
Uma mineira que mudou de vida ao provar um prato em Sergipe. Uma maranhense que resolveu resgatar mem�rias da sua cidade atrav�s da comida. As hist�rias dessas duas mulheres se cruzam em Belo Horizonte. Ambas abriram restaurantes, durante a pandemia, com o desejo de aproximar os mineiros dos sabores do Nordeste. Os pratos que elas servem levam os clientes a um passeio por essa regi�o do Brasil.
O clima muda assim que voc� atravessa o port�o de uma casa amarela na Rua Santa Catarina, Bairro Lourdes. L� funciona o Restaurante Dona Ful�, que come�ou sua hist�ria em Betim e h� seis meses trouxe seu tempero nordestino para a capital.
Os clientes s�o recebidos por Lampi�o e Maria Bonita depois de passar por um jardim com cactos. O ambiente faz v�rias refer�ncias � cultura do Nordeste, incluindo teto com peneiras, instrumentos de forr�, cortina de chit�o e quadros de xilogravura. A �rea do caixa reproduz uma casa de pau a pique.
“N�o queremos s� servir comida para encher o bucho, queremos oferecer uma experi�ncia. Que os nordestinos se identifiquem, ao mesmo tempo em que os mineiros apreciem os pratos e fa�am uma viagem para o Nordeste”, resume a propriet�ria e chef Cleide Duarte.
A ideia de restaurante surgiu durante uma viagem de f�rias com a fam�lia para Aracaju, em 2012. Cleide comeu em uma barraca de praia a macaxeira ao forno, t�pico da capital de Sergipe, e se apaixonou.

“Esse prato � muito parecido com o nosso escondidinho, a diferen�a est� na sequ�ncia de montagem. Aqui vai carne embaixo, pur� e queijo, enquanto l� � pur�, carne e queijo”, explica a chef, descrevendo a receita que fez o Dona Ful� ficar conhecido.
Um ano depois da viagem, o restaurante abria as portas em Betim. Cleide era dona de papelaria, mas sempre gostou de cozinhar. Por causa da macaxeira ao forno, ela decidiu assumir a identidade nordestina e o card�pio foi s� aumentando. “Pesquisei receitas na internet, fiz algumas viagens e fui criando os pratos seguindo a minha intui��o e as refer�ncias que tinha de sabores”, conta.
Fila de espera
A proposta agradou tanto que, passados tr�s anos, o Dona Ful� teve se mudar para um espa�o maior. Ao perceber que muitos clientes eram de BH, Cleide se animou com a ideia de abrir uma unidade na capital. Em fun��o da pandemia, o novo restaurante ficou um ano e meio fechado e s� foi inaugurado em setembro de 2021. Hoje, a chef sorri quando conta que as duas casas est�o sempre com fila de espera.
O nome Dona Ful� representa o que Cleide quer oferecer: aconchego e carinho. “O m�nimo que podemos dar aos clientes � um atendimento alegre, gentil, atencioso, educado e caloroso. Percebo que as pessoas ficam muito encantadas com isso.” Logo que voc� se senta, o gar�om o recebe com um sorriso e um potinho de amendoim torrado com alho e pimenta, cortesia da casa, para j� abrir o apetite.
O card�pio passeia por todo o Nordeste, come�ando pela Bahia e subindo at� o Maranh�o. A chef considera isso um diferencial, j� que consegue, num mesmo lugar, servir pratos de v�rios estados. Por isso, s�o centenas de op��es, entre petiscos, pratos, sobremesas e bebidas.

Enquanto voc� escolhe o que vai comer, a sugest�o � pedir uma caipirinha de coentro, novidade que est� fazendo sucesso at� mesmo com quem n�o gosta do tempero nordestino. Cleide se inspirou em uma cerveja para criar o drinque com tangerina, lim�o, coentro e cacha�a, que fica muito refrescante.
D� pra dar um pulo na Bahia com o acaraj�. Cleide prepara o bolinho de feij�o que aprendeu com a m�e. S� n�o frita no dend� puro para n�o ficar pesado para o paladar do mineiro. No recheio, tem vatap�, camar�o frito e vinagrete de tomate verde. Outro cl�ssico baiano � a moqueca de peixe e camar�o com coentro e dend�, servida com arroz e pir�o.
Receita pernambucana
O bai�o de dois do Dona Ful� tem origem em Pernambuco. Combina arroz, feij�o-de-corda, carne de sol desfiada, bacon, lingui�a calabresa, queijo coalho e banana-da-terra frita.
J� a macaxeira ao forno, que chega � mesa borbulhando, nos leva a Sergipe. “Fa�o um pur� de macaxeira com alho frito na manteiga, pimenta para dar sabor e leite de coco, ent�o fica muito cremoso. Quando combino com camar�o ou carne de sol, fica perfeito”, comenta. No card�pio, h� outras 16 op��es de recheios.
O Nordeste, como um todo, est� muito bem representado pelo cuscuz. Cleide criou uma vers�o recheada com carne de sol desfiada e puxada na manteiga de garrafa, cebola roxa e queijo coalho.
A tapioca tamb�m � um �cone da cultura nordestina. S�o duas p�ginas inteiras do card�pio com dezenas de combina��es, salgadas e doces. Chama a aten��o a tapioca rendada. “Ralo o queijo coalho na frigideira, coloco a tapioca por cima e ele vira uma renda por fora”, explica.

Entre as sobremesas, destaque para o sorvete de tapioca com cocada baiana e calda de maracuj�. “Todo mundo que experimenta ama a combina��o do doce da cocada com o azedinho do maracuj� e a base neutra do sorvete”, aponta. J� o sorvete de rapadura � servido com calda de chocolate meio amargo e crocante de amendoim.
Ficou na d�vida de qual prato experimentar? �s quartas-feiras, o restaurante serve menu degusta��o de sete ou 10 etapas.
O mais completo tem um pouco de tudo: creme de cebola com carne de sol e queijo coalho, dadinho de tapioca, risole de macaxeira com tr�s queijos e com carne de sol, bolinho de macaxeira de tr�s queijos e bacon, casquinha de siri, acaraj�, cuscuz, macaxeira ao forno, bai�o de dois, cocada cremosa e sorvete de tapioca com calda de banana flambada e canela.
Cole��o de lembran�as
O Nordeste tamb�m est� vivo no sal�o e na cozinha do Maturi, que fica no Bairro Santa Tereza. Chegando l�, a sensa��o � de se transportar para os mercados e feiras de rua, que nos envolvem com uma mistura de cores, cheiros e sabores. As toalhas de chit�o, a pimenta na mesa e as caipirinhas com ingredientes t�picos j� s�o um an�ncio do que est� por vir.
O card�pio � uma cole��o de lembran�as de Imperatriz, no Maranh�o, onde nasceu e cresceu Regilene Coelho, a fundadora do restaurante. Como est� na divisa com Tocantins e bem pr�xima do Par�, a cidade acabou sendo muito influenciada pelos estados da Regi�o Norte. Ent�o, n�o espere encontrar l� o mesmo que se come na capital, S�o Luiz.
Regilene se apaixonou por Belo Horizonte antes mesmo de conhecer a cidade. Todos os seus vizinhos em Imperatriz eram mineiros, que, depois do garimpo em Serra Pelada, compraram terras naquelas plan�cies para criar gado de corte. “Era o meu sonho conhecer BH e boa parte da minha fam�lia veio junto comigo, procurando uma capital do Sudeste.”

Naquela �poca, a maranhense tinha outro sonho: abrir um restaurante. Ela trabalhou em supermercado, loja de artigos para festa e brinquedos antes de fazer o curso de cozinheira e levou um tempo para ter coragem de alugar o ponto na Rua M�rmore.
“Acabei fazendo o que tinha vontade de comer, o que me dava saudades. Juntei as t�cnicas que aprendi no curso com o jeito de cozinhar da minha m�e.” Dona Raimundinha � sua grande inspira��o.
Maturi � a castanha-de-caju ainda verde, que acaba concentrando muito sabor. Regilene diz que escolheu esse nome como s�mbolo da sua cozinha, que � brasileira, nordestina e imperatrizense. Mas ele tamb�m representa o in�cio da hist�ria do neg�cio, que teve a abertura adiada por causa da pandemia. Fazendo um paralelo, o restaurante amadureceu nesse tempo e hoje virou um “fruto” saboroso.
Atra�dos pela curiosidade
O restaurante atrai muitas pessoas pela curiosidade de provar uma comida nordestina diferente. A cozinheira diz que se sente realizada de servir pratos que s�o afetivos para ela, mas que t�m um vi�s cultural. Com�-los � uma forma de conhecer os h�bitos da regi�o. “Quero que as pessoas tenham a sensa��o de que viajaram para o Nordeste”, aponta.
Para come�ar, experimente os dois bolinhos da casa, um de piracu� (farinha de peixe) e o outro de bai�o de dois (arroz e feij�o) com recheio de queijo minas. Outra sugest�o � comer a por��o de lambari frito com lim�o e se sentir na praia do rio Tocantins. D� uma sacudida no paladar com a pimenta cumari do Par�, bem picante e arom�tica.
Siga a viagem pelo Nordeste com o arroz Maria Izabel, prato que Regilene comeu a vida inteira e continua a ser o seu preferido. � uma mistura de arroz, carne de sol, ab�bora, maxixe, ovo estrelado e banana-da-terra frita na manteiga. A cozinheira acrescenta couve para que os mineiros n�o se sintam “t�o fora do ninho”.

Ela faz o mesmo com o bai�o de dois. Quiabo e costelinha se justam ao arroz e feij�o-de-corda para fazer um agrado aos mineiros. O prato tamb�m tem ab�bora e maxixe e queijo coalho.
Sinta-se mais pr�ximo dos sabores nordestinos com o cuscuz temperado com manteiga e servido com carne de sol, ovo frito e salada de tomate.
Menos conhecido, mas muito curioso, � o arroz de cux�, folha tamb�m chamada de vinagreira, muito abundante no Maranh�o (aqui conhecemos como hibisco e o seu uso fica restrito ao ch�). Ele � servido com costela de tambaqui ou pirarucu. Para acompanhar, salada de feij�o-de-corda e banana-da-terra frita.
Famosa panelada
Regilene est� esperando o frio chegar para servir a panelada maranhense, prato que combina dobradinha, mocot�, farinha, pimenta e lim�o. “L� na minha cidade tem o panel�dromo, que funciona 24 horas. Cada barraquinha vende a panelada com um tempero diferente.”
Quando as temperaturas ca�rem, ela tamb�m pretende servir o cozido de legumes com milho, maxixe, quiabo, batata-doce e cenoura.
Enquanto o frio n�o vem, refresque-se com as caipirinhas. Em uma delas, a estrela � a tiquira, destilado artesanal de mandioca fermentada t�pico do Maranh�o. A bebida de cor lil�s se mistura ao lim�o, gengibre e hortel�. Diz a lenda que n�o se deve tomar mais de tr�s doses e nem tomar banho em seguida, com o risco de ficar “aluado”. “Na d�vida, eu n�o recomendo.”

No card�pio tamb�m tem caipirinha de caju�na (suco clarificado de caju) e jambu (aquela folha que deixa a l�ngua dormente).
A sobremesa mais ic�nica � o pudim de bacuri, fruta amaz�nica tamb�m encontrada no Maranh�o. “L� em Imperatriz, � muito comum encontrar creme de bacuri, com leite condensado e creme de leite. Todo restaurante serve e na casa de v� tem que ter.”
Outra op��o � o bolo de rolo com recheio de goiabada ou doce de leite, feito por uma amiga pernambucana que mora em BH.
Bai�o de dois (Dona Ful�)
Ingredientes
3 x�caras de arroz cru; 2 x�caras de feij�o-de-corda cru; 2 x�caras de carne de sol dessalgada, cozida e desfiada; 1 lingui�a calabresa cortada em cubos; 200g de bacon cortado em cubos; 200g de queijo de coalho cortado em cubos; 5 dentes de alho amassados; 1 cebola m�dia cortada em cubos; 1 colher de sobremesa de tempero baiano; pimenta-do-reino, cheiro-verde e coentro a gosto
Modo de preparo
Cozinhe a carne de sol j� dessalgada, desfie e reserve. Lave bem o feij�o-de-corda e cozinhe com cuidado para que fique com os gr�os inteiros (n�o coloque em panela de press�o). Escorra e reserve o caldo do cozimento. Cozinhe o arroz com pouco sal, de forma que os gr�os fiquem inteiros e bem soltinhos. Em outra panela, frite o bacon e a lingui�a calabresa. Em seguida, refogue a cebola e o alho e deixe dourar levemente. Acrescente o tempero baiano e o feij�o-de-corda cozido com um pouco do caldo do cozimento. Baixe o fogo e deixe ferver rapidamente a mistura at� que os sabores estejam incorporados, mas n�o deixe secar totalmente o caldo. Misture o arroz cozido, a carne de sol desfiada e por �ltimo o queijo coalho em cubos. Acrescente pimenta-do-reino mo�da. Acerte o sal, se necess�rio. Adicione cheiro-verde e coentro. Para acompanhar, sirva com banana-da-terra frita na manteiga de garrafa.
Servi�o
Rua M�rmore, 169, Santa Tereza
(31) 99826-9719