Novo livro de Gerald Thomas traz 'experi�ncias pessoais com coca�na'
� assim que o diretor de teatro fala sobre seu mais novo livro, "Blow-p�".
Mas, ao mesmo tempo, revela que a obra autobiogr�fica tem muita fantasia tamb�m"
Livre do v�cio, sem remorso ou puritanismo, Gerald Thomas, que se diz "cansado e angustiado", jogou recentemente seu acervo pessoal em uma ca�amba de lixo de New Paltz, a 134 quil�metros de Nova York
Zanone Fraissat/Folhapress
No fim de abril, o diretor de teatro Gerald Thomas caminhou at� uma ca�amba de lixo de New Paltz, a 134 quil�metros de Nova York, e despejou ali uma mala de pap�is do seu arquivo pessoal. Os garis recolhem �s quartas e sextas os sacos jogados pelos moradores da cidade. Na coleta daquela semana, diz Thomas, o caminh�o levou um quinto de seu acervo, com v�deos, fotografias e correspond�ncias. Ele estava angustiado. E de saco cheio.
O diretor tentou vender o acervo a institui��es brasileiras, mas as conversas n�o prosperaram. “Estou agindo por instinto ou tristeza, ou raiva, ou desencanto. Por n�o aguentar mais essa situa��o. Fiz uma coisa simb�lica. N�o foi feita para chamar aten��o, sen�o eu teria feito uma coisa mais bonita no Central Park”, diz Thomas, que acaba de lan�ar o livro “Blow-p�” pela Galileu Edi��es, de Londrina.
D�VIDAS A decis�o de transferir seus documentos para algum arquivo p�blico ou privado veio com a pandemia da COVID-19. Thomas acumulou d�vidas, conviveu com a amea�a de despejo e precisou desocupar seu apartamento em Manhattan. Aos 68 anos, transferiu-se para New Paltz.
Com a venda de seus desenhos e ilustra��es, arrecadou cerca de US$ 60 mil, uma grana insuficiente para cobrir o rombo da longa hiberna��o. “S� mudei de casa porque n�o tenho dinheiro. � culpa da COVID. At� a Broadway n�o voltou totalmente. Minha d�vida total nem sei qual �, mas est� em torno de US$ 68 mil. Tive que procurar um lugar a uma hora e meia, duas horas, ao Norte de Nova York”, ele conta, por telefone.
No lar mais distante, a manuten��o do acervo ficou pesada. “Estou carregando h� 40 anos. Isso ocupava dois quartos. S�o videotapes, blocos de pintura, maquetes desmont�veis, fotos, programas, p�steres, correspond�ncias com Samuel Beckett, Peter Brook e Heiner Mueller”, ele descreve.
VANGUARDA Thomas estabeleceu seu nome na hist�ria do teatro de vanguarda com montagens de pe�as e �peras em 16 pa�ses. Entre dezenas de trabalhos de impacto c�nico, dirigiu “Quartett”, de Heiner Mueller, e adaptou textos em prosa de Beckett, no La MaMa, em Nova York, com o aval do escritor irland�s.
Sua trajet�ria se vincula a artistas brasileiros – como S�rgio Britto, Marco Nanini, �talo Rossi, Ney Latorraca, Fernanda Torres e Bete Coelho – e a nomes internacionais – como Julian Beck, Philip Glass e Ellen Stewart. Em 1994, sob a sua dire��o, Gal Costa apresentou o show “O sorriso do gato de Alice”, em cujo cl�max expunha os seios.
A mem�ria de uma carreira vertiginosa segue sem destino. “Pense em todas as institui��es filantr�picas poss�veis. Todas. Isso tudo � muit�ssimo triste para mim. Estou cansado. Cansado e angustiado. � imposs�vel colocar em palavras o que sinto porque n�o posso responsabilizar ningu�m por essa situa��o.” Ele prefere n�o dizer os nomes das institui��es procuradas. Apesar do desencanto, n�o desistiu de procurar acolhida no Brasil e detesta a ideia de entregar o arquivo a uma institui��o estrangeira.
PULSA��O SEXUAL Neste ano, Gerald Thomas prepara uma nova montagem com o ator Marco Nanini, seu parceiro em “Um circo de rins e f�gados”, de 2005. Seu novo livro, “Blow-P�”, texto autobiogr�fico de 37 p�ginas, foi escrito em ingl�s e ganhou tradu��o de Jardel Dias Cavalcanti, com a colabora��o de David George.
A prosa de Thomas acompanha a pulsa��o sexual do consumo de coca�na, sua chave qu�mica para surubas, amores rel�mpagos, revezes escatol�gicos e contatos nada profissionais com traficantes. O p� embalava tamb�m uma cria��o art�stica real e voraz. Afinal, sempre ressoava o conselho do professor Timothy Leary, guia filos�fico do uso de drogas: “Cuidado! Depois que abrir as portas da percep��o, continue seguindo a percep��o”.
Em tudo o que parece ser o limite de seu corpo e sua sa�de mental, Thomas reconhece uma busca ainda mais extrema por zonas ignoradas de sua exist�ncia. Livre do v�cio, sem remorso ou puritanismo, ele n�o convalida a dualidade de c�u e inferno da droga. N�o cr� em bobagens.”A coca�na � usada para o sexo. Principalmente. Eu usei naquela �poca – e continuei a us�-la nas d�cadas seguintes, porque n�o h� maior prazer sexual, nenhuma outra for�a matriz sexual como a coca�na”, escreve Thomas em “Blow-p�”.
QUEST�ES EXISTENCIAIS Thomas diz que o texto atinge seu ponto mais forte nas quatro p�ginas finais. “O nervo do livro � a exist�ncia, essa coisa estranh�ssima. A droga pode trazer voc� para mais perto da quest�o humana. Por que os artistas usam alguma coisa? Eu fui exposto � coca muito cedo, aos 14 anos”, lembra o diretor.
“Conto experi�ncias pessoais com coca�na. Tem muita fantasia tamb�m. � mais sobre a exist�ncia. Por que se usa? Por que a gente quer sair da gente mesmo? Onde o artista lucra nessa jornada, para chegar no ponto central do ser humano?” .
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