Cena do filme Som da liberdade com crianças e o ator Jim Caviezel

'Som da Liberdade' lidera bilheterias no Brasil, mas produtora distribui gratuitamente ingressos no pa�s

Angel Studios/divulga��o

“Som da liberdade” � um filme “de tema” que se abre como filme de terror. O assunto � de virar o est�mago: tr�fico e escraviza��o de crian�as para fins sexuais. Deveria ser tratado com luvas de pelica.

Em vez disso, a op��o foi pesar a m�o: os lugares onde as a��es acontecem s�o infectos – na Am�rica Central, de prefer�ncia –, assim como os sequestradores, seus carros, vestimentas, tudo. Para n�o falar dos ped�filos propriamente ditos. Som da liberdade, OK. Mas sem esperan�a.

Terminada essa fase, entramos numa esp�cie de filme de aventura, j� que Tim Ballard, papel do ator Jim Caviezel, policial americano tocado pelas palavras de um colega, decide que seu papel, mais do que prender traficantes, � tamb�m resgatar as crian�as traficadas. 

A tarefa n�o � f�cil, j� que se trata de encontrar, para come�o de conversa, os dois filhos de um jovem hondurenho.

O governo dos EUA at� lhe d� uns dias de licen�a para seguir aos lugares s�rdidos, a come�ar por Tijuana, no M�xico, em que vigora um submundo repulsivo.

� ali, se n�o me perco, que num antro vive Vampiro, ex-integrante de cartel de drogas colombiano que, em dado momento, resolve acreditar que Deus existe, e at� falou com ele. Desde ent�o passou a usar sua fortuna para resgatar crian�as nessa situa��o.

Iniciativa privada em a��o

Logo os EUA tiram a sustenta��o de Tim (ele � pago para ser policial no pa�s, afinal, n�o mundo afora), o que o leva a apelar a alguma boa alma da iniciativa privada para prosseguir em sua busca. Pelo que se pode ler aqui e ali, na vida real, o policial que inspirou o filme abriu uma ONG.
 
 

No filme, Tim e Vampiro v�o se entregar a todos os perigos previs�veis nesse tipo de situa��o, o que resulta num filme de aventura que poderia ser padr�o, n�o fosse o h�bito de Tim de verter uma furtiva l�grima cada vez que se depara com uma situa��o que deveria comover a n�s, espectadores, e n�o a ele. Mas o que se espera � que ele se comovendo possa, com a ajuda de um fundo musical horr�vel, nos comover tamb�m.

E assim vamos, at� o p�s-filme, quando o ator Jim Caviezel irrompe na tela sobre imagens em preto e branco de a��es policiais, supostamente contra traficantes de crian�as, para lembrar que esse tipo de criminalidade est� disseminado no mundo inteiro e que � preciso da ajuda de todos para dar um fim a esses crimes.
 

O que h� de efetivamente intrigante em “Som da liberdade” � a afirma��o de que o tr�fico de crian�as roubadas movimenta uma fortuna anual e envolve uma quantidade milion�ria de v�timas. 

O que faz o apelo de Caviezel soar um pouco pat�tico: tudo o que o filme mostra n�o passa de, como se diz, enxugar gelo. Com a ajuda da internet, a pedofilia venceu.

O problema deste filme n�o � ser de extrema direita ou n�o (claro que �: Mel Gibson � creditado como produtor-executivo). 

A representa��o dos rebeldes colombianos n�o � das mais simp�ticas, mas isso � quase um detalhe quase irrelevante. Integra-se � vis�o quase sempre repugnante da “ra�a latina”, para usar a terminologia neorracista anglo-sax�.

O problema � investir em um filme de assunto t�o delicado para, de modo clandestino, introduzir o tema de uma humanidade t�o s�rdida que s� pode livrar-se de seus pecados pela obra de um di�logo com Deus.

� poss�vel fazer um filme sobre tr�fico e escraviza��o de pessoas e mostrar o quanto isso � s�rdido sem obrigar seus espectadores a partilhar dessa sordidez (vide “Terra prometida”, de Amos Gitai, por exemplo).

Como ficou, o filme “Som da liberdade”, al�m de ineficaz, prop�e-se basicamente a um tratamento de choque no in�cio e a uma propaganda no final, destinada a angariar donativos para entidades n�o governamentais, doa��es estas destinadas a nos desculpabilizar por nossos muitos pecados.  

“SOM DA LIBERDADE”

EUA, 2023. Dire��o de Alejandro G�mez Monteverde. Com Jim Caviezel, Eduardo Ver�stegui e Leo Severino. Em cartaz nas salas das redes Cinemark, Cineart, 
Cin�polis e Cinesercla.
 
Ator Jim Caviezel

O ator Jim Caviezel, protagonista de 'Som da liberdade', � ligado ao movimento direitista QAnon, que espalha teorias conspirat�rias pelo mundo

Angel Studios/divulga��o

Ingresso de gra�a e teoria da conspira��o

 
Da reda��o
 
Sucesso nos EUA, onde arrecadou cerca de US$ 200 milh�es, “Som da liberdade” lidera bilheterias no Brasil, assistido por 240 mil pessoas desde 21 de setembro, informa a distribuidora Paris Filmes.
 
Ingressos foram distribu�dos de gra�a no pa�s por meio da Angel Studios. Ao acessar o site da produtora americana, o internauta � direcionado para uma p�gina onde pode retirar at� oito bilhetes gratuitos por sess�o.

Nos EUA, o longa � associado a teorias conspirat�rias do grupo de extrema direita QAnon. De acordo com ele, movimento internacional de ativistas ped�filos e canibais ligados � esquerda pol�tica � respons�vel por uma rede de tr�fico infantil para explora��o sexual.

O policial Tim Ballard e o ator que o interpreta no filme, Jim Caviezel, j� defenderam as ideias do QAnon. Ballard � pr�ximo do ex-presidente Donald Trump. O diretor Alejandro Monteverde nega essa vincula��o, dizendo que a ideia do filme � de 2015 e o QAnon atua desde 2017.