"� a fic��o que nos faz ficar vivos", afirma Isabelle Huppert
Em cartaz em BH com dois longas, a atriz francesa fala da carreira no cinema e diz que "as experi�ncias mais memor�veis" que teve no Brasil "v�m do teatro"
Isabelle Huppert protagoniza "Uma vida sem ele", segundo longa-metragem do franc�s Laurent Larivi�re
Imovision/Divulga��o
Um dos melhores epis�dios da francesa “Dix pour cent” (2015-2020), s�rie sobre agentes (ficcionais) de Paris que gerenciam a carreira de atores e diretores (que interpretam a si mesmos), gira em torno de Isabelle Huppert. Ela � a estrela de duas produ��es que est�o sendo rodadas ao mesmo tempo. Para tal, quebrou o contrato de exclusividade com os produtores de um dos longas.
A atriz quase enlouquece a equipe de sua ag�ncia, que tem que se virar para que um cineasta n�o descubra sobre o outro – e vice-versa. � pura fic��o, mas com uma base muito real – Huppert filma em quantidades colossais, como ningu�m mais. E tamb�m como ningu�m, viu a idade se aproximar e o prest�gio e os convites para novos projetos s� crescerem.
No �ltimo 16 de mar�o, a atriz completou 70 anos. Com 50 de cinema, vem se aproximando dos 150 filmes. Qualquer um sabe fazer as contas: em m�dia, tr�s produ��es por ano. Neste momento, Huppert est� em cartaz com dois filmes em Belo Horizonte.
Em “Uma vida sem ele”, destaque no UNA Cine Belas Artes, ela � a protagonista no filme do franc�s Laurent Larivi�re. No drama, Huppert interpreta Joan, uma editora rec�m-aposentada que, ao retornar para sua antiga casa de campo, come�a a prestar contas ao passado por meio da mem�ria fragmentada.
Em “EO”, do polon�s Jerzy Skolimowski (em exibi��o no Belas Artes e no Centro Cultural Unimed-BH Minas) faz uma pequena participa��o. J� em 6 de julho estreia “O crime � meu”, de Fran�ois Ozon, cineasta tamb�m prol�fico como ela.
Isabelle Huppert fez pequena participa��o em 'EO', filme dirigido por Jerzy Skolimowski
Skopia/divulga��o
Huppert � reconhecida por interpretar personagens moralmente complexos – seu t�tulo mais conhecido � “Elle” (2016), de Paul Verhoeven, que lhe deu uma indica��o ao Oscar de melhor atriz pelo papel de uma executiva que n�o s� n�o denuncia um estupro como estabelece um jogo perverso com seu algoz.
Desde o in�cio de sua carreira, no come�o dos anos 1970, Huppert emergiu como uma for�a do cinema exatamente por causa de suas escolhas – estrelou dezenas de filmes que ganharam pr�mios em Cannes, Berlim e Veneza.
Neste momento, est� na Coreia do Sul, filmando com o cineasta Hong Sang-soo – � seu terceiro filme com o diretor considerado por muitos o Woody Allen coreano. Ela foi para o pa�s asi�tico depois de terminar, em maio, uma temporada teatral parisiense de “Mary said what she said”, mon�logo de Robert Wilson em que interpreta Mary Stuart, rainha da Esc�cia.
Nada a esmorece. � o que fica claro com a entrevista, concedida por Huppert ao Estado de Minas por telefone, passada a meia-noite (da Coreia). “Realmente amo o que fa�o, n�o � aquele fardo de ir toda manh� fazer algo de que n�o gosto. Claro que trabalho, mas n�o sinto que estou trabalhando.”
“Uma vida sem ele” � o segundo longa de fic��o de Laurent Larivi�re. O que a fez aceitar fazer o filme?
Acho que o roteiro era realmente original. A estrutura do filme � especial, com todos os flashbacks que fazem com que somente no fim voc� encontre a chave da hist�ria. E o Laurent � um diretor muito interessante, eu tinha visto o filme dele anterior, “Eu, soldado” (2015) e gostado muito. S�o raz�es suficientes para ter feito o filme.
A quantidade e a diversidade de filmes que voc� j� fez s�o sempre mencionadas quando se fala sobre a sua carreira. Quando vai se decidir sobre um projeto, o diretor vem sempre na frente do roteiro?
O diretor, sempre. E acho que continuarei mantendo assim. Houve raras ocasi�es em que fiquei mais interessada no projeto pelo roteiro do que pelo diretor propriamente. E n�o trouxeram muito retorno para mim.
“Uma vida sem ele” fala de perda, amor e at� de esperan�a. Estas coisas est�o sempre conectadas?
Gostaria que sim. Se fosse o caso, o mundo seria melhor. � claro (que amor) � a solu��o para eventos insuport�veis que a vida nos proporciona, a morte de algu�m por exemplo. Neste caso, haver� sempre esperan�a, e ela � tamb�m amor. Falando sobre a estrutura do filme, depois de tantos anos, Joan (a personagem de Huppert) literalmente reinventa suas mem�rias de uma forma que beira a insanidade. Voc� acaba tendo uma vis�o diferente daquela mulher, que estava lidando entre a sanidade e a insanidade. Se a hist�ria tivesse sido contada de forma linear, teria sido bem menos interessante. Porque a narrativa � tratada do jeito que a mem�ria funciona, com as fantasias que todos temos. E � o amor que acaba a levando de volta para a realidade.
Na sequ�ncia inicial do filme, Joan fala olhando para a c�mera que a nossa mem�ria � feita das imagens que criamos. Na sua opini�o, o passado � sempre mais interessante do que o tempo presente?
� um bom questionamento, mas n�o diria mais interessante. N�o para mim. Acredito mais no momento presente, ainda mais porque sou uma atriz, e fazer cinema � exclusiva e precisamente sobre o momento. Por isso � fascinante. Quando voc� faz, aquilo se torna a coisa mais importante. Ent�o acredito que o presente seja mais importante do que o passado. E quando se vive muito celebrando o passado, as mem�rias, voc� pode se tornar muito improdutivo.
Li uma entrevista em que Larivi�re disse que o filme � sobre como a fic��o nos ajuda a lidar com a vida. Devolvo a pergunta a voc�: como a fic��o, sendo a atriz que �, a ajuda a lidar com a vida real?
Tudo o que fazemos � uma fic��o. Mas ela n�o est� s� nos filmes, mas tamb�m na m�sica, na pintura, nos livros. � qualquer express�o que fa�a voc� viajar com sua cabe�a. Isto � que � triste quando os pa�ses v�o mal, quando n�o se tem possibilidade de levar fic��o (para as pessoas). A vida, sem ela, se torna muito menos apreci�vel. O que podemos fazer se n�o lemos livros, vemos filmes? Ok, algumas pessoas n�o veem filmes, mas eu n�o sou uma delas. De qualquer forma, todos temos que encontrar nosso escape, � a fic��o que nos faz ficar vivos.
O cinema de Belo Horizonte que est� exibindo “Uma vida sem ele” tamb�m est� apresentando “EO”, em que voc� fez uma pequena participa��o. Como voc� entrou para este projeto do Jerzy Skolimowski?
Somos amigos h� muito tempo e por anos tentamos fazer um filme juntos, que n�o aconteceu. Seria um filme baseado em “Na Am�rica”, um dos poucos romances que a Susan Sontag escreveu. Como ele nunca vai acontecer, o Jerzy me chamou para esta participa��o. Fiz e amei o filme. Mas � claro que a estrela � o burro. N�o posso competir com ele.
Tr�s anos atr�s, o jornal “The New York Times” fez um levantamento dos atores mais influentes do s�culo 21. Voc� ficou em segundo lugar (Denzel Washington � o primeiro). O que esta lista representou para voc�?
Sou a n�mero 1 como atriz. Depois da surpresa, porque realmente fui surpreendida, li os coment�rios no artigo que acompanhava cada men��o. (A sele��o) Obviamente tem muito a ver com as minhas escolhas e as pessoas com quem trabalho. Acho que a sele��o foi igualmente para mim e para os diretores prestigiosos com quem trabalhei.
Voc� tem dois cinemas em Paris. O cinema, ao menos no Brasil, � a �rea de cultura que est� mais sofrendo no p�s-pandemia. O p�blico voltou ao teatro, aos shows, mas n�o ao cinema. Na Fran�a acontece o mesmo, n�o?
Meu filho e o pai dele administram as salas. Na Fran�a isto tamb�m acontece, como em todo o mundo. Mas as coisas est�o melhorando. N�o ao ponto de como era antes (da pandemia), mas est� melhorando. Alguns filmes foram muito bem-sucedidos, incluindo os meus.
Como atriz, voc� vem sentindo o impacto da crise do cinema e da explos�o do streaming?
Isto realmente n�o me afeta. N�o digo que seja f�cil. O meio mais independente tem que ser agora mais cauteloso e vigilante. E a maioria dos filmes que fa�o s�o independentes. Mas n�o posso dizer que, pessoalmente, isto me afetou. Meu n�mero de possibilidades, de ofertas de trabalho, n�o diminuiu. Permanece o mesmo. Mas sei que sou uma exce��o.
No m�s passado, voc� encerrou em Paris uma temporada do espet�culo “Mary said what she said”, dirigido por Robert Wilson. Vi que ainda far� algumas datas este ano. O que o teatro te proporciona que o cinema n�o? Falo de teatro porque em duas ocasi�es voc� veio ao Brasil com espet�culos (“Quartett”, em 2009 e “4,48 Psychose”, em 2003).
Ali�s, adoraria levar “Mary said” ao Brasil porque � extraordin�rio. Eu n�o deveria dizer isto porque � um mon�logo, ent�o sou eu em cena o tempo todo. Mas � muito especial, algo que gostaria de continuar fazendo quando puder. Originalmente, levar�amos a pe�a para Los Angeles e Nova York. Isto era antes da pandemia, mas quando ela veio, n�o teve como reprogramar. Est�o discutindo para ver se conseguimos ir para os EUA. Gostaria de levar ao Brasil porque minhas experi�ncias mais memor�veis da� v�m do teatro. Agora, teatro e cinema n�o � uma quest�o de mais ou menos, � diferente. Acho que a maneira como navego entre teatro e cinema realmente me preenche – e isto tamb�m por causa daqueles com quem trabalho.
“UMA VIDA SEM ELE”
Dire��o: Laurent Larivi�re. Com Isabelle Huppert, Lars Eidinger e Swann Arlaud. Joan (Isabelle Huppert) reencontra seu primeiro amor e isso a faz rever o passado, incluindo o fato de que n�o contou a ele que tiveram um filho juntos. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 14h, 16h e 18h).
“EO”
Dire��o: Jerzy Skolimowski.Com Sandra Drzymalska, Mateusz Kosciukiewicz, Lorenzo Zurzolo e Isabelle Huppert. Eo, um burro cinza com olhos melanc�licos, conhece pessoas boas e m�s quando deixa o circo e percorre o caminho da Pol�nia at� a It�lia. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 2, 18h40) e no Unimed-BH Minas T�nis Clube (15h).
*Para comentar, fa�a seu login ou assine