Concei��o Evaristo apresenta a poesia de J�lia Elisa
"Terra sob as unhas", primeira publica��o da autora mineira, ser� lan�ado neste s�bado (2/9). Em seus versos, ela fala de liberdade, indigna��o e paix�o
J�lia Elisa lan�a "Terra sob as unhas" no espa�o Mandak Nega, no bairro Santa Efig�nia
Jos� Cury/divulga��o
'Tudo aquilo que me faz de alguma forma sentir que estou viva no mundo, acabo metabolizando atrav�s da poesia'
J�lia Elisa, escritora
“Para se ler J�lia Elisa, � preciso cautela no ato, assuntar cada linha, catar cada verso.” Assim Concei��o Evaristo define o livro de estreia da poeta mineira. A linguista e escritora foi convidada a escrever o pref�cio da obra e, nela, afirma: “A criadora, em sua ‘inventan�a’ po�tica, vasculha gente, bichos, natureza e outras cria��es po�ticas tamb�m”.
Em “Terra sob as unhas” (Impress�es de Minas), que ser� lan�ado neste s�bado (2/9), J�lia Elisa explora a l�ngua portuguesa em poesias que transitam em diversos campos. A escritora versa sobre a reivindica��o da liberdade da linguagem, a indigna��o sobre as estruturas coloniais que reverberam em pr�ticas cotidianas de racismo, as paix�es e o encanto com o cotidiano.
“Tudo aquilo que me faz de alguma forma sentir que estou viva no mundo, acabo metabolizando atrav�s da poesia. Quando a gente publica um livro, ele deixa de ser nosso, ele � entregue �s pessoas”, diz J�lia.
Com 41 poemas, o livro � dividido em tr�s partes, que formam um percurso para o leitor – as se��es s�o classificadas de acordo com os tipos de solo: arenosa, argilosa e terra preta. Em “Arenosa”, os textos s�o mais cortantes, falam sobre temas que machucam. “Argilosa” apresenta os temas mais sinuosos e escorregadios. Por fim, “Terra preta”, a mais f�rtil de todas, cont�m poesias que falam sobre o amor e o desejo.
Inspira��o no banho
A autora conta que o t�tulo veio durante o banho, depois de mexer com as plantas de casa. “Meus dedos estavam sujos de terra, aquilo n�o sa�a de jeito nenhum, e isso me lembrou aquela express�o que diz que ‘fulano tem terra debaixo da unha’”. O termo quer dizer que a pessoa tem as m�os f�rteis, explica J�lia. “Espero que esse trabalho seja um solo f�rtil n�o s� para mim como para as outras pessoas”.
Mestre em comunica��o social pela UFMG, J�lia Elisa transita por diversas linguagens art�sticas, � escritora, poeta, realizadora audiovisual e performer. Ela conta que o gesto de escrever vem desde crian�a e, por isso, tem arquivo extenso de trabalhos.
“Escrever faz parte de mim desde a inf�ncia, n�o � algo que eu um dia pensei: 'bom vou ser escritora'… Faz parte do meu cotidiano, da minha vida”, diz
“Lembro que a primeira vez que me reuni com o conselho editorial, eles riram de mim porque apresentei um livro com quase 200 p�ginas. Era muita poesia! Acho que tinha medo de morrer, queria entregar tudo de uma vez”, brinca a escritora, que completou 30 anos de idade ontem.
No livro, ela apresenta trabalhos escritos nos �ltimos cinco anos. J�lia Elisa conta que fez uma sele��o para que os textos n�o fossem s� um gesto confessional, mas algo a ser lido e sentido por outro algu�m. Muitos textos ficaram de fora e, por isso, a autora j� considera transform�-los em uma segunda publica��o.
Nas palavras da autora, “quando a gente faz um livro, estamos cientes de que estamos elaborando um material de mem�ria. � algo que dura muito mais do que a gente inclusive, porque toma uma vida pr�pria”.
'Ter reivindicado outra forma de escrita que n�o fosse a acad�mica foi uma forma de ressignificar essa trajet�ria de modo que ela fizesse sentido para mim, sem que eu sucumbisse ao que me foi imposto. Escrevo poesia, porque acho a linguagem colonizadora insuficiente, ela � um trauma, um enclausuramento'
J�lia Elisa, escritora
D�diva ancestral
J�lia define o fato de ter pref�cio escrito por Concei��o Evaristo, logo em sua primeira publica��o, como “d�diva ancestral”. O caminho das duas se cruzou quando, depois de realizar oficinas de escrita para mulheres negras baseadas no conceito da “escreviv�ncia”, J�lia foi convidada a prestar homenagem a Concei��o durante o Pr�mio Minas Gerais de Literatura de 2018.
Depois disso, elas se esbarraram mais vezes em outros eventos. J�lia Elisa foi convidada pela pr�pria Concei��o para participar de um document�rio do canal Curta! sobre a literatura brasileira. Na obra audiovisual, a jovem representa uma esp�cie de continuidade do trabalho da mineira, uma das maiores escritoras do pa�s.
Quando tinha o rascunho de “Terra sob as unhas” em m�os, J�lia n�o pensou duas vezes antes de entreg�-lo para Concei��o, que devolveu com o pref�cio pronto. “Minha poesia me levou at� Concei��o Evaristo e a generosidade dela estar� sempre marcada na minha vida. Ela me acolheu com ternura e coragem, olhou nos meus olhos e disse: 'Se acostuma, porque este � o seu caminho'”.
Para a poeta, a publica��o do livro � uma forma de ressignificar o percurso acad�mico realizado por ela. J�lia Elisa ingressou na UFMG em 2011, antes da obrigatoriedade das cotas.
Foi um per�odo dif�cil para J�lia, que nunca teve um professor negro e tamb�m n�o estudou autores negros no curso de ci�ncias sociais. “Entrei no curso por uma incompreens�o de mundo enquanto jovem negra, mas ali continuei sem me reconhecer”, afirma.
Linguagem colonizadora
“Ter reivindicado outra forma de escrita que n�o fosse a acad�mica foi uma forma de ressignificar essa trajet�ria de modo que ela fizesse sentido para mim, sem que eu sucumbisse ao que me foi imposto. Escrevo poesia, porque acho a linguagem colonizadora insuficiente, ela � um trauma, um enclausuramento. A estrutura � que precisa se adaptar e n�o eu”, diz a jovem escritora.
O lan�amento de “Terra sob as unhas”, amanh�, ocorrer� a partir das 10h30, no quintal Mandak Nega, no bairro Santa Efig�nia. O evento contar� com a participa��o de N�vea Sabino, Renata Paz, Luiza da Lola e S�rgio Perer�, que ir�o compartilhar manifesta��es art�sticas durante o evento.
“TERRA SOB AS UNHAS”
• De J�lia Elisa
• Impress�es de Minas /Ouvido Falante
• 94 p�ginas
• R$ 57 (R$ 40, em pr�-venda)
• Lan�amento neste s�bado (2/9), a partir das 10h30, no Mandak Nega (Rua Lignito, 222 A, Santa Efig�nia). Participa��o de Jazz Orimau�, Luiza da Iola, N�vea Sabino, Renata Paz e S�rgio Perer�
* Estagi�ria sob supervis�o da subeditora Tet� Monteiro
*Para comentar, fa�a seu login ou assine