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Estado de Minas FORA DO COMUM

P�tisserie tupiniquim: baiana faz doces franceses com 'tempero' brasileiro

Com sobremesas cheias de beleza e sabor, Marina Mendes mostra que a mistura de Fran�a e Brasil pode ser muito apetitosa


26/02/2023 09:45 - atualizado 27/02/2023 09:10

Tartelette de cupuaçu com castanha do para sa marina atelie de confeitaria
Tartelette de cupua�u com castanha-do-Par� (foto: Geraldo Fonseca/Divulga��o)

Marina Mendes estava em Londres quando um vulc�o entrou em erup��o. Para conseguir voltar a Dresden, na Alemanha, a �nica op��o era passar por Paris. A viagem n�o planejada acabou mudando a hist�ria da ent�o advogada: ela se apaixonou loucamente pela confeitaria francesa.

“Foi algo t�o forte que s� pensava em trabalhar com isso”, conta a fundadora do ateli� S� Marina, que vende doces franceses em BH. Unindo t�cnicas da Fran�a e ingredientes do Brasil, ela faz o que chama de p�tisserie tupiniquim.

Baiana de Vit�ria da Conquista, Marina vem de uma fam�lia de quituteiras. Sua av� teve buf� a vida inteira e a m�e, apesar de ser dentista, cozinhava todos os dias.

“A cozinha sempre esteve presente na minha vida, mas nem ousava em pensar que poderia se tornar uma profiss�o. Minha fam�lia falava: isso n�o � pra voc�, n�o vai dar certo”, conta. Resultado: foi estudar direito.

A vida parecia seguir sem surpresas quando Marina se jogou em dire��o ao desconhecido. Deixou o interior da Bahia para terminar a faculdade em uma cidade grande, BH, seguindo os passos do namorado (hoje marido).

Daqui o casal iria direto para a Alemanha. Enquanto ele se dedicaria ao doutorado, ela faria especializa��o em direito e estudaria alem�o. Pelo menos esses eram os planos.

marina mendes confeiteira atelie sa marina
Inspirada por Marie-Antoine Car�me, 'pai' da alta cozinha francesa, Marina Mendes quer ajudar a elevar a confeitaria brasileira (foto: Geraldo Fonseca/Divulga��o)
“Chegando � Alemanha, o mundo se abriu. Viajamos muito, para todos os pa�ses da Europa, e fiquei enlouquecida com o que via. Ia parar dentro das cozinhas dos restaurantes, conversava com os chefs, tirava fotos e anotava tudo no meu caderninho”, conta, com a mesma eloqu�ncia daquela �poca. A empolga��o rege seu tom de voz, que ainda preserva o sotaque baiano.

Naquele momento, ela entendeu que confeitaria n�o eram s� os bolos da av�. “Fiquei encantada com o que dava para fazer com manteiga, ovos, a��car e leite. N�o tinha ideia de nada daquilo. Foi uma avalanche de descobertas.”

Marina provou de tudo. Muitas vezes, deixava de almo�ar para comer doces (n�o tinha dinheiro para os dois), mas fazia a escolha “feliz da vida”. N�o saem da sua cabe�a o kalter hund (vers�o alem� da palha italiana), os folhados turcos e os gelatos italianos.

Na Fran�a, a baiana viveu, de fato, uma paix�o arrebatadora. Encantou-se com tudo: as cores, os sabores, os formatos, as receitas.

Admirava a riqueza de detalhes, a forma de apresentar os doces como se fossem joias, ao mesmo tempo em que tentava entender como eles conseguiam n�o usar leite condensado, ingrediente que julgava ser obrigat�rio. Seu sonho era levar essa confeitaria para o Brasil, mas ningu�m acreditava que isso poderia dar certo.

entremet de cafe atelie confeitaria sa marina
Por cima de um fino disco de massa, empilham-se camadas de crocante, caramelo, ganache e creme com sabor de caf� (foto: Geraldo Fonseca/Divulga��o)
Um ano e meio depois, ela voltou para BH e para a carreira de advogada. Marina n�o tinha mais aquela paix�o pelo direito, nem era mais a mesma pessoa, mas insistiu. Mesmo que continuasse a ter a cozinha como ref�gio.

Nesse meio tempo, ela teve uma filha, criou um blog de receitas e abriu uma empresa de brownie e cheesecake. At� que o destino voltou a agir. O marido iria para um p�s-doutorado na Fran�a e aquela era a chance de se aprofundar na confeitaria francesa.

Levou um tempo para Marina acreditar que estava vivendo seu sonho: morava em Toulouse e estudava em um centro de forma��o de p�tisserie. Em casa, fez v�rios cursos on-line e devorou livros.

Para que pudesse colocar a m�o na massa, teve a ideia de presentear os amigos com doces. Logo, j� come�aria a se aventurar com encomendas. Sua segunda passagem pela Fran�a se encerrou com um est�gio na �mily P�tisserie, do chef Guillaume Momboisse, reconhecido com uma estrela Michelin.

Enfim, confeiteira

De volta a BH, a advogada se assumiu de vez confeiteira. Enquanto transformava o anexo da casa onde moraria, no Bairro Santo Ant�nio, em uma cozinha industrial, ela passou por um processo “doloroso” de adaptar as receitas para a realidade do Brasil.

“Tive que come�ar tudo de novo. Fiz v�rios testes para descobrir a farinha ideal, a melhor manteiga, o chocolate e aprender a lidar com a umidade.”

O ateli� ganhou o nome de S� Marina, o mesmo da m�sica eternizada na voz de Wilson Simonal. Leve e “colorida”, como descreve a confeiteira, que sempre teve uma liga��o forte com artes.

tartelette pistache com laranja atelie confeitaria sa marina
A combina��o de pistache com laranja resgata lembran�as de doces que a m�e da confeiteira fazia na Bahia (foto: Geraldo Fonseca/Divulga��o)
No menu, ela combina receitas cl�ssicas da confeitaria francesa com ingredientes brasileiros. Isso explica o termo p�tisserie tupiniquim, que surgiu quando fazia est�gio na Fran�a.

Marina percebeu que os franceses tinham muita curiosidade de conhecer produtos brasileiros e gostavam de usar nas receitas sabores que para eles eram ex�ticos. L� tinha um entremet de abacaxi com rapadura da �frica. Rapadura, algo t�o comum para a baiana, que n�o enxergava todo esse valor.

“Pensei: venho de um estado que tem tanta fruta maravilhosa, por que n�o dar chance para o caj� e o cupua�u, em vez de usar frutas vermelhas? Comecei a ver como isso era potente.”

Com a pele morena, cabelos lisos e olhos levemente puxados, Marina sempre ouviu falar que tem uma “beleza tupiniquim”. Agora, ela brinca com a palavra, usada em refer�ncia aos seus tra�os ind�genas, para falar da confeitaria que apresenta aos belo-horizontinos.

� francesa, sim, mas tem um delicioso sotaque brasileiro, com um tempero baiano que “apimenta” as receitas e uma mineiridade que vem, n�o s� por morar em BH, mas pela origem da fam�lia do pai.

paris brest avela com chocolate atelie confeitaria sa marina
A massa choux surge em formato de paris-brest e com recheio de avel� com chocolate (foto: Marina Mendes/Divulga��o )

A confeiteira consegue levar poesia a tudo o que faz, desde os desenhos das embalagens, os ensaios fotogr�ficos (o �ltimo inspirado em Marie-Antoine Car�me, “pai” da alta cozinha francesa) at� chegar aos complexos doces, com camadas que se sobrep�em e resultam em uma beleza de cair o queixo.

A baiana faz mesmo arte com as m�os (que, de t�o grandes, j� foram motivo de vergonha, mas hoje s�o seu mais valioso instrumento de trabalho).

Exigente, Marina testa “milh�es de vezes” cada preparo e n�o aceita nada menos que a perfei��o. N�o � � toa que chama seus doces de bijou (joia em franc�s). Temos que concordar, eles s�o preciosidades para se admirar com os olhos e com a boca.

Com esse esmero, seu plano � ajudar a elevar o n�vel da confeitaria brasileira. “Temos produtos maravilhosos aqui e conseguimos fazer doces com qualidade. N�o precisamos ficar s� no trivial”, opina.

Assim como descobriu um novo mundo ao conhecer a confeitaria francesa, Marina quer que as pessoas se surpreendam com o que tem a oferecer.

Cheia de ideias, com a t�cnica afiada, transbordando sensibilidade, muita delicadeza ao pensar nos detalhes e vontade de ousar, ela mostra que a mistura de Fran�a e Brasil pode ser muito mais apetitosa do que se imagina.

Parafraseando a m�sica S� Marina, com seu jeitinho t�o faceira, a confeiteira faz o povo inteiro se deliciar.

Cupua�u com castanha-do-Par�

Se for para escolher um item do card�pio que melhor traduza o termo p�tisserie tupiniquim, chegamos facilmente � torta de cupua�u com castanha-do-Par�.

O recheio entrega toda a bossa da fruta azedinha do Norte do Brasil, que Marina se acostumou a comer em forma de doce na inf�ncia, misturada com a croc�ncia da castanha e a pot�ncia do chocolate. Na base, pat� sucr�e de farinha de am�ndoas, um dos cl�ssicos da confeiteira francesa.

Essa mesma massa, bem caramelizada e crocante, como aprendeu com os franceses, abriga outro recheio que tem uma brasilidade afetiva. Explico: o pistache aparece ao lado da laranja (em forma de bolo e geleia).

tartelette de limao com morango atelie confeitaria sa marina
Na tartelette de lim�o, o Brasil est� representado pelo taiti, enquanto o siciliano traz o sabor da Fran�a (foto: Geraldo Fonseca/Divulga��o)
“Provei essa combina��o l� na Fran�a, mas a laranja me traz lembran�as do bolinho que a minha m�e fazia e da geleia que ela colocava por cima da torta de ma��”, aponta.

Tamb�m podemos falar do entremet de caf�. O ingrediente foi escolhido para homenagear o pai, que j� teve fazenda na Bahia (a filha cresceu acompanhando as colheitas). Por cima de um fino disco de massa, empilham-se camadas de crocante, caramelo, ganache e creme com o sabor do ingrediente principal.

“Entremet n�o � bolo. A beleza dele est� em colocar v�rios elementos de p� em uma massa t�o fina que praticamente n�o se v�”, destaca Marina, que segue com exatid�o as t�cnicas francesas.

Ainda tem a La Tropezienne, torta que combina o frescor do Brasil, representado pelo maracuj� e pela manga, com a maciez de um leg�timo brioche franc�s.

Marina n�o sossega e j� planeja explorar outros ingredientes brasileiros nas receitas francesas. Deu para sentir um gostinho de curiosidade quando ela cita castanha de pequi, tapioca, queijo e at� brigadeiro.

Neste primeiro momento, a confeiteira optou por lan�ar cl�ssicos franceses, mas tentando sempre fugir do comum. A massa choux, mais conhecida aqui no Brasil pelas bombas e carolinas, surge em formato de paris-brest.

tartelette de chocolate com caramelo atelie confeitaria sa marina
Tartelette de chocolate com caramelo (foto: Geraldo Fonseca/Divulga��o)

Nos recheios, que podem ser de avel� com chocolate ou banana com noz pec�, ela apresenta o chamado creme pralin�, a “alma da p�tisserie”. “Fa�o com todas as am�ndoas: tosto, caramelizo, trituro e transformo em um creme que d� sabor e tem riqueza sensorial.”

Se quiser um dos doces, tem que encomendar com anteced�ncia. Marina trabalha sozinha na cozinha, por isso a produ��o � limitada. Al�m disso, o ateli� n�o funciona como loja nem caf�, as portas se abrem s� para as entregas.

“Percebi que as p�tisseries na Fran�a n�o t�m lugar para sentar e comer e achei esse conceito muito interessante. As pessoas compram seus doces e se sentam nos parques, no passeio ou levam para comer em casa”, descreve.

As sobremesas s�o entregues com um cart�o que decodifica suas camadas em desenhos feitos pela pr�pria confeiteira. Assim fica f�cil de identificar quais sabores e texturas te esperam na mordida.

Ali tamb�m est� explicado quanto tempo antes deve-se tirar o doce da geladeira e com qual tipo de faca partir. O convite � para deixar os talheres de lado e comer com as m�os. E se lambuzar com os recheios.

Pain perdu

Ingredientes

14g de leite; 400g de creme de leite; 90g de gema de ovo; 55g + 2 colheres de sopa de a��car mascavo; 3 colheres de sopa de manteiga
 
Modo de fazer

Esquente em uma panela o leite e o creme de leite. Em um bowl, misture as gemas e as 55g de a��car com um fouet. Adicione aos poucos a mistura de leite e creme de leite. Corte fatias espessas de p�o e mergulhe nesse creme. Derreta na frigideira a manteiga e mais duas colheres de sopa de a��car mascavo. Em seguida, toste as fatias de p�o. Vale combinar com caramelo, pasta de chocolate com avel�, doce de leite, sorvete, mousse de maracuj� ou o que mais voc� tiver vontade.

Servi�o

S� Marina
(31) 98430-6874 

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