
Hoje seria, para muitas fam�lias, um domingo de casa cheia e comida para compartilhar. Mas a pandemia nos coloca em um Dia das M�es de distanciamento. Em vez de abra�ar ou beijar, tr�s chefs homenageiam as m�es trabalhando. Fazem receitas carregadas de influ�ncias destas mulheres que definiram seus caminhos na cozinha. Um conforto para o cora��o.
Para Mariana Gontijo, sua m�e � a maior chef do mundo. Maria Celeste, mais conhecida como Lete, professora de hist�ria e dona de loja de roupas em Moema, no interior de Minas, sempre arrumava tempo para fazer o almo�o da fam�lia. Tudo muito simples e r�pido. “Ela ligava as quatro trempes, colocava banha em quatro panelas e em meia hora o almo�o estava pronto”, relata. O card�pio n�o variava muito – era arroz, feij�o, carne, uma verdura refogada e salada, mas tudo era delicioso.

Quando decide reverenciar a cozinha caipira em seus dois restaurantes, Mariana mostra o valor de cada ensinamento de Lete. Muito (ou quase tudo) do que ela faz aprendeu com a m�e. “Quando entrei na faculdade, n�o vi nada do que a minha m�e fazia de forma t�o preciosa. T�cnica era s� da cozinha internacional.” A chef se refere ao bom e velho “pinga e frita” para preparar o frango caipira, sempre servido com angu e quiabo. Cita tamb�m o jeito de fazer arroz na ro�a: um belo refogado com banha.

A m�e est� sempre presente no Ro�a Grande, seja com as quitandas ou os pratos. Mariana fala com orgulho que conquistou mercado em Belo Horizonte com o p�o de queijo dela, feito com polvilho doce, leite da ro�a e ovo caipira. “Tem tamb�m a couve da Lete. Ela corta as folhas bem fininhas, pinga lim�o e polvilha farinha de mandioca, sem refogar. Vira uma esp�cie de farofinha de couve.” E o feij�o finalizado na raspa do angu? � receita da m�e, assim como molho picante (ela � “pimenteira”, como descreve a filha) de ovo, � base de caldo de feij�o, ovo cozido, pimenta e cheiro-verde.

No card�pio do Tacho, mais influ�ncias. Lete ensinou Mariana a fazer o biscoito montanha do couvert e a rosca caseira, que serve como base para uma entrada com coalhada seca, melado de cana, azeite, flor de sal e pimenta. A sobremesa doce d'ovos tem duas receitas da m�e – a maria gordinha (farofa de queijo com a��car e manteiga) e o lambedor (clara em neve batida com gema, a��car e farinha de mandioca). “O arroz-doce era uma das receitas de que a minha m�e mais gostava. Ela queima o a��car e faz uma esp�cie de caramelo, depois coloca bastante canela (adora especiarias) e raspas de lim�o.”
Mariana n�o tem ido visitar a m�e em Moema (Lete usa marcapasso, portanto faz parte do grupo de risco). Mas ela se sente confortada pelo apoio, mesmo que de longe. “Quando ela v� a nossa ancestralidade representada atrav�s do meu trabalho, tem aquela sensa��o de representatividade. A cozinha que pratico hoje e que defendo como uma bandeira � a cozinha da minha m�e”, pontua.

Ju�ara, m�e do chef Caetano Sobrinho, � bioqu�mica com mestrado em medicina e sempre trabalhou muito. Cozinhar era programa de fim de semana, mas nada profissional. “Normalmente, o prato de s�bado era comida mineira, como canjiquinha com costelinha, frango ao molho pardo e lombo com tropeiro, e ela j� aproveitava para deixar uma comida de forno para o domingo”, relembra. A fam�lia passava o domingo no clube, ent�o era s� chegar em casa e colocar o pirex no forno para gratinar.
O chef teve a oportunidade de homenagear a m�e quando abriu o Ca�, h� dois anos. Claro que n�o poderia faltar a receita de que ele mais gostava, o frango com catupiri da dona Ju�ara, como est� escrito no card�pio, que virou unanimidade entre os clientes. Um projeto para este ano � presentear quem pede o frango com um prato de porcelana desenhado pela pr�pria Ju�ara. “Nem tem receita. � medida que fui conhecendo ingredientes e t�cnicas, consegui reproduzir o prato pela mem�ria de sabor que tinha.”

CATUPIRI Algumas adapta��es foram necess�rias. Enquanto Ju�ara usava tomate comum, Caetano coloca tomate italiano. A m�e cozinhava o frango, o filho prefere assar para deix�-lo mais peda�udo e menos desfiado. Ela usava cogumelo em conserva, ele cozinha com o fresco. “A �nica coisa que mantenho igual � o catupiri. Fa�o quest�o de usar o tradicional, que vem no potinho redondo.” Antigamente, ela servia com arroz e batata palha. Hoje, ele serve com arroz e chips de tub�rculos.
Para criar o card�pio do Ca�, o chef buscou outras mem�rias dos almo�os de fim de semana.
A picanha grelhada com batata tem o molho secreto de or�gano, uma inven��o de Ju�ara. Ainda tem o peixe frito com salada de macarr�o e o camar�o com catupiri, que virou entrada, vai acompanhado de chips de massa de pastel. Doce n�o era o forte da m�e, mas ela tem participa��o na sobremesa mais famosa do restaurante. “Comi queca pela primeira vez por causa da minha m�e. Ela sempre comprava para dar de presente no fim do ano”, conta.
Caetano tem visto a m�e com frequ�ncia neste per�odo de isolamento. “N�o abra�o, n�o beijo, mas deixar de ver n�o consigo.” Neste domingo, eles j� n�o almo�ariam juntos. Caetano nem se lembra do �ltimo Dia das M�es que passou com Ju�ara. � sempre uma data de muito movimento nos restaurantes. Ela entende perfeitamente, s� n�o anima mais a ir para a cozinha.
Uma torta s� dela
Uma torta s� delaSabe aquele ditado “em casa de ferreiro, o espeto � de pau”? Ele ajuda a explicar a situa��o da Elisa Dayrell, da Espetacular Doceria, nos domingos de Dia das M�es. A m�e dela, �ngela, sempre ficava sem sobremesa para a comemora��o em fam�lia. “Todo ano, aparecia de �ltima hora algum cliente e comprava a torta que a minha m�e tinha escolhido”, conta. A chef, ent�o, teve a ideia de criar uma receita especialmente para ela, como forma de se re- dimir.
A assistente social �ngela nunca gostou de cozinhar, essa � a verdade, mas ama comer chocolate. Por isso, ele � o ingrediente principal da Charlotte Angela (o nome ganhou sotaque franc�s). A base � de mousse de chocolate, a mesma do recheio da torta preferida da m�e, a Tr�s Chocolates. No meio, peda�os do chocolate ao leite usado para fazer a casca dos bombons. “A minha m�e tamb�m gosta muito de avel� e suspiro. Ent�o, fiz um merengue, que � um estilo de suspiro mais suave e macio, com sabor de avel�.”
A lateral da torta � de biscoito champanhe artesanal, escolhido para resgatar uma mem�ria afetiva. Quando Elisa aprendeu essa receita na Fran�a, lembrou-se imediatamente da av�, m�e de �ngela, que a fazia para os filhos em casa. “Na �poca dela, biscoito champanhe era muito caro e n�o dava para comprar. A minha av� fazia, tenho a receita dela, de uma forma muito mais artesanal. N�o tinha saco de confeitar, era com colher mesmo”, conta. Para finalizar, macaron de baunilha com caramelo (o sabor preferido da m�e) e brigadeiro. �ngela � do time que gosta de levar um docinho da festa para comer em casa.
Nesta quarentena, Elisa se mudou para o segundo andar da casa dos pais, onde fica isolada. Ela e a m�e se veem todos os dias, mas de longe. Comem no mesmo ambiente, mas em mesas separadas. A forma que a chef encontra de demonstrar amor � n�o se aproximar de �ngela, j� que, pela idade, ela faz parte do grupo de risco. “Sinto muita falta de dar abra�o e beijo”, confessa.
Rosca caseira de leite
Ingredientes
1kg farinha de trigo; 25g de fermento biol�gico; 3 ovos; 250ml de �gua morna; 1 copo lagoinha de a��car; 1/2 copo lagoinha de manteiga; 1 pitada de sal
Modo de fazer
Dissolva o fermento na �gua morna. Acrescente o a��car, os ovos e misture at� ficar homog�neo. Acrescente a manteiga e por �ltimo v� acrescentando a farinha. Sove bastante at� a massa ficar completamente homog�nea. Reparta a massa e fa�a tran�as do tamanho que preferir. Enfarinhe um tabuleiro e acomode as tran�as. Deixe crescer por aproximadamente 40 minutos coberto por um pl�stico ou pano de prato. Pincele com uma mistura de 1 ovo batido e 1 colher de sopa de �gua. Leve ao forno a aproximadamente 200 graus e espere corar bem.