Tony Tornado e seu filho na abertura do 18º CineOP

O cantor e ator Tony Tornado, que recebeu o trof�u Vila Rica, viajou a Ouro Preto acompanhado do filho; show dos dois era a atra��o de ontem � noite

Leo Lara/Divulga��o

 

Ouro Preto – A poucos metros do palco montado na Pra�a Tiradentes, no Centro de Ouro Preto, o m�sico Nicolas Andrade, de 30 anos, tomava um chopp e observava a movimenta��o no local, na noite da �ltima quinta-feira (22/6). “Eu vi que estavam montando alguma coisa e decidi vir para ver o que era. Confesso que ainda estou meio perdido”, afirmou.
 
Tratava-se da abertura oficial da 18ª Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP), cujo homenageado � o ator e cantor Tony Tornado. Aos 93 anos, ele � o ator mais longevo em atividade no Brasil. Sentado a poucos metros de Nicolas, Tornado era a grande atra��o da noite.
 
O CineOP teve in�cio com homenagem a Tony Tornado e � contribui��o do artista para que negros conseguissem mais espa�o em trabalhos na TV. Apresentaram-se Maur�cio Tizumba com as Guardas de Mo�ambique de Nossa Senhora do Ros�rio e de Santa Efig�nia; e banda Diplomattas (cujo baterista � o cineasta Gabriel Martins, diretor de “Marte Um”). O grupo fez um medley, transitando por v�rios ritmos negros, desde o samba at� soul music. Na sequ�ncia, houve a exibi��o de “Baile soul” (2023), document�rio de Cavi Borges.
 
“A luta foi dura para poder ocupar esses espa�os”, lembrou Tornado, em encontro com jornalistas, pouco antes da abertura oficial da mostra. “Cheguei na Globo em 1975. Fiz ‘Roque Santeiro’ e s� tinha eu de preto - e era um elenco de cento e muitas pessoas. Hoje fico muito emocionado com esse espa�o que est�o dando para os negros. N�s precis�vamos mesmo disso, at� para mostrar o nosso valor.”
 

'Tive problemas desde que nasci at� hoje. Claro, com uma diferen�a, porque hoje eu sou conhecido. Mas o negro � negro'

Tony Tornado, cantor e ator

 
 
Os avan�os, embora significativos conforme Tornado aponta, ainda n�o s�o suficientes. Ele citou pr�ticas racistas comuns nas d�cadas de 1960 e 1970, como o uso do “black face”.
 
Na novela “Cabana do Pai Tom�s” (1969), da TV Globo, por exemplo, o protagonista Pai Tom�s foi interpretado pelo ator branco S�rgio Cardoso (1925-1972), que pintava a pele de preto. 
 
“Eu fiquei t�o sentido (com aquilo). Essas coisas que me fizeram entrar nessa luta. Eu lembro que o diretor (Daniel Filho) havia dito que n�o tinha atores negros para fazer esse papel”, contou Tornado, parando para chorar.

Protesto com Elis

O engajamento contra o preconceito racial, contudo, custou caro ao artista. Em 1971, um ano depois de ganhar o Festival Internacional da Can��o com “BR-3”, de Ant�nio Adolfo e Tib�rio Gaspar, Tornado voltou ao evento como convidado.
 
No momento em que Elis Regina (1945-1982) cantou os versos “Hoje cedo, na Rua do Ouvidor, quantos brancos horr�veis eu vi, eu quero um homem de cor”, da m�sica “Black is beautiful”, de Marcos e Paulo S�rgio Valle, Tornado, da plateia, gritou: “Sou eu!”.
 
N�o satisfeito, subiu ao palco, abra�ou Elis e levantou o bra�o esquerdo com o punho cerrado, gesto do grupo revolucion�rio antirracista dos EUA Black Panthers. “Desci do palco algemado”, lembrou, rindo.
 
 
 
“Tamb�m teve um dia em que eu estava em casa. Morava em Copacabana, na Rua Bol�var. Chutaram a porta e me levaram preso para o Gale�o. Me ‘caguetaram’ (dizendo aos militares): ‘Esse cara t� lendo umas coisas esquisitas’. Fui mandado para o Uruguai e depois para a Tchecoslov�quia. Tamb�m morei na Alemanha, EUA, R�ssia e, acreditem se quiserem, na Coreia do Norte, com o pai desse (Kim Jong-un) que est� l�. E, acreditem, esse da� � santo perto do pai”, afirmou.
 
As coisas esquisitas que Tornado estava lendo? Livros de James Baldwin (1924-1987), um dos principais escritores cr�ticos ao chamado “sonho americano”.
 
Mauricio Tizumba na abertura do 18º CineOP

Em edi��o que destaca a m�sica preta, o multiartista Maur�cio Tizumba se apresentou na noite de abertura do 18� CineOP, ao lado das Guardas de Mo�ambique de Nossa Senhora do Ros�rio e de Santa Efig�nia

Jackson Romanelli/Divulga��o
 
 
Ex-engraxate, ex-vendedor de balas e ex-militar do Ex�rcito, Tornado iniciou a carreira art�stica como cantor, no in�cio da d�cada de 1970, lan�ando sucessos como “Podes Crer, amizade”, “Me libertei” e a j� citada “BR-3”.
 
A can��o faz parte da hist�ria pol�tico-social do pa�s. “Fui preso algumas vezes porque diziam que a BR-3 era a terceira veia (do bra�o), onde os caras se aplicavam. Diziam: ‘Tornado, o senhor est� fazendo alus�o a t�xicos. O (verso) Jesus Cristo feito em a�o que o senhor fala n�s estamos sabendo que � a agulha’. Eu achava aquilo pura ignor�ncia”, contou.
 
 
A carreira de ator come�ou em 1972, na novela “Jer�nimo, o her�i do sert�o”, da TV Tupi. Na sequ�ncia, seguiu para a TV Globo para trabalhar com Chico Anysio e por l� ficou at� hoje, integrando o elenco de diversas novelas. Atualmente, est� no ar em “Amor perfeito”. No cinema, atuou em quase 20 filmes. O mais recente foi “Juntos e enrolados” (2022) de Eduardo Vaisman e Rodrigo Van Der Put.

Mesmo integrando o elenco art�stico da maior emissora do pa�s e sendo reconhecido por grande parte dos brasileiros, Tornado diz que a fama n�o extinguiu o racismo da vida dele.
 
“Tive problemas desde que nasci at� hoje. Claro, com uma diferen�a, porque hoje eu sou conhecido. Mas o negro � negro. Moro em um condom�nio de gente branca, as pessoas me respeitam e at� gostam de mim, mas eu vejo que tem aquela coisa: ‘Ah, � aquele condom�nio que tem o neg�o’. A gente tem que quebrar isso, essa � a minha luta”, afirma.
 
Homenagear um artista negro em Ouro Preto, cidade em grande parte constru�da por negros escravizados, � bem significativo. Conforme lembrou a cineasta carioca Leila de Pedra, amiga de Tornado, “� extremamente importante o reconhecimento dos artistas negros, principalmente enquanto eles ainda est�o vivos”.
 
Público na abertura do 18º CineOP

O p�blico enfrentou o frio na cidade hist�rica mineira para assistir � sess�o do document�rio 'Baile soul' (2023), de Cavi Borges

Jackson Romanelli/Divulga��o
 

O CineOP segue em cartaz na cidade hist�rica mineira at� a pr�xima segunda-feira (26/6), tendo como tem�tica a influ�ncia da m�sica preta no cinema nacional. Na programa��o, exibi��es de filmes, oficinas, workshops, masterclasses, apresenta��es art�sticas e mesas-redondas sobre preserva��o, hist�ria e educa��o.
 
Ao todo, ser�o exibidos 125 filmes (entre longas, m�dias e curtas-metragens) de cinco pa�ses (Brasil, Argentina, Col�mbia, Equador, EUA). Eles est�o distribu�dos nas mostras Contempor�nea, Homenagem, Preserva��o, Hist�rica, Educa��o, Valores, Mostrinha e Cine-Escola, que tamb�m podem ser assistidos no site do festival (cineop.com.br).

M�sica na tela

Entre os t�tulos mais aguardados da mostra est�o os longas “Uma nega chamada Tereza” (1973), de Fernando Coni Campos e estrelado por Jorge Ben Jor; “Lupic�nio Rodrigues: Confiss�es de um sofredor”, de Alfredo Manevy; “L� Borges – Toda essa �gua”, de Rodrigo de Oliveira, que ser� exibido neste s�bado (24/6), com a presen�a do cantor e compositor; e “Simonal - Ningu�m sabe o duro que dei”, de Cl�udio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal. E tamb�m o curta “A jornada do Valente” (2022), de Rodrigo de Janeiro, sobre a hist�ria do sambista Assis Valente (1911-1958).
 
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, cuja presen�a na mostra havia sido anunciada, enviou como representante a secret�ria do Audiovisual, Joelma Gonzaga, e tamb�m um v�deo prestando homenagem a Tony Tornado. A ministra n�o foi a Ouro Preto porque viajou para Porto Alegre para participar de reuni�o itinerante do Comit� de Patroc�nios do Governo Federal. 

18ª MOSTRA DE CINEMA DE OURO PRETO

At� segunda-feira (26/6), em Ouro Preto. Programa��o gratuita, dispon�vel no site cineop.com.br 
 
* O rep�rter viajou a convite da organiza��o do CineOP