispon�veis em pa�ses como Portugal, Fran�a, It�lia e Espanha.
'Gostei muito da adapta��o que Karim (A�nouz, diretor de "A vida invis�vel") fez, mas ele fez um melodrama e eu tinha escrito uma tragicom�dia'
Martha Batalha, escritora
Contrato com o leitor
A autora escreveu dois outros livros nos �ltimos anos, mas n�o ficou satisfeita e os jogou fora. Foi quando decidiu voltar �s origens de jornalista que "Chuva de papel" surgiu.
Batalha veio ao Rio com a agenda cheia de compromissos de lan�amento, algo raro no mercado editorial. "Esses eventos cheios de gente s�o o oposto do que acontece no meu dia a dia. Tenho uma vida muito simples", afirma.
A autora diz que escrever um livro � como fazer um contrato com o leitor. "Tenho o compromisso de manter o leitor envolvido at� o final. Meu papel � muito simples: entreter."
Capa do livro Chuva de papel mostra papel picado caindo sobre uma tv antiga
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