O ator Jaime Vadell faz o papel de Pinochet, o ditador vampiro de "O conde"
Netflix/divulga��o
Augusto Pinochet, um filme de terror? N�o � m� ideia. O general Pinochet instituiu, afinal, o terror que inundou o Chile de sangue por mais de 15 anos.
Imagin�-lo como um conde em “O conde”, isto �, o conde Dr�cula, tem uma parte de humor e outra de alegoria. Fiquemos com a segunda, pois existe a� uma quest�o de oportunidade evidente: um vampiro tem como caracter�stica central o fato de n�o morrer inteiramente, embora esteja morto. Isso parece acontecer com as ditaduras.
Extrema direita em a��o
Pinochet est� morto desde 2006, mas a extrema direita que representa, n�o. Est� bem viva, e n�o apenas no Chile. Com isso, o filme se mostra atento a movimentos presentes hoje, tamb�m, na Argentina, onde est� bem desperto, e no Brasil, agora em hiberna��o.
A postura de Pablo Larra�n, diretor de “O conde”, � bem conhecida ao menos desde o seu euf�rico “No” (2012), em que representava a campanha publicit�ria para levar a maioria dos chilenos a dizer n�o ao governo do ditador. � claramente contra o autoritarismo. No entanto, estamos em um filme soturno.
O que teria mudado em pouco mais de 10 anos? As imagens dizem tudo. Estamos, para come�ar, no reino do branco e preto – branco e preto � maneira contempor�nea, isto �, que substitui a antiga oposi��o de claro e escuro, de luz e sombra, por grada��es n�o muito acentuadas de cinza –, onde todos os vampiros s�o pardos, quer dizer, cinzentos.
E onde a capa tradicional de Pinochet serve n�o s� como ostenta��o de poder, mas para ele sair voando em busca de mais sangue dos chilenos.
Antes de ser o ditador que conhecemos, o vampiro Pinochet veio ao mundo como o cruel soldado Pinoche, das tropas do rei Lu�s 16. Por sinal, ele trair� a monarquia quando vem a Revolu��o Francesa: junta-se aos republicanos para melhor apreciar todos os dias o espet�culo da decapita��o dos nobres.
Macabro para n�s, mas alegre para ele. De galho em galho ele chegar� ao Chile para o destino que conhecemos.
No filme, o hoje vampiro habita uma ilha deserta, razoavelmente sinistra, em que sua casa � cercada de t�mulos. Tem como companhia a mulher, Lucia, e Fyodor, o sintom�tico mordomo, que fugiu da R�ssia quando os bolcheviques chegaram ao poder.
Fyodor foi para o Chile e, durante a ditadura, dirigia Villa Grimaldi. Antes que algu�m tenha a ideia de batizar um edif�cio cafona com esse nome lustroso, conv�m lembrar que isso era um campo de tortura e exterm�nio de oponentes do regime Pinochet.
Atriz Paula Luchsinger vive a freira exorcista Carmen
Netflix/divulga��o
Quem se op�e ao vampiro ditador � a Igreja Cat�lica, que providencia uma freira exorcista para expulsar o dem�nio do corpo de Pinochet.
Chama-se Carmen a freira que se instala na assustadora resid�ncia. Sua presen�a ser� marcada pela ambiguidade, como se Larra�n se perguntasse onde encaixar os crist�os nessa hist�ria. A Carmen, ali�s, deve-se a provocante cena de bal� a�reo, em que sua veste branca contrasta com o cinza do exterior noite. Um dos melhores momentos do filme.
A fortuna do general
O tom geralmente ir�nico desse exerc�cio de horror tem um qu� passadista, quase uma obsess�o pela figura do ex-ditador, e n�o raro amea�a se afundar no passado. Sai disso, em parte, quando entram em cena os filhos de Pinochet em busca de seu quinh�o na fortuna que o pai acumulou nos anos de poder.
Para chegarem at� l�, eles vivem outra bela cena: a travessia num barco conduzido por Fyodor de um enorme lago. Ou bra�o de mar. O objetivo aqui �, claramente, deixar evidentes os pecados derivados da gan�ncia, mas ao mesmo tempo instaurar um certo drama shakespeareano, de brigas familiares e etc.
Temos at� a� um exerc�cio de filme pol�tico cujo interesse deriva de circunst�ncias pol�ticas contempor�neas – n�o s� latino-americanas –, mas cujo desenvolvimento n�o exclui certa platitude.
Larra�n consegue efetivamente despertar o espectador um tanto enfastiado com a par�dia aleg�rica que desenvolve quando decide expandir os limites do vampirismo e buscar a ascend�ncia de Pinoche e Pinochet. Conversa vai, conversa vem, entra em cena uma vampiresca Margaret Thatcher, a nos lembrar das ajudas do ditador em favor da Inglaterra e contra a Argentina, durante a Guerra das Malvinas.
� um ponto em que a constru��o do filme produz uma reviravolta fascinante. A partir daqui, cuidado com os spoilers.
Em alguns segundos somos transportados do passado ao presente. J� n�o estamos �s voltas com as velhas ditaduras do s�culo passado, nem com vampiros sedentos de sangue, mas com as for�as pol�ticas que hoje se insinuam com vigor – e de que o Brasil, diga-se, deu uma demonstra��o mais que contundente h� muito pouco tempo. � a conjun��o entre o liberalismo pol�tico e a ditadura militar.
Ao introduzir a vibra��o da atualidade, Pabblo Larra�n parece por fim conciliar os fantasmas que atormentaram a esquerda e assim a questionaram em um passado razoavelmente recente, para chegar a um filme enfim plenamente pol�tico.
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