Cena de Som da Liberdade em que ator que interpreta investigador encontra criança

"Som da Liberdade" liderou a bilheteria nos cinemas brasileiros na �ltima semana

Angel Studios

Um movimento incomum tem sido notado nos cinemas brasileiros desde a estreia do filme Som da Liberdade: milhares de ingressos para o longa-metragem foram distribu�dos gratuitamente por diferentes meios.

Entidades ligadas a igrejas evang�licas e policiais, a produtora Brasil Paralelo e a produtora americana respons�vel pelo filme, a Angel Studios, t�m dado entradas para assistir ao longa.

Grupos que se autodefinem como conservadores, como os ligados a bolsonaristas, t�m incentivado o p�blico a ir �s salas de cinema para assistir � produ��o, que estreou em 21 de setembro.

A divulga��o massiva por esses grupos e a distribui��o gratuita de bilhetes contribu�ram para que o filme fosse o mais assistido em sua primeira semana de exibi��o no Brasil, com mais de 240 mil espectadores, segundo dados da Comscore.

O segundo filme mais visto na mesma semana, A Freira 2, teve 214 mil espectadores, em sua terceira semana de exibi��o. Lan�ado na mesma semana que Som da Liberdade, Mercen�rios 4 ficou em terceiro com 138 mil ingressos vendidos.

Som da Liberdade � baseado em relatos reais de Tim Ballard, ex-agente especial de Seguran�a Nacional nos Estados Unidos, que liderou o grupo “Operation Underground Railroad”, cuja miss�o era resgatar crian�as de uma rede de explora��o sexual.

Nos Estados Unidos, o filme recebeu apoio de divulga��o do ex-presidente Donald Trump e do bilion�rio Elon Musk, dono da Tesla.

O filme � cercado por pol�micas, como cr�ticas de que abre brechas para teorias conspirat�rias, o que tanto sua produtora quanto Ballard negam (leia mais abaixo).

No Brasil, religiosos evang�licos e parlamentares bolsonaristas t�m defendido a tese de que o longa mostraria algo que a m�dia supostamente quer esconder.

O lan�amento no Brasil


O ator Jim Caviezel

O ator Jim Caviezel interpreta o protagonista em filme, que foi gravado em 2018

Angel Studios

O movimento de divulga��o do filme em grupos, principalmente os que se autointitulam conservadores, chamou a aten��o nas redes.

Uma publica��o compartilhada no Twitter na sexta-feira (22/9), ap�s o lan�amento, mostra um grupo de evang�licos entoando um canto religioso em um shopping no interior de S�o Paulo enquanto caminhava em dire��o ao cinema para assistir ao filme.

“A igreja se uniu e fechou a sala toda", diz o respons�vel pela publica��o � BBC News Brasil.

Em uma pr�-estreia em um cinema de Bras�lia, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e o deputado federal M�rio Frias (PL-SP), ambos ex-ministros de Jair Bolsonaro (PL), discursaram a favor do filme.

Na plateia, estavam dois filhos do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Fl�vio Bolsonaro (PL-RJ).

“N�o � coincid�ncia que este filme est� em cartaz neste momento. Deus ouviu o clamor das crian�as”, disse Damares durante a sess�o de cinema.

“N�s somos a resist�ncia, as crian�as est�o pedindo socorro.”

J� o deputado M�rio Frias afirmou que o longa-metragem � algo que “a grande m�dia n�o quer falar a respeito”.

A pesquisadora Magali Cunha, que estuda religi�o e pol�tica, afirma que h� bastante repercuss�o sobre o filme nas redes sociais por causa das a��es de l�deres pol�ticos e religiosos com “identidade crist� afinada com a ideologia da extrema-direita”.

“Portais de not�cias gospel que t�m a mesma linha ideol�gica tamb�m repercutiram bastante. Todos enfatizam n�o s� a import�ncia de assistir ao filme mas tamb�m a conspira��o em torno dele”, afirma Cunha, que � pesquisadora do Instituto de Estudos da Religi�o (ISER).

“Eles produzem a ideia de que m�dias de not�cia e esquerdas pol�ticas trabalham contra o filme para que ningu�m assista, o que � estrat�gia para gerar curiosidade no p�blico e indigna��o, especialmente nas pessoas alinhadas com as lideran�as que propagam tais conte�dos.”

Ela aponta que o combate ao tr�fico de crian�as n�o deve ter “lado pol�tico”. A pesquisadora frisa que se trata de uma “quest�o humanit�ria que deve ser abra�ada por pol�ticos, religiosos e qualquer pessoa que defende o direito � vida e � liberdade de ser”.

“Ocorre que a obra foi produzida e financiada por pessoas e organiza��es ligadas � extrema-direita dos Estados Unidos”, afirma Cunha.


Tim Ballard

Tim Ballard foi o respons�vel por inspirar filme lan�ado no Brasil na semana passada

Getty Images

“Esse grupo pol�tico � not�rio por lan�ar m�o de pautas relacionadas � defesa da fam�lia, das crian�as e de jovens para promover p�nico moral e teorias da conspira��o sobre interesses de ‘um sistema’ que envolveria esquerdas pol�ticas, o comunismo, alguns nomes de empres�rios, pol�ticos e religiosos interessados na destrui��o das fam�lias, na deprava��o sexual e na explora��o de crian�as e jovens, inclusive com interesses pol�ticos e financeiros.”

No Brasil, aponta Cunha, a distribui��o do filme teve caracter�sticas semelhantes ao que ocorreu nos Estados Unidos.

“Toda a publicidade do filme nos Estados Unidos foi constru�da com essas bases e a defesa dos her�is relacionados � extrema-direita. Nessa propaganda, esses seriam os �nicos que estariam, de fato, empenhados em colocar um fim nesse mal.”

O movimento de divulga��o do longa � considerado incomum, mas n�o in�dito, diz o cientista pol�tico Vin�cius do Valle, diretor do Observat�rio Evang�lico.

"A Igreja Universal j� usou a Folha Universal e seus pr�prios pastores para divulgar produ��es ligadas a eles", diz Valle, em refer�ncia a filmes produzidos no Brasil, como Os Dez Mandamentos.

"Mas algo que envolva v�rias igrejas, como nesse caso agora, � muito dif�cil de acontecer.”


Cena de filme com as crianças traficadas

Longa-metragem trata sobre o tr�fico de crian�as. Mas forma como o filme aborda o tema tem sido alvo de cr�ticas

Angel Studios

Ingressos gr�tis

Uma das principais formas de distribui��o gratuita dos ingressos para o filme � por meio do site da produtora Angel Studios. Por l�, � poss�vel comprar ingresso ou retirar gratuitamente.

Isso funciona, segundo o site da Angel, por meio de doa��es de pessoas que compram ingressos antecipados para serem distribu�dos gratuitamente.

A Paris Filmes, respons�vel por distribuir o Som da Liberdade no Brasil, disse em nota � BBC News Brasil que n�o tem nenhuma rela��o com os ingressos que est�o sendo doados.

“A Angel Studios, produtora internacional do filme, est� promovendo por aqui a mesma estrat�gia de engajamento que fez no exterior: pessoas que apoiam a mensagem do filme podem comprar ingressos para outras que n�o podem comprar, dando a possibilidade dessas outras pessoas assistirem”, afirmou a produtora.

“N�o temos informa��o de quantos ingressos ser�o distribu�dos dessa forma”, acrescentou a Paris Filmes.

No Brasil, houve outros meios de distribui��o de ingressos.

Na semana passada, por exemplo, um grupo de policiais militares de Santa Catarina foi a um shopping para assistir ao filme, como mostra um v�deo compartilhado em redes sociais.

A Associa��o Nacional dos Servidores da Pol�cia Federal tamb�m anunciou a distribui��o gratuita de 5 mil ingressos para seus associados e familiares. A entidade disse em seu site que tomou a decis�o "considerando a relev�ncia e o impacto global do filme".

A plataforma Brasil Paralelo anunciou que se uniu � Angel Studios e ir� distribuir ingressos do filme para as pessoas que assinarem um plano da empresa.


Cinema lotado

L�deres evang�licos t�m incentivado que fi�is assistam ao filme

Getty Images

"Quem j� � assinante da Brasil Paralelo vai poder participar de sorteios para receber ingressos gratuitos", anunciou.

“Diante dos cancelamentos feitos a produ��es que defendem bons valores, a Brasil Paralelo decidiu ir na contram�o”, disse a Brasil Paralelo ao anunciar a distribui��o de ingressos.

A BBC News Brasil procurou a Brasil Paralelo para comentar sobre a campanha para promover o filme, mas a produtora respondeu apenas com o material de divulga��o de sua parceria com a Angel Studios.

O cientista pol�tico Vin�cius do Valle avalia que a mobiliza��o em torno do Som da Liberdade indica que existe uma demanda reprimida por produ��es culturais religiosas e alinhadas aos valores de grupos que se identificam como conservadores, como aqueles alinhados � direita radical americana.

“E isso exporta a vis�o de mundo dessa direita americana para outros grupos conservadores brasileiros, entre eles os conservadores bolsonaristas”, afirma Valle � BBC News Brasil.

As pol�micas do filme

Gravado em 2018, Som da Liberdade foi financiado por investidores independentes.

Ele tem sido associado por cr�ticos e especialistas ao movimento americano QAnon — que propaga a tese de que pol�ticos como Donald Trump estariam travando uma guerra secreta contra ped�filos adoradores de Satan�s que supostamente ocupariam cargos no alto escal�o do governo dos Estados Unidos, do mundo empresarial e da imprensa no pa�s.

Essas refer�ncias ao QAnon n�o s�o totalmente infundadas, como mostrou uma reportagem da BBC.

A estrela do filme, Jim Caviezel, participou de uma confer�ncia tem�tica QAnon em 2021 e apareceu v�rias vezes no podcast de Steve Bannon, que recentemente disse que o QAnon � “uma coisa boa”.

Como mostrou outra reportagem recente da BBC, a ideia mostrada no filme de que h� uma rede mundial de traficantes sexuais de crian�as � espreita por toda parte � um dos pensamentos centrais do QAnon.

Especialista em QAnon, o escritor Mike Rothschild afirmou � BBC que os grupos antitr�fico j� apontaram que essa teoria da conspira��o atrapalha seus esfor�os em combater esse tipo de crime.

“O filme gira em torno do p�nico infundado de que grandes redes de tr�fico est�o esperando para capturar crian�as americanas”, disse Rothschild.

“O tr�fico � real, mas filmes como este obscurecem a verdadeira quest�o. O filme � comercializado para os crentes do QAnon da mesma forma que o QAnon funciona atrav�s do medo do tr�fico e do apelo � emo��o.”

A produtora do filme nega que esteja alimentando pensamentos conspirat�rios.

“Qualquer pessoa que tenha visto este filme sabe que n�o tem nada a ver com teorias da conspira��o”, disse o presidente do Angel Studios, Jordan Harmon. "� sobre um homem que fez algo corajoso."

J� Tim Ballard, que inspirou o filme, respondeu � Fox News que aqueles que citam teorias da conspira��o ao falar sobre o filme “n�o fazem qualquer liga��o com a hist�ria real”.

“Conta uma hist�ria baseada na verdade… Acho que a esquerda, esses meios de comunica��o, n�o querem ter uma discuss�o que este filme vai gerar”, acrescentou.