Os personagens Suzume e Souta em cena de Suzume

Os protagonistas Suzume e Souta atravessam portais m�gicos, em busca de desvendar os mist�rios em torno do passado e da morte

Sony Pictures/Divulga��o

Suzume enfrenta um luto particular. H� 12 anos, sua m�e morreu em um desastre natural, que n�o chegamos a ver. A �rf� sonha com o al�m-t�mulo, que ela confunde com seu pr�prio passado, tentando unir fragmentos de uma mem�ria que se perdeu na inf�ncia, da pessoa da qual n�o p�de se despedir.

Adotada pela tia, seu cotidiano de jovem estudante numa pequena cidade litor�nea do Jap�o, distante de T�quio, � subitamente interrompido pela chegada de Souta, um rapaz em busca de ru�nas no local.

Ela n�o aguenta a curiosidade e vai atr�s dele. Ser� apenas um impulso da paix�o jovial? Ou uma puls�o que a move em dire��o aos escombros do mundo? Neste novo filme de Makoto Shinkai, diretor do popular anime "Your name", n�o h� muita diferen�a.

Mergulhado no romantismo juvenil com pitadas sobrenaturais, o diretor agora aposta numa extensa aventura, em que Suzume vai se apaixonar pelo menino enquanto tenta evitar que mais pessoas sofram perdas como a sua.



Para isso, ter� de ajudar o jovem a fechar portais espalhados por destro�os pelo pa�s dos quais saem gigantes minhocas - e que s� os dois podem ver. Aprendemos logo que esses seres s�o a explica��o metaf�sica dos terremotos que assolam o Jap�o.

Gato m�gico

As portas, espalhadas por ru�nas de escolas, parques e esgotos habitados por fantasmas, por sua vez, d�o a ver o al�m que Suzume tanto procura. Mas a ambi��o fica de lado quando Souta tem sua alma aprisionada em uma antiga cadeira, �nica lembran�a material que a garota guarda de sua m�e, por um gato m�gico que os conduz de cidade em cidade numa fren�tica persegui��o.

A partir de pistas na ambienta��o, sabemos que estamos em 2023, 12 anos ap�s o terremoto, o tsunami e o acidente nuclear em Fukushima, que mataram milhares. De l� para c�, tantos seguiram suas vidas e outros milhares cresceram sem saber do passado.

Mesmo sob a forma de entretenimento, o trauma persiste como um fato que d� novo sentido ao presente. Enquanto cresce o amor de Suzume por Souta, tamb�m crescem suas d�vidas sobre o passado.

Curioso que a obra retome, pela simbologia, percep��es de alguns longas recentes sobre luto: a porta, de "Batem � porta", de M. Night Shyamalan, esse elemento de passagem para o insond�vel, para a d�vida e o indesej�vel; enquanto a segunda parte de "Suzume" ecoa a road trip de "Drive my car", do japon�s Ryusuke Hamaguchi, cuja jornada nos ensina que n�o somos apenas um, mas ao menos dois.
Este �ltimo filme, vencedor do Oscar, mostrava Hiroshima como um monumento da destrui��o, e aqui o passeio pelas ru�nas e o retorno � cidade natal de Suzume s�o parte de um destino inescap�vel.

� o que, no roteiro, estende um tanto a segunda parte para dar conta das viagens de ida e volta entre os lugares pelos quais a protagonista passa, mas tamb�m funciona como um lembrete de que nenhum homem � uma ilha - ainda mais num arquip�lago.

Se Shinkai mant�m uma dose da pieguice de "Your name" - seu filme mais desigual, um "Se eu fosse voc�" com tintas de Nicholas Sparks -, ainda sabe aproveitar a filosofia animista a favor de um relato universal sobre a dor.

� tamb�m um reflexo da pandemia e um apelo � mem�ria coletiva. Ou ao luto coletivo, que � o mesmo, como descobrir� Suzume ao adentrar o al�m: depois da morte, h� vida e o amor.

Seu estilo de anima��o segue refinado e carregado de efeitos digitais em prol do realismo, com brilhos e desfoques de c�mera, al�m de uma anima��o atenta aos m�nimos detalhes de textura e movimenta��o, seja em situa��es banais ou em lutas de monstros gigantes - a m�gica, assim como nos melhores momentos de Hayao Miyazaki, papa do Studio Ghibli, est� nos pequenos detalhes que nos fazem esquecer que n�o h� atores humanos em cena.

Os enquadramentos s�o menos inspirados e os sil�ncios menos frequentes em rela��o a "O jardim das palavras", de 2013 - em que cada cena parecia contar uma hist�ria por si s�, mesmo sem os di�logos.

"Suzume" se entrega mais �s f�rmulas para o grande p�blico, n�o escapando mesmo do besteirol (como quando a menina "senta" em Souta vers�o cadeira), ou do didatismo (quando tudo � explicado de bandeja para o espectador).

Talvez seja o filme mais refinado de Shinkai at� agora. Pode n�o faltar personalidade, mas um bocado de ousadia o levaria mais perto de colegas como Mamoru Hosoda e Masaaki Yuasa. At� l�, seguir� desfrutando de gordas bilheterias. 

“SUZUME”
(Jap�o, 2023, 122 min.) Dire��o: Makoto Shinkai. Longa de anima��o. Em cartaz no Cinemark BH Shopping e em salas Cineart.