
Confraria � um grupo de pessoas que se re�nem regularmente em torno de um interesse em comum. S�o encontros que envolvem conversas, troca de experi�ncias e aprendizado compartilhado. Ser� poss�vel levar esta experi�ncia para o on-line? Temos exemplos de que isso funciona, sim. Neste per�odo de pandemia, cada participante recebe na sua casa a comida ou bebida que ser� degustada e se conecta com o restante da turma atrav�s da tela do computador.
Carol Machado, cozinheira por voca��o e professora por paix�o, agiu r�pido. “O que mais me deixa feliz � dar aula, ent�o, quando percebi que a pandemia ia durar, me lembrei do que sempre escutei de quem faz aula comigo: fica muito f�cil receber os ingredientes selecionados e porcionados, assim d� prazer de cozinhar.” Ainda no in�cio de abril, ela teve a ideia de entregar para os alunos o que eles n�o gostam de fazer e criou a Confraria Box, um jeito diferente de dar aulas.
Os ingredientes v�o embalados a v�cuo, prontos para ir para a panela. Basta tirar do saquinho e adicionar na receita. Dessa forma, na hora de cozinhar, o participante pula as etapas (nada prazerosas para muitos) de sair para as comprar e fazer mise em place. “A Confraria Box n�o tem nada de extraordin�rio, � uma ideia simples. Apenas tive o feeling de perceber o que o meu cliente queria.”
A cozinheira privilegia receitas f�ceis e de grande impacto, o que sempre fez em casa, quando ainda nem era professora. Formada em com�rcio exterior, Carol trabalhava em multinacional e n�o tinha tempo nem sabia fazer pratos elaborados. “O que achava que era uma fraqueza, n�o ter forma��o em gastronomia, descobri ser o meu ponto forte. Simplifico as receitas e fa�o com que uma pessoa que nunca cozinhou prepare um camar�o � proven�al maravilhoso.” Agora ela come�ou uma sequ�ncia de confrarias com receitas assinadas por chefs famosos, como o aligot de Felipe Rameh.
Para uma empresa com pouca presen�a digital, que tem como valor promover encontros, os n�meros na internet impressionam. Na primeira semana, foram vendidas 120 caixas (o objetivo inicial eram 80 por m�s). Agora os pedidos j� passaram de 300. “Tinha 400 alunos por m�s. Agora consigo dar aulas para 300 fam�lias ao mesmo tempo, o que n�o conseguiria presencialmente.” Pessoas de outros estados tamb�m participam. Tr�s dias antes, recebem a lista de ingredientes e acompanham as aulas.
Nos encontros on-line, n�o existem grupos fechados, todos participam juntos. Outra diferen�a � que, presencialmente, Carol cozinhava e os alunos apenas observavam. Agora todos colocam a m�o na massa, cada um na sua casa, e a fam�lia tamb�m pode participar (as caixas atendem duas ou quatro pessoas). “Acho que por tr�s disso tudo tem o amor. L�gico que eles sentem falta do presencial, mas n�o querem ficar sem a caixa, porque conseguem cozinhar para a fam�lia. Esperam pela quinta para estarem juntos em volta do fog�o”, destaca.
Uma receita e v�rios truques
Na quarentena, muita gente foi para a cozinha e come�ou a pedir socorro para Caroline Mesquita, da Bolos da Caroll, na hora de fazer bolo. A massa murchou, queimou, n�o desenforma. Percebendo todas estas dificuldades, a confeiteira lan�ou da Confraria do Bolo (por enquanto, virtual). “Bolo precisa de t�cnicas de confeitaria muito exatas, n�o � s� pegar receita na internet.”. Mas ela avisa que n�o tem a inten��o de sofisticar o ato de fazer bolo, quer ajudar os participantes a se familiarizar com termos e entender o porqu� de uma receita n�o dar certo.
Uma vez por m�s, a turma (com, no m�ximo, 30 participantes) se re�ne virtualmente para aprender uma receita e v�rios truques. “Muitas pessoas que est�o fazendo bolo em casa querem receitas novas para colocar no seu caderninho”, observa. Todos recebem em casa uma caixa com todos os ingredientes que v�o precisar, j� porcionados, incluindo manteiga para untar a forma. At� as flores, que s�o a marca da confeiteira, fazem parte do kit.
Caroline quer surpreender os participantes com receitas diferentes ou ingredientes raros e pouco conhecidos. Na primeira edi��o da confraria, ela escolheu ensinar o bolo negro, com massa amanteigada de cacau, bicarbonato de s�dio e iogurte. “Bolo de chocolate geralmente fica marrom, mas a soma dos �cidos do bicarbonato e iogurte deixa este bem escuro. Al�m disso, bolo com iogurte e bicarbonato fica mais �mido e mais fofo.”
A pr�xima edi��o, marcado para o dia 16, ser� dedicada ao bolo de lim�o siciliano com sementes de papoula, ingrediente que n�o se encontra em BH. A papoula, al�m da croc�ncia, d� um charme ao bolo, que fica com pontinhos pretos. “Quero aproveitar para apresentar produtos brasileiros que casam bem com bolos, como baunilha do cerrado, que � mais potente que a de Madagascar, e cumaru, extremamente arom�tico”, aponta.

Os encontros duram cerca de uma hora e s�o sempre numa tarde de domingo. Assim, os participantes podem aproveitar para tomar caf� com bolo que acabou de sair do forno. Caroline d� dicas do in�cio ao fim do processo. Desde como higienizar os ovos at� o porqu� de n�o usar farinha com fermento. “O pulo do gato vale mais que a receita. Quando voc� descobre os truques, consegue entender se o processo descrito na receita � correto. Fazer bolo � uma ci�ncia, mas n�o � imposs�vel”, refor�a.
Vinho com conte�do
Reconhecida confraria de mulheres em torno do vinho, a LuLuVinhas havia programado para a quarentena apenas lives com conte�do gratuito. Mas, a pedido das pr�prias participantes, criou um formato on-line para os encontros fechados, que continuam a gerar conhecimento em jantares harmonizados com a bebida. A enoeducadora Vanessa Ferreira, uma das fundadoras, que h� 19 anos estuda vinhos, diz que a presen�a na internet tem ajudado a fortalecer a marca. “As pessoas tinham a impress�o de que eram encontros sociais, mas, quando viram que tem conte�do, a busca aumentou.”
No formato presencial, as mulheres se re�nem mensalmente em um restaurante, onde participam de um jantar harmonizado com cinco vinhos e cinco pratos. O que muda nos encontros virtuais � que o jantar tem tr�s etapas mais uma sobremesa e um �nico r�tulo. “N�o quisemos fracionar o vinho em garrafas pequenas, porque entendemos que ele tem perda significativa dos compostos. Ent�o, mandamos a garrafa inteira, da qual sempre tem muito o que falar”, justifica Vanessa.
Pelo lado do aprendizado, a experi�ncia tamb�m � diferente. Para a confraria on-line, foi lan�ado um produto in�dito, a caixa de aromas, que se tranformou em uma s�rie colecion�vel. S�o 20 aromas, como ervas, frutas vermelhas e pimentas, divididos em quatro encontros seguidos. “O objetivo do vinho � proporcionar prazer, n�o s� pela bebida em si, mas pela mem�ria afetiva. O aroma traz isso e influencia na experi�ncia do gosto.” Vanessa adianta que os pr�ximos encontros ser�o sobre solos e vinhos brancos.
A cada semana, a confraria convida um chef para preparar a comida. Os pratos s�o pensados para harmonizar com o vinho da vez. Para um dos encontros, dedicado a um r�tulo sul-africano, Laura Tom�s, do Parrilla del Mercado, criou um menu com haddock au gratin, fil� parrillero ao molho de vinho com batatas ao roquefort, costeletas de cordeiro com geleia de pimenta e mousse de chocolate belga. Na hora do jantar, basta esquentar a comida no forno ou micro-ondas.

Vanessa destaca como vantagens do on-line a comodidade de viver a experi�ncia em casa e o alcance ampliado. O n�mero saltou de 120 participantes por m�s para 40 por semana (com os maridos, em muitos casos). A confraria, que come�ou h� 12 anos como um grupo de amigas e depois abriu para outras mulheres, avisa que a participa��o dos homens �, sim, bem-vinda. “Existe um interesse masculino latente, eles sempre pedem para participar”, diz a enoeducadora, que j� pensa ter pelo menos uma reuni�o mista. O plano aproxima a marca do projeto de se consolidar como escola, com certifica��o e tudo.
Bacalhau confitado com ervas, am�ndoas laminadas e arroz negro (Confraria da Carol)
Ingredientes
400g de arroz negro; 2 colheres de cebola picadinha; 2 colheres de sopa de manteiga; ½ x�cara de vinho branco; 1 ½ litro de �gua; sal e pimenta do reino a gosto; azeite; 4 postas de bacalhau; sal; pimenta-do-reino em gr�os; 500ml de azeite; 4 dentes de alho inteiros com casca; 4 folhas de s�lvia; 1 ramo de tomilho; 1 ramo de alecrim; 12 tomatinhos cereja ou grape; 50g de am�ndoas laminadas; brotos e flores comest�veis para decorar
Modo de fazer
Para o caldo de legumes, coloque cebola, cenoura e sals�o em uma panela e acrescente 1 ½ litro de �gua. Leve para ferver. Em outra panela, doure a cebola na manteiga e junte o arroz negro. Acrescente o vinho branco e deixe evaporar. Junte o caldo de legumes e cozinhe por cerca de 40 minutos ou at� que fique ao dente e ligeiramente �mido. Se o caldo secar durante o cozimento, acrescente mais �gua. Junte uma colher de manteiga gelada. Para o bacalhau, preaque�a o forno a 160 graus. Coloque o bacalhau em uma travessa pequena, acrescente tomilho, s�lvia, alecrim, gr�os de pimenta-do-reino e os dentes de alho com casca. Junte o azeite e cubra com papel alum�nio. Leve ao forno preaquecido. Depois de 15 minutos, retire do forno e junte os tomatinhos. Cubra novamente e leve de volta ao forno por mais 15 minutos. Sirva as postas de bacalhau sobre o arroz negro e decore com am�ndoas, flores e brotos.