O diretor Karim Aïnouz com a atriz Alicia Vikander e o ator Jude Law na estreia de 'Firebrand' em Cannes

O diretor Karim A�nouz com a atriz Alicia Vikander e o ator Jude Law na estreia de "Firebrand" em Cannes

Valery Hache/AFP
 

"Viva o Brasil, viva o cinema brasileiro, viva o Lula"

Karim A�nouz, cineasta

 

Karim A�nouz, cineasta cearense que concorre � Palma de Ouro no Festival de Cannes, aproveitou o lan�amento de seu filme, “Firebrand”, neste domingo (21/5), para mostrar apoio ao presidente Lula no teatro Lumi�re, onde ocorrem as sess�es de gala do evento.


Dentro da sala, depois da sess�o do longa, A�nouz tomou o microfone para falar do projeto, uma produ��o brit�nica, como � praxe nos filmes da mostra competitiva, e agradeceu aos atores Alicia Vikander e Jude Law pelo trabalho como Catherine Parr e Henrique 8º na trama.


Na sequ�ncia, emendou: “Viva o Brasil, viva o cinema brasileiro, viva o Lula”. A mensagem foi recebida com uma salva de palmas diante da principal tela do festival franc�s. O filme foi recebido de forma calorosa e as primeiras cr�ticas da imprensa presente em Cannes s�o positivas.

Rei assassino � apenas acess�rio

De todos os temas que Karim A�nouz poderia escolher para sua estreia num filme estrangeiro, o reinado de Henrique 8º parece ser um dos mais distantes de sua realidade, enquanto cearense, e de seu cinema, marcado pela sensibilidade e por rela��es de afeto constru�das com delicadeza. Um monarca que decapitou duas esposas e isolou outras duas est� distante dos personagens que habitam sua filmografia.

 

Em “Firebrand”, no entanto, Henrique 8º � mero acess�rio, j� que o interesse de A�nouz est� na sexta e �ltima de suas mulheres, Catherine Parr.


O longa traz Alicia Vikander no papel de uma rainha inteligente, com ideias progressistas e que aprende aos poucos a navegar pelas mudan�as bruscas de humor do rei, papel de Jude Law, e os interesses escusos que o rondam.


Nem sempre ela � vista como aliada, principalmente pela ala religiosa da corte, que quer p�r um monop�lio na palavra de Deus e proibir que textos religiosos sejam publicados em ingl�s. Catherine discorda, bem como uma amiga de inf�ncia que vem pregando contra o clero e a monarquia Inglaterra afora.


� a partir desse conflito que a rela��o entre rei e rainha desabrocha. Catherine tem a seu favor o que Henrique 8º chama de amor por ela, assim como o afeto dos filhos do monarca, Mary, Elizabeth e Edward, criados por ela na aus�ncia das pr�prias m�es.


Al�m disso, h� a sa�de j� debilitada do rei, o que n�o o impede de trat�-la de forma abusiva, f�sica ou psicologicamente. Ela nunca tem certeza de qu�o perto sua cabe�a est� da guilhotina.

 

Alicia Vikander como Catherine Parr no filme Firebrand

Alicia Vikander como Catherine Parr, a principal personagem de 'Firebrand'

Reprodu��o
 

"Ex�lio" causado por Bolsonaro

“Firebrand”, palavra em ingl�s descreve um peda�o de madeira em chamas ou uma pessoa apaixonada por uma causa, � curiosamente fruto da falta de pol�ticas p�blicas para o cinema durante o governo Bolsonaro, disse A�nouz na v�spera da estreia do filme em Cannes.

 

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Depois de receber pr�mio da mostra Um Certo Olhar de Cannes, em 2019, com “A vida invis�vel”, o cineasta se viu sem trabalho no Brasil. N�o faltaram, por�m, convites estrangeiros para que ele fizesse sua estreia em l�ngua inglesa.


“Deu um medinho, mas passou”, disse, depois de anos cultivando a vontade de explorar a ind�stria cinematogr�fica estrangeira. N�o ser ingl�s fez com que estudasse a fundo a hist�ria do per�odo e desse uma vis�o cr�tica para a trama j� narrada � exaust�o – dos livros de hist�ria � s�rie “The Tudors”.


Aos poucos, o roteiro foi assimilando caracter�sticas do cinema de Karim, com mudan�as que ele foi convencendo a equipe de produ��o brit�nica a aceitar. Em especial, para negar o tom de venera��o �quele microcosmo anacr�nico da realeza brit�nica.
“Houve uma coroa��o agora h� pouco, mas para mim o rei Charles � um cara igual a qualquer outro. Essa falta de rever�ncia me ajudou muito, porque fez com que me aproximasse dos personagens. Eles deixaram de ser s� um quadro bonito”, afirma.


Nem por isso “Firebrand” deixa de servir um banquete suntuoso aos olhos do espectador. Vestidos foram cautelosamente costurados � m�o para as filmagens, sob a exig�ncia de que os tecidos deveriam ser os mesmos da �poca. As grava��es ocorreram no castelo de Haddon Hall, que ficou dois s�culos fechado e, por isso, preservava a apar�ncia necess�ria.

Trama feminina e feminista

“Voc� pode me acusar de liberdade po�tica, mas jamais de falta de verossimilhan�a”, disse A�nouz, que p�e Catherine para escovar os dentes na cena inicial, tirando a personagem do trono e a trazendo para perto do espectador. Assim, o p�blico � apresentado a uma mulher menos presa ao passado, que curiosamente evoca as protagonistas de “A vida invis�vel”.


Ambos os filmes falam da trajet�ria de dor de mulheres que sofrem nas m�os do patriarcado, mas encontram uma maneira de n�o se render � sua crueldade. � como se tivesse regravado aquele filme, afirma o cineasta.


Aqui tamb�m, ele mostra as tentativas de Catherine de se libertar, de impor uma vis�o feminina e feminista �quele universo masculino. � uma tarefa �rdua, pontuada pela instabilidade do clima ingl�s, que muda dos t�midos raios de sol para as nuvens cinzentas ou o vento intenso.


“O que tem de filme sobre esse Henrique matando mulher � um neg�cio surreal. Um espet�culo do feminic�dio. As crian�as cantam m�sicas sobre ele decapitar mulheres na Inglaterra, mas ele era serial killer. Ent�o, eu precisava falar da dor, para dar uma dimens�o hist�rica do que foi conquistado, mas ao mesmo tempo reimaginar o real e sair do �bvio”, diz o diretor.


“N�o dava para passar duas horas vendo Henrique maltratando Catherine, porque s�o cinco s�culos dessa viol�ncia, que foi naturalizada. Estou atacando o patriarcado, Henrique, Trump, Bolsonaro, Putin, Erdogan. Parou. Chega de homem fazendo esse tipo de coisa.”


Sem abandonar a cartilha dos filmes de �poca, “Firebrand” traz frescor ao g�nero, num festival recheado de obras que escondem sob seu verniz temas latentes para os tempos atuais, por mais dif�cil que seja encontr�-los.