Rita Lee durante apresentação

Rita Lee defendeu, nas letras e nas atitudes, a liberdade feminina para criar, ousar, amar, transar, e n�o se levar a s�rio

Rede Globo/Divulga��o
Poucos nomes da m�sica t�m uma trajet�ria com fases t�o distintas – e igualmente marcantes – como Rita Lee Jones. Surgiu nos anos 1960 com Os Mutantes, um dos grupos mais inventivos da hist�ria do rock, se estabeleceu na d�cada seguinte como a maior estrela brasileira do g�nero e, j� na d�cada de 1980, abra�ou o pop e se tornou uma m�quina de produ��o de hits. Somente esses tr�s movimentos j� seriam suficientes para imortalizar a cantora e compositora. Mas ela foi muito al�m. Defendeu, nas letras e nas atitudes, a liberdade feminina para criar, ousar, amar, transar, n�o se levar a s�rio, se divertir, se insurgir. “Desacatar a autoridade masculina � o m�ximo”, chegou a declarar, em entrevista.  

 

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Face angelical e voz suave das loucuras lis�rgicas que aprontava com os irm�os Arnaldo Baptista e S�rgio Dias, Rita Lee n�o sumiu ap�s a sa�da tempestuosa de Os Mutantes. Muito pelo contr�rio: assumiu outra banda, Tutti Frutti, fez quatro discos (“Atr�s do porto tem uma cidade”, “Entradas e bandeiras”, “Babil�nia” e, especialmente, “Fruto proibido”) que se tornaram marcos do rock nacional nos anos 1970. As guitarras cruas e furiosas de Lu�s S�rgio Carlini, � la Rolling Stones, e o baixo pulsante de Lee Marcucci emolduravam as letras cada vez mais inspiradas da cantora que consolidava, assim, a vertente roqueira explicitada em “Agora s� falta voc�”, “Esse tal de Roque Enrow” e na balada “Ovelha negra”, hino de uma gera��o.

A ovelha desgarrada dos Mutantes jamais voltaria ao experimentalismo inicial. J� acompanhada pelo parceiro de vida e obra, Roberto de Carvalho, refor�ada pelos teclados de Lincoln Olivetti e outros m�sicos experientes, enveredou pelo pop despudorado e lan�ou tr�s discos em sequ�ncia – “Rita Lee” (1979), “Rita Lee” (1980), “Sa�de” (1982) – repletos de sucessos estrondosos: “Baila comigo”, “Mania de voc�”, “Doce vampiro”, “Lan�a perfume”, “Nem luxo, nem lixo”. Foi quando a dupla Rita & Roberto chegou a rivalizar com as composi��es dos at� ent�o �nicos reis do romantismo, Roberto & Erasmo. E as FMs, as pistas das boates, os bailes de carnaval, at� as festas de crian�a tocavam m�sicas l�dicas e er�ticas que enalteciam o amor sem freios, a busca do prazer “at� me matar de amor”.

Sem medo de repres�lias, Rita Lee fez da m�sica o exerc�cio da paix�o e da liberdade. Ergueu trincheira particular contra o autoritarismo, o machismo e a caretice vigentes nos �ltimos anos da ditadura militar. Qual compositora teria coragem de submeter � censura versos como “Me deixa de quatro no ato”? Ela teve. A mesma Rita que, depois de todas as viagens alucin�genas dos anos 1960 e 1970, anteciparia o lema de um novo come�o de era ao bradar: “Quero mais sa�de”. E que falou sobre menstrua��o (“Mulher � bicho esquisito, todo m�s sangra”) no tema de abertura (“Cor de rosa choque”) de um programa matinal (“TV Mulher”) na tev� aberta. Por isso, a defini��o de “rainha do rock” reduz as m�ltiplas dimens�es de Rita Lee.

 

Ela exerceu muito mais do que a soberania de um g�nero musical. Rita foi rock, pop, bossa, bolero, chanson fran�aise, psicodelia, farra e fanfarra, cinema e novela, garota moleca e vov� sapeca, Jagger & Richards, Gil & Caetano, Carmen Miranda & Leila Diniz. Com talento inigual�vel para imitar vozes e criar personagens, Rita era capaz de interpretar todas as mulheres do mundo.

 

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Nas �ltimas d�cadas, os sucessos vieram em menor quantidade, mas os projetos de revis�o da carreira – “Bossa’n’roll”, “Ac�stico MTV”, remixes e celebra��es – ajudaram a consolidar a cantora como refer�ncia obrigat�ria das novas gera��es. Mesmo afastada dos palcos at� a morte em maio de 2023, continuou a desafinar o coro dos contentes com observa��es perspicazes e ir�nicas em programas de tev� e nos livros que lan�ou. Foi vista, lida e relida. Virou meme e musa. Tudo porque, como escreveu em “Luz del fuego”, Rita representou a loucura e tudo mais o que quis. Cheia de gra�a, fazendo um monte de gente feliz, amanh� e sempre.