Cordel do Fogo Encantado celebra a capacidade de dar a volta por cima
Banda pernambucana traz nesta quinta (20/4) a BH o espet�culo "�gua do tempo", concebido ap�s a pandemia, como uma ode � supera��o e � resist�ncia
Show de hoje no Sesc Palladium ter� a participa��o especial de Gabi da Pele Preta e conta com "Cio da terra" no repert�rio
Fred Jord�o/Divulga��o
Quando o movimento manguebeat surgiu, em Recife, no in�cio da d�cada de 1990, com bandas que mesclavam maracatu, rock, hip hop, funk e m�sica eletr�nica com letras recheadas de cr�tica social, havia um grupo de jovens no sert�o pernambucano atento a essa forma diferente de se expressar.
Embora n�o fizessem exatamente parte do movimento, Jos� Paes de Lira, Clayton Barros, Emerson Calado, Nego Henrique e Rafael Almeida produziam um som que explorava os ritmos tradicionais de forte express�o no Nordeste, como o samba de coco, o frevo e o maracatu, e as poesias declamadas dos repentistas e cantadores da regi�o.
Nas apresenta��es, eles n�o apenas tocavam as can��es, mas levavam elementos c�nicos que faziam com que as pessoas ficassem em d�vida se se aquilo era uma pe�a de teatro ou um show.
Nan� Vasconcelos
Ainda sem nome � �poca, o grupo circulava pelo sert�o pernambucano com um espet�culo batizado de “Cordel do fogo encantado”. S� depois de serem descobertos pelo ent�o rec�m-nascido Festival Rec Beat, em 1999 e pelo percussionista Nan� Vasconcelos (1944-2016) � que os garotos resolveram batizar o grupo com o nome que antes era do espet�culo.
“A gente n�o se definia como uma banda”, lembra Jos� Paes de Lira, o Lirinha. “�ramos um grupo de amigos que se interessava pela tradi��o dos repentistas e dos cantadores, que � aquela poesia rimada e metrificada, e buscava a composi��o de uma base instrumental e musical para que essas poesias fossem ditas.”
O grupo de amigos, no entanto, se profissionalizou. E, ao longo de 24 anos, gravou quatro discos autorais, um DVD e participou dos filmes "Deus � brasileiro", de Cac� Diegues, e "O homem que engarrafava nuvens", de L�rio Ferreira. Entre 2010 e 2018 o Cordel fez um hiato, voltando a se apresentar em 2019, com a turn� de lan�amento do disco “Viagem ao cora��o do sol”.
Nesta quinta-feira (20/4), a banda desembarca em Belo Horizonte para apresentar o show “�gua do tempo”, no teatro do Sesc Palladium. A apresenta��o contar� com participa��o da cantora pernambucana Gabi da Pele Preta.
Com proje��es mapeadas e jogos de ilumina��o caracter�sticos do grupo, o show de hoje vai fazer uma s�ntese da hist�ria do Cordel. No repert�rio, est�o desde can��es do primeiro �lbum (de 2001, hom�nimo � banda), at� arranjos in�ditos que, possivelmente, ser�o lan�ados futuramente como singles. Eles tamb�m cantar�o “O cio da terra” (Chico Buarque e Milton Nascimento).
“� uma tradi��o do nosso grupo fazer espet�culos intermedi�rios entre os discos autorais. Esses espet�culos s�o importantes para n�s, porque a gente consegue experimentar novas ideias e composi��es ao vivo, afinal a banda tem uma origem no teatro”, afirma Lirinha.
Ele lembra que a pandemia prejudicou a turn� de “Viagem ao cora��o do sol”. “Quando est�vamos no meio da circula��o dessa turn�, tivemos que parar. O que nos consola � saber que foi uma quebra para todo mundo, para toda a humanidade. Todos n�s participamos dessa inesquec�vel experi�ncia humana.”
“�gua do tempo” foi concebido como forma de marcar o retorno p�s-pandemia. Segundo Lirinha, o tempo remete � mem�ria e a �gua representa a const�ncia e a vitalidade da banda.
Transforma��o
Uma das principais m�sicas do grupo � “Chover (Ou invoca��o para um dia l�quido)”, cuja letra pede a chuva no sert�o n�o no sentido literal, e sim como meio para a transforma��o.
A can��o, presente no primeiro disco do Cordel, sintetiza bem a ideia de transforma��o do grupo, que n�o se concentra apenas nas quest�es sociais - t�o caras � banda, diga-se. H� tamb�m uma ideia de subvers�o musical, ao escolher a percuss�o como base de condu��o da m�sica e um �nico viol�o ao fundo.
“Realmente � uma sonoridade diferente. Num primeiro momento, tivemos muita d�vida se dever�amos trazer convencionalismo para o som n�o ficar t�o estranho, t�o agressivo. Mas, muito influenciados por Nan� (Vasconcelos) e por nossos pr�prios sonhos, decidimos ir com essa estranheza mesmo para caracterizar nosso som como �nico”, conta.
Grande parte do repert�rio da banda tem forte liga��o com a tradi��o da m�sica negra brasileira e com os terreiros de umbanda. Muitas letras invocam o povo Xukuru, origin�rio do munic�pio de Pesqueira (PE). Somado a isso o fato de pertencer � classe art�stica brasileira, Lirinha foi um cr�tico contundente do governo Jair Bolsonaro.
“Houve um vis�vel e not�rio desmonte de conquistas que n�s tivemos nos �ltimos anos, independentemente de quais partidos pol�ticos estavam no poder. Foi realmente uma estrutura de a��es para desarticular um processo muito importante, que era o processo de descentraliza��o da economia da cultura”, diz.
Para os pr�ximos anos, ele espera uma transforma��o na cultura nacional no sentido da descentraliza��o. “O Samba de Coco Ra�zes de Arcoverde gravou disco pela primeira vez na vida atrav�s de pol�ticas p�blicas culturais. Isso gerou uma aten��o para o interior do pa�s. Ao mesmo tempo, grupos do Par�, da Amaz�nia e de outras regi�es que eram totalmente esquecidas do processo de fomento cultural tamb�m passaram a fazer parte dessa cena cultural. A gente espera que isso volte a acontecer para que grupos perif�ricos do pa�s consigam sobreviver”, afirma.
Pintura de Elvira Freitas Lira, que exp�e trabalhos em BH
Reprodu��o
FILHA DE PEIXE...
Seguindo os passos do pai, Elvira Freitas Lira, filha de Lirinha, tornou-se artista. Aos 23 anos, ela realiza em BH sua primeira exposi��o individual na Galeria Acaiaca (Av. Afonso Pena, 867, 10º andar, Centro).
Intitulada “23”, a mostra aberta na quarta-feira (19/4) trouxe Lirinha mais cedo � capital mineira. “Cheguei hoje (quarta-feira). Vim fazer uma surpresa para ela, que nem sabe que eu estou aqui.”, contou.
“23” tem curadoria de Noele Karime e fica em cartaz at� 25/5. Visitas gratuitas devem ser agendadas pelo Instagram (@galeriaacaiaca).
“�GUA DO TEMPO”
Show do Cordel do Fogo Encantado. Com participa��o de Gabi da Pele Preta. Nesta quinta-feira (20/4), �s 21h, no Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro). Ingressos � venda na bilheteria do teatro e pelo site do Sympla, por R$ 120 (plateia 1/inteira), R$ 100 (plateia 2/inteira) e R$ 60 (plateia 3/inteira). Meia-entrada na forma da lei. Informa��es: (31) 3270-8100.
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