O ator Cillian Murphy como Oppenheimer

Cillian Murphy � Oppenheimer, no longa de tr�s horas de dura��o, que estreia hoje; filme alterna imagens em preto & branco e em cor, de acordo com o per�odo da narrativa

Universal Pictures/Divulga��o

"Agora eu sou a morte, a destruidora de mundos." A frase foi escrita h� 2.500 anos e vem do "Mahabharata", poema �pico da �ndia. Mas ela � associada nos dias de hoje a um evento mais recente da hist�ria do mundo, t�o destrutivo quanto o seu enunciado: a bomba at�mica. Em especial a seu criador, o f�sico J. Robert Oppenheimer, que recitou o trecho quando viu a arma em a��o pela primeira vez, em julho de 1945.

A frase volta a aparecer agora, dita pelo cientista no original em s�nscrito, mas pelas caixas de som dos cinemas. "Oppenheimer", que estreia nesta quinta-feira (20/7), reconta a vida do f�sico e de seu maior legado, com a megalomania de direito. Mas o �pico de tr�s horas de dura��o � um dos filmes mais intimistas da carreira de seu diretor, Christopher Nolan.

A escala do projeto da bomba incentivou o cineasta a querer levar a hist�ria para as telonas. "Queria que o p�blico tivesse no��o do tamanho da opera��o", diz Nolan. "Quase tudo � contado do ponto de vista de Oppenheimer e, a partir dessas sequ�ncias, vemos a largura e a complexidade do que ele teve que lidar."
 
A vida do criador da bomba at�mica � t�o interessante quanto a de sua criatura. Nascido em uma fam�lia abastada e sempre afundado nos livros, Oppenheimer foi da gera��o de cientistas que popularizou a f�sica te�rica nas universidades. Ele n�o venceu o Nobel, mas Oppie, como era conhecido, ajudou em in�meras descobertas que receberam o pr�mio.

Projeto Manhattan

Mas seu brilhantismo foi apagado pelo horror da era at�mica, iniciada na Segunda Guerra Mundial. Com os nazistas empenhados em criar uma bomba mais poderosa, que ajudasse a vencer o conflito, Oppenheimer aceitou liderar mais de 600 mil americanos em a��o similar, no que ficou conhecido como o Projeto Manhattan.

A armamentiza��o da pesquisa e o talento de gerenciamento do f�sico ajudaram os aliados a vencer a guerra. Mas a vida de Oppenheimer ficou definida pelo paradoxo: ao tentar impedir o avan�o da guerra, ele a alimentou com a arma definitiva.

O f�sico passou o resto da vida lutando para desfazer esse mal, pedindo por uma coopera��o global na �rea. O governo americano tinha outros planos, por�m, e o puniu em uma extensa investiga��o que, pela persegui��o aos comunistas, desfez seu capital pol�tico.

Essa trajet�ria � refeita no filme "Oppenheimer". Para Nolan, ela serve como um teste de Rorschach ao p�blico. "A hist�ria n�o � apenas pol�tica, mas convida a uma s�rie de interpreta��es pol�ticas", diz. "Ela tamb�m n�o d� respostas, e eu gosto dessa ambiguidade."
 
Os cientistas Albert Einstein e J. Robert Oppenheimer

Os cientistas Albert Einstein e J. Robert Oppenheimer

Wikimedia Commons/reprodu��o
 

O longa sobra em material did�tico. A produ��o tem por base a biografia hom�nima escrita por Kai Bird e Martin J. Sherwin, lan�ada em 2005 e conclu�da ap�s 25 anos de pesquisa. Mesmo depois de todo esse tempo debulhando a vida de Oppenheimer, por�m, os dois autores n�o sabiam resumir a sua pessoa.

No pref�cio, Bird e Sherwin comparam o cientista a duas figuras emblem�ticas. Uma � Prometeu, o tit� grego que roubou o fogo dos deuses e entregou aos homens. O outro � Fausto, cl�ssico alem�o do homem que fez um acordo com o diabo.

O filme de Christopher Nolan cita o mito grego, mas o diretor afirma que � essa conflu�ncia de imagens que torna a hist�ria mais atraente. Ao mesmo tempo, diz ele, essa mistura complicou o trabalho de adaptar o livro para o cinema.

"Ele parece escrito de maneira direta mas, quando comecei a escrever o roteiro, percebi que a constru��o era mais complicada", declara o cineasta em conversa com jornalistas. "Os temas est�o ligados � vida de Oppenheimer, e isso d� a sensa��o de uma hist�ria contada de forma cronol�gica."

Fiss�o e fus�o

O diretor, ent�o, resolveu refazer isso nas telas. O longa se divide em duas �pocas distintas, narradas ao mesmo tempo e que se ligam no fim. Elas foram batizadas de fiss�o e fus�o, processos at�micos relacionados ao funcionamento da bomba.

Dessa maneira, um quadro maior da hist�ria � retratado. Enquanto a primeira se��o, "fiss�o", acompanha Oppenheimer at� o primeiro teste da arma nuclear, em 1945, a segunda, "fus�o", mostra a persegui��o pol�tica ao cientista nos anos 1950. O espectador v� o f�sico, assim, tanto como Prometeu quanto o Fausto da era nuclear.

Nolan quis, tamb�m, facilitar ao m�ximo a narrativa. Na d�cada de 1950, por exemplo, filma-se s� em preto e branco a situa��o, que tem como protagonista Lewis Strauss, pol�tico que acompanhou de perto o ass�dio governamental a Oppenheimer.

O passado da guerra, enquanto isso, se v� em cores, a� sim com o cientista ao centro. O roteiro dessas cenas � escrito em primeira pessoa, uma abordagem nada ortodoxa. Para o diretor, foi a forma de criar diferentes perspectivas sobre um mesmo personagem.

Cillian Murphy, que vive Oppenheimer no filme, diz que essa manobra o ajudou a ver melhor o papel que o cineasta queria que desempenhasse. "Ele � uma figura desconhecida, e n�o � o protagonista tradicional", afirma o ator. "Ele n�o segue um arco dram�tico que voc� v� nessas hist�rias, e para mim isso foi a parte mais deliciosa."

Emily Blunt pensa parecido. A atriz faz Katherine Oppenheimer, a esposa do f�sico, e diz que o roteiro trata o protagonista como enigma, mas se interessa mesmo pelas consequ�ncias de seus atos.

"O filme � todo sobre o trauma de viver com aquela mente e o impacto daquelas a��es", afirma. "De algum jeito n�s estamos na posi��o dele e ficamos traumatizados com o que testemunhamos."
 
 

Guerra da Ucr�nia

"Oppenheimer" estreia em um momento oportuno. Apesar de contar hist�rias de pelo menos sete d�cadas atr�s, o filme parece cronometrado com as tens�es geopol�ticas atuais. Em especial a Guerra da Ucr�nia, que reavivou a preocupa��o do uso da bomba at�mica.

Para definir essa sintonia entre a produ��o e o notici�rio, Robert Downey Jr. e Matt Damon, integrantes do elenco do filme, citam a hist�ria de D�mocles. A anedota grega conta de um cortes�o, D�mocles, que vira rei por um dia. Para seu desespero, ele descobre que uma espada pende sobre sua cabe�a pelo tempo que governar, e nada pode fazer sobre isso.

"Nolan e eu temos a mesma idade, e parte da nossa adolesc�ncia envolveu o medo da bomba", diz Damon, que faz o general supervisor do Projeto Manhattan. "Com o fim da Guerra Fria, isso sumiu da nossa consci�ncia, porque � grande demais para considerarmos. N�

Para Downey Jr., que vive Lewis Strauss no filme, tudo � m�rito do realizador. "N�s j� viv�amos nessa situa��o parecida com a de D�mocles e, quando come�amos a filmar, o mundo come�ou a tornar a hist�ria atual. Chris [Nolan] n�o tinha como saber isso, mas isso acontece quando um artista vai ao passado para refletir sobre o presente de maneira significativa."

O tempo � a ess�ncia do filme e da hist�ria. Robert Oppenheimer morreu h� 56 anos, em fevereiro de 1967. Mas a bomba at�mica, inventada 78 anos atr�s, continua a atormentar a humanidade. O mundo j� n�o � o mesmo h� muito tempo. 
 

Sem Hiroshima e Nagasaki

O diretor Christopher Nolan explicou por que a destrui��o de Hiroshima e Nagasaki pela bomba at�mica n�o aparece em “Oppenheimer”, num debate sobre seu filme, em Nova York, no �ltimo fim de semana.
 
Nolan disse que a exclus�o de cenas documentais do ataque ao Jap�o n�o teve a inten��o de suavizar o tema do filme, mas se deve ao fato de que a hist�ria � contada pela perspectiva do f�sico que liderou o Projeto Manhattan para o desenvolvimento da bomba at�mica. “N�s sabemos muito mais do que ele soube na �poca. Ele se inteirou dos bombardeios a Hiroshima e Nagasaki pelo r�dio, assim como o resto do mundo”, afirmou.  

“OPPENHEIMER”

(EUA, 2023, 180 min.) Dire��o: Christopher Nolan. Com Cillian Murphy, Robert Downey Jr. e Emily Blunt. Classifica��o: 16 anos. Estreia nesta quinta (20/7) em salas dos complexos Cineart, Cinemark, Cin�polis, Cinesercla, no Centro Cultural Unimed-BH Minas T�nis Clube e UNA Cine Belas Artes.

Capa do livro Oppenheimer

Intr�nseca/reprodu��o

“OPPENHEIMER: O TRIUNFO E A TRAG�DIA DO PROMETEU AMERICANO”

. Livro de Kai Bird e Martin J. Sherwin
. Tradu��o George Schlesinger
. Editora Intr�nseca (640 p�gs.)
. R$ 99,90; R$ 69,90 (ebook) 

*O jornalista viajou a Nova York a convite da Universal Pictures