Zé Celso

Z� Celso estava internado na unidade de terapia intensiva do Hospital das Cl�nicas

AFP / CARL DE SOUZA
Maior nome da dramaturgia nacional e criador da linguagem tropicalista no teatro, Jos� Celso Mart�nez Corr�a, o Z� Celso, que encenou a folia, a orgia e a anarquia no Teatro Oficina, morreu nesta quinta-feira (6/7), aos 86 anos, em S�o Paulo.
 
Ele estava internado na unidade de terapia intensiva do Hospital das Cl�nicas depois de ter tido 53% de seu corpo queimado em um inc�ndio causado por um aquecedor el�trico que consumiu seu apartamento, no Para�so, bairro da zona sul paulistana, durante a madrugada de ter�a-feira (4/7).
 
Nos anos 1960, Z� Celso escolheu a anarquia oswaldiana para desafiar a repress�o da ditadura militar. O artista participou do grupo fundador do Teatro Oficina  tamb�m formado por Renato Borghi, Fauzi Arap, Etty Fraser, Amir Haddad e Ronaldo Daniel, que se tornaria s�mbolo do teatro brasileiro.
 
Dez anos mais tarde, a companhia montou "O Rei da Vela", cl�ssico inspirado no livro de mesmo nome escrito em 1933 por Oswald de Andrade, que satirizou a pol�tica e o comportamento subserviente do pa�s em rela��o ao mundo desenvolvido.
 
 
Sob a dire��o de Z� Celso, os atores Othon Bastos, Etty Fraser e Dina Staf ironizaram os filmes da Atl�ntida, as com�dias de costume e o tom empolado das �peras. Em "O Rei da Vela", Abelardo, um agiota, enriquece endividando os outros e acaba trapaceado por um sujeito ainda mais sem car�ter.
 
Z� Celso consolidava ent�o os alicerces do Oficina, indo ao centro da linguagem dramat�rgica. Pensador do teatro, ele resgatava o conceito da antropofagia modernista. Mastigava e deglutia a cultura estrangeira, servindo ao p�blico um banquete tropicalista. Assim, rompia com o estilo europeizado do Teatro Brasileiro de Com�dia, o TBC, atribuindo sentido � arte teatral brasileira da segunda metade do s�culo 20.
 
Assim, Z� Celso substituiu o bom gosto pela verdade. Profundo conhecedor do m�todo do russo Constantin Stanislavski, operou uma mudan�a determinante na atua��o brasileira. As pe�as n�o seriam compostas por uma sucess�o de falas justapostas, mas por um permanente di�logo entre o elenco e a plateia.
 
Tal mudan�a imp�s um novo significado para o espa�o c�nico. Ao modo de uma �gora, Z� Celso se voltava � ess�ncia do teatro, num jogo entre performance e catarse. J� n�o era mais interessante a representa��o, mas a conviv�ncia em cena de m�ltiplas linguagens.
Em suas pe�as, o diretor buscou desregular o moralismo conservador, com a nudez e a escatologia. A transgress�o era, simbolicamente, uma agress�o � ordem vigente, o que se tornou elemento constitutivo da po�tica do Oficina.
 
 
Regido por Dioniso, deus grego do teatro, ele concebeu a encena��o como um ritual, encontrando o profano dentro do sagrado. Ancorado na contracultura em voga nos anos 1960, almejava o transe em vez do sublime.
 
O segundo ato de "O Rei da Vela", por exemplo, � caracterizado pela liberdade sexual. O diretor adotaria o mesmo estilo de vida, tendo interesse por todas as formas de amor e experimentando o barato criativo das drogas. Ele voltaria a desafiar a ditadura em 1968, quando estreou no Rio de Janeiro "Roda Viva", uma composi��o de Chico Buarque.
 
Com Mar�lia P�ra e Ant�nio Pedro nos pap�is principais, a pe�a criticava a sociedade de consumo no drama de um cantor que decide mudar de nome, manipulado pelos des�gnios da ind�stria cultural. O Ato Institucional nº5, o AI-5, havia acabado de ser promulgado, e a repress�o do regime militar refor�ou a persegui��o e a censura aos artistas.
 
Numa apresenta��o no Teatro Ruth Escobar, em S�o Paulo, vinte integrantes do Comando de Ca�a aos Comunistas, o CCC, invadiram a sala de espet�culos, agrediram os artistas e destru�ram o cen�rio. Depois de uma sess�o em Porto Alegre, "Roda Viva" foi censurada em definitivo.
 
Em 1974, Z� Celso foi preso numa solit�ria e torturado. Sem condi��es de trabalho no Brasil, o artista se exilou em Portugal, onde montou "Galileu Galilei", espet�culo inspirado na teoria do dramaturgo alem�o Bertold Brecht. Em 2010, Z� Celso foi anistiado pelo Estado brasileiro, recebendo tamb�m uma indeniza��o de R$ 570 mil.
 
 
Nascido em Araraquara, no interior de S�o Paulo, Z� Celso estudou para ser advogado na Faculdade de Direito do Largo de S�o Francisco. No Centro Acad�mico 11 de Agosto, integrou o grupo de jovens que formaria o Teatro Oficina em sua fase amadora. Na �poca, escreveu os textos "Vento Forte para Papagaio Subir", de 1958, e "A Incubadeira", de 1959, ambos dirigidos por Amir Haddad.
 
Na virada da d�cada, o grupo se profissionalizou. Em 1963, encenou "Pequenos Burgueses", do russo M�ximo Gorki, com Rosamaria Murtinho e Tarc�sio Meira. Na pe�a, Z� Celso tra�ava um paralelo entre a vida na R�ssia pr�-Revolucion�ria e o Brasil �s v�speras do golpe militar.
 
Dois anos antes, a companhia havia adquirido a sede da rua Jaceguai, no Bixiga, com projeto do arquiteto Joaquim Guedes. A sala de espet�culos j� tinha ent�o uma estrutura pouco usual. Duas arquibancadas se defrontavam, deixando no meio o espa�o vazio onde acontecia a encena��o.
 
O diretor inaugurou o espa�o, montando a pe�a "A Vida Impressa de D�lar", de Clifford Odets. Em 1966, um inc�ndio destruiu o edif�cio do Oficina, que foi reformado em seguida. Em 1991, Lina Bo Bardi radicalizaria a proposta da companhia em um novo projeto arquitet�nico.
 
Com uma estrutura horizontal, a plateia se senta no alto de andaimes de frente para uma parede envidra�ada. O plano aberto se tornou id�neo para os acontecimentos org�sticos do Oficina. Em 2015, o jornal brit�nico The Guardian considerou o pr�dio como o melhor projeto arquitet�nico do mundo.
 
Ao longo do tempo, o Oficina se tornou um centro de estudos da dramaturgia brasileira. No teatro, foram formados atores como Bete Coelho, Leona Cavalli e Esther G�es. Por ali, passaram tamb�m Augusto Boal, Fernanda Montenegro, Marieta Severo e Zez� Motta.
  
Nos anos 1980, Z� Celso se dedicou � pesquisa teatral e ofereceu cursos no Oficina. Em 1991, atuou, ao lado de Raul Cortez, em "As Bodas", cl�ssico do franc�s Jean Genet.
 
No cinema, Z� Celso assinou o roteiro de "Prata Palomares", de 1972, atuou em "Um Homem C�lebre", dois anos depois, e dirigiu o curta-metragem "O Parto", em 1975. No ano de 2015, voltou a atuar, no filme "Ral�", ao lado de Helena Ignez. Seu maior �xito no cinema foi a adapta��o de "O Rei da Vela", que arrematou os pr�mios de melhor montagem e de melhor trilha sonora do Festival de Gramado.
 
Durante quatro d�cadas, o artista brigou na Justi�a com Silvio Santos. O apresentador e dono do SBT, que era propriet�rio do terreno, pretendia construir ali um conjunto residencial de tr�s torres, cada uma com cem metros de altura. J� o artista brigava para que fosse constru�do um parque p�blico no local.
 
Z� Celso deixa o marido, Marcelo Drummond, ator do Oficina, com quem viveu durante 37 anos. Num pr�logo da trag�dia, os dois se casaram, no m�s passado, na sede do teatro. Z� Celso apresentava o seu derradeiro ato, um espet�culo festejado pela classe art�stica, bacantes que comungavam juntos o amor, o humor e um revolucion�rio do teatro brasileiro.