"Broker" � filme humanista sobre o nascimento de uma fam�lia sem parentes
Com trama em torno da tentativa de venda de um beb�, Hirokazu Kore-Eda faz um comovente retrato da forma��o de v�nculos amorosos e de segundas chances na vida
Concorrente � Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2022, o longa que deu o pr�mio de melhor ator a Song Kang-ho chega nesta quinta aos cinemas brasileiros
Diamond Films/Divulga��o
Vamos falar francamente: os protagonistas de “Broker”, novo longa do japon�s Hirokazu Kore-Eda, que estreia nesta quinta-feira (6/4) nos cinemas, s�o uma jovem prostituta que comete um assassinato e abandona o filho rec�m-nascido; dois “pequenos empres�rios” do “ramo” de tr�fico de beb�s e duas policiais que forjam provas contra suspeitos sob investiga��o.
Com tais personagens, era de se esperar um filme, no m�nimo, pessimista em rela��o � capacidade humana de se guiar por valores que contribuam para a constru��o de uma sociedade sadia ou, ao menos, vi�vel.
Mas como se trata de um filme de Kore-Eda (diretor, entre outros, de “Assunto de fam�lia”, indicado ao Oscar de melhor filme internacional em 2018; e da s�rie “Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko”, dispon�vel na Netflix), o que prevalece � a possibilidade de se aproveitar “uma nova chance”, conforme insinua o subt�tulo do filme em portugu�s.
Mais uma vez, ao longo da hist�ria, Kore-Eda constr�i uma fam�lia que se estabelece n�o por la�os consangu�neos, e sim por afinidades, cujos integrantes t�m um hist�rico de conviv�ncia com condi��es - materiais e emocionalmente - adversas .
“Voc� deve ter um lado bom escondido” � o que a detetive Lee (Lee Joo-young) diz para a parceira de investiga��o Su-jin (Bae Doona), ao descobrir que uma atitude de Su-jin salvou o beb� em torno do qual a trama gira. O interesse por esse “lado bom escondido”, ou pela virtude em meio � degrada��o, faz Kore-Eda apresentar seus personagens como seres dignos de compaix�o, por mais reprov�veis que seus comportamentos sejam.
E eles s�o. Muito. Vamos falar sobre a trama: numa noite chuvosa, a jovem So-young (Ji-eun Lee) deposita seu beb� Woo-sung no ch�o de uma igreja, em frente � “caixa de beb�s” existente no local, onde rec�m-nascidos podem ser anonimamente entregues aos cuidados da congrega��o. A chuva n�o � casual nessa cena, conforme o espectador descobrir� bem mais tarde, quando So-young narrar um sonho recorrente que ela tem, no qual a chuva � um s�mbolo significativo.
Su-jin, que estava secretamente investigando, com a ajuda de Lee, a suspeita do tr�fico de beb�s para ado��o promovido pela igreja, coloca o rec�m-nascido na caixa aquecida, ao mesmo tempo evitando sua morte e transformando-o no alvo de rastreamento da rede clandestina.
A “rede”, na verdade, � formada por dois peixes pequenos nos neg�cios do crime - Sang-Hyun (o astro de “Parasita” Song Kang-ho, aqui num papel que lhe valeu o pr�mio de melhor ator no Festival de Cannes) e Dong Soo (Gang Dong-won). Dong Soo trabalha na igreja; Sang-Hyun tem uma pequena lavanderia e um furg�o no qual entrega as roupas dos clientes.
Eles subtraem beb�s deixados na igreja durante a noite e os vendem para interessados em ado��o fora do sistema legal. O velho furg�o � o meio de transporte que utilizam para o “delivery” de rec�m-nascidos em distintas cidades da Coreia do Sul.
No caso de Woo-sung, as negocia��es se d�o de modo diferente, porque a m�e do beb� retorna � igreja no dia seguinte ao abandono, em busca do filho, que j� n�o est� l�. Ela n�o demora a descobrir quem raptou seu filho e a ser convencida pelos raptores de desistir de denunci�-los � pol�cia e se unir a eles na opera��o de “venda” do beb�, dividindo com a dupla de “intermedi�rios” o dinheiro que ser� pago por Woo-sung.
O tratamento dispensado ao beb� reflete a ambival�ncia pr�pria dos filmes de Kore-Eda. Quando “intermedi�rios”, m�e e potenciais clientes o “negociam”, ele � tratado como um produto qualquer. H� clientes, inclusive, que se d�o o direito de pechinchar, apontando defeitos na “mercadoria”, como sobrancelhas insuficientemente grossas. Esse inc�modo retrato da desumaniza��o, no entanto, se d� em contraste com os cuidados que o trio dispensa a Woo-sung, alimentando-o, trocando-o e ninando-o com carinho.
“N�o estou interessado apenas em dinheiro”, diz Sang-Hyun, num coment�rio sobre sua inten��o de encontrar um casal “comprador” para Woo-sung que n�o apenas pague bem, mas que tamb�m demonstre inclina��o para tratar o beb� com amor e garantir a ele um bom futuro. Em suma, ele quer encontrar no mercado paralelo da ado��o pessoas decentes e confi�veis, interessadas em ser pais exemplares.
Na longa busca por candidatos com esse perfil, o trio tem em seu encal�o as detetives e incorpora involuntariamente um novo membro � “fam�lia”, depois da passagem por um orfanato. Antes do desfecho, o v�nculo amoroso entre todos os integrantes desse cl� nascido sem planejamento se fortalece, assim como a percep��o de que, juntos, s�o mais capazes de fazer face �s dificuldades.
At� que chegue a hora da decis�o, haver� tempo para que cada um revele as raz�es por tr�s de suas atitudes, seus arrependimentos e aspira��es. E haver� tempo tamb�m para que Kore-Eda filme, num escuro que reproduz a noite, a cena que � a alma e a s�ntese desse filme: um agradecimento � vida, apesar de seus lados sombrios.
Vamos falar sobre o final, sem revel�-lo: a solu��o que o roteiro d� para o destino de Woo-sung n�o � �bvia, nem f�cil, mas representa uma nova chance, n�o somente para ele.
“BROKER - UMA NOVA CHANCE”
Coreia do Sul, 2022. Dire��o de Hirokazu Kore-Eda. Com Song Kang-ho, Dong-won Gang, Ji-eun Lee, Bae Doona. Classifica��o: 12 anos. Em cartaz a partir desta quinta-feira (6/4) no Cineart Ponteio (Sala 4, 16h, 18h35, 21h10) e UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 16h10, 20h30).
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