
Ap�s 20 anos de trajet�ria profissional, Felipe Rameh est� de volta � estrada – literalmente. O chef, que j� esteve � frente de casas que deixaram saudade no cen�rio gastron�mico belo-horizontino, andava sumido do comando das panelas. Apesar de Rameh ser presen�a constante nas redes sociais e ultimamente at� aparecer na TV – o “Coisas Daqui”, programa da Rede Globo, ter� nova temporada esse ano –, a clientela andava com saudades de v�-lo entre a cozinha e o sal�o. Ap�s esse hiato em que esteve envolvido ainda com cursos, consultoria e jantares particulares, o cozinheiro est� de volta ao comando de um restaurante. Desta vez ele faz o retorno tendo a vista emoldurada pela deslumbrante Serra de S�o Jos�, em Tiradentes, a quase 200 quil�metros da capital, onde ele assumiu como chef executivo do Tragaluz, uma das casas gastron�micas mais celebradas em Minas Gerais, em vias de completar 23 anos de exist�ncia.

� uma esp�cie de reencontro de Rameh com a cidade do Campo das Vertentes, que pulsa gastronomicamente como poucas. “Eu tenho uma rela��o de muitos anos com esse restaurante”, pontua o chef, ao lembrar de tempos passados com a fundadora da casa, Zenilca Navarro – h� oito anos o restaurante foi adquirido pelo sobrinho dela, Pedro Navarro, e sua companheira Patr�cia. “Uma vez a Zenilca contratou vagas do meu curso para inscrever os funcion�rios do restaurante dela, achei isso instigante”, relembra. Mesmo ap�s o casal assumir o restaurante, o v�nculo com Rameh se manteve. “Ele � a pessoa a quem a gente recorria sobre decis�es operacionais e estrat�gicas”, diz Pedro.

Com a sa�da de Matheus Paratella, o chef anterior, novo chamado foi feito a Rameh, mas desta vez os conselhos frutificaram em algo mais duradouro. “Tentamos seduzi-lo”, resume o dono da casa. O chamego tanto funcionou que Rameh, desde dezembro, assumiu a d�lm� principal do estabelecimento, onde pretende estar presencialmente durante cinco dias ao m�s para afinar arestas. “A chefia executiva envolve dar treinamento � equipe, fazer pequenos ajustes e discutir estrat�gias”, explica o cozinheiro. E, claro, a parte mais saborosa: remexer no card�pio e comandar jantares especiais.

Mas o Tragaluz n�o � uma casa onde troca-se o menu de tempos em tempos – o card�pio tem um qu� de sagrado, j� que o lugar � destino de comensais de todo canto do Brasil e do mundo que chegam na cidade barroca salivantes para provar as receitas queridinhas, como a galinha d’angola com arroz caldoso e a goiabada casc�o frita prensada na castanha de caju. “� um dos pratos intoc�veis, que n�o d� pra mexer, mas a gente fez ajustes na forma de fazer o caldo e finalizamos com telha de angu”, pontua o cozinheiro sobre a disputada galinha. Nada � totalmente est�tico para a ousadia de Felipe Rameh.

�GUAS PROFUNDAS A valoriza��o dos produtos que chegam do entorno do Tragaluz � o mergulho que ele diz querer continuar dando, com a n�tida inten��o de avan�ar em �guas mais profundas. “Quero resgatar a conex�o do restaurante com o quintal”, promete. “Esse exerc�cio � perene para n�s, n�o � s� um discurso”, completa Pedro. O empres�rio faz quest�o de explicar que seria at� mais barato trabalhar com importados, mas investir nos produtores mineiros � o cerne da identidade do neg�cio. Esse alinhamento entre a dupla d� vida a novos pratos do menu, como o lombo de bacalhau confitado que chega com angu de milho branco de Barbacena, minimilho tostado, broinha de canjica, cebolinha e azeite mineiro.

Os queijos feitos na regi�o acompanham um dos novatos da lista de entradas. Trata-se do jilozinho tostado com molho de mostarda, quiabo com lardo mineiro e farofinha crocante de p�o, coalhada de ovelha e p� de azeitona, que � servido com compotas, al�m dos queijos.
Ainda na lista de novidades do chef, o preparo chamado “um sonho” consiste em um torresmo de barriga servido no osso, acompanhado por pur� de banana caramelada, minivegetais tostados e roti de porco.
Entre as mexidas, h� espa�o para retornar com propostas que j� frequentaram o card�pio em tempos idos, como o uso do pur� de car� com gema confitada simulando um ovo. Em nova roupagem, o pato confit entra como protagonista da receita, acompanhado pelo falso ovo, que triunfa junto ao molho roti com jabuticaba e pimenta verde.
RA�ZES CULIN�RIAS H� tempos o restaurante investe na equa��o que envolve harmonizar t�cnicas atuais com o vigor das ra�zes culin�rias, e a miss�o segue agora nas m�os de Rameh. “A comida precisa ter t�cnicas e ingredientes bons, talvez uma pitada de contemporaneidade, mas o importante � valorizar o que est� � nossa volta”, pontua Pedro. Cada vez mais interessado em quest�es humanas, o chef complementa. “O conceito de contemporaneidade mudou ao longo dos anos, ent�o ser contempor�neo � olhar para o quintal, ter gest�o humanizada, trabalhar com respeito, dar boa remunera��o, ter escuta com o time”, reflete.
Em nova fase, as ambi��es do Tragaluz ultrapassam at� mesmo os limites da cozinha. A casa tem envolvimento em projetos sociais e culturais, e agora a inten��o � poder engrossar o caldo do fomento tur�stico tiradentino. “A cidade � um fen�meno tur�stico, mas ainda aqu�m do que pode ser. Queremos formar mais gente e tornar o turismo ainda mais pr�ximo”, finaliza o chef executivo.
Cozinha de impacto
“Estou indo atr�s de qu�?” Felipe Rameh faz essa pergunta constantemente. Ao receber o convite para assumir a chefia do Tragaluz, um neg�cio que envolve uma log�stica espartana – o restaurante possui 130 lugares e cerca de 40 colaboradores -, algo que estava do lado de fora do im�vel pesou a favor do sim. Rameh continua achando que gastronomia � muito mais do que o dom�nio de t�cnicas apuradas e o caos controlado de uma cozinha de alta performance. Para ele, restaurante � apenas uma das possibilidades de exercer a profiss�o. “Minha gera��o ficou muito condicionada a se formar em gastronomia e ir trabalhar em restaurante, mas teve prazo de validade no meu caso”.
Entre essa gama de possibilidades, a gastronomia pode servir como ativo para impactar vidas, algo que Rameh tem se interessado nos �ltimos anos. Desta forma, o trabalho social feito em regi�es carentes de Tiradentes por Pedro Navarro e seu restaurante Tragaluz ajudou a convencer o cozinheiro de que valia a pena ele voltar a chefiar uma equipe de cozinheiros e assistentes. “Tiradentes est� no mapa da fome, � uma contradi��o, uma loucura”, questiona Rameh.
O Instituto Tragaluz atua no combate � desnutri��o infantil na cidade que exibe igrejas banhadas a ouro. A entidade envia suplementa��o proteica � base de ovo caipira para crian�as de at� 5 anos com quadro de desnutri��o. “Cada crian�a recebe 2 ovos caipiras por dia e cada familiar recebe mais um ovo”, explica Pedro Navarro, que � m�dico. Uma nutricionista realiza visitas semanais e exames cl�nicos s�o realizados mensalmente. Ao todo, a iniciativa atende 25 fam�lias, mas existe a inten��o de ampliar a atua��o para outros territ�rios da regi�o.
Felipe Rameh continua morando em Belo Horizonte. As idas e vindas a Tiradentes agora ser�o constantes, mas ele fala com entusiasmo sobre outro projeto em que est� imerso. O chef acabou transformando a casa onde mora com sua companheira, a artista Nath Rodrigues, em um espa�o de trabalho. “N�o � um restaurante, � a casa onde eu vivo”, adianta. No local, chamado Casa Floresta, eles pretendem promover confrarias gastron�micas que agreguem outras manifesta��es culturais. Uma das vontades � receber exposi��es de artistas pretos. “O que me deixa feliz � seguir sendo curioso e ir experimentando coisas novas”, reflete o chef.
Creme de baroa com cogumelos, castanha e brotos
Ingredientes
200g de baroa; 120ml de creme de leite fresco; 50g de manteiga; 20g de farofa de p�o de mel com especiarias; 10ml de redu��o de aceto bals�mico;
2 unidades de castanha de caju; 2 unidades de castanha de baru; 1 unidade de castanha do Par�;
1 unidade de castanha de pequi; 2 unidades de avel�; 4 unidades de cogumelo-de-paris; 4 unidades de cogumelo portobello; 2 buqu�s de cogumelo shimeji; 1 unidade de cogumelo eryngui; 2 unidades de minivegetais; brotos e ervas frescas a gosto.
Modo de fazer
Cozinhe a baroa no vapor at� que fique bem macia. Ferva o creme de leite com metade da manteiga. Ainda quente, processe, no liquidificador, a baroa
e o creme de leite com manteiga at� formar um creme bem liso. Acerte o sal e reserve. Doure os cogumelos numa frigideira com manteiga e reserve. Cozinhe os vegetais no vapor. Esfarele o p�o de mel com especiarias e toste numa frigideira at� ficar crocante. Disponha em um prato os vegetais, os cogumelos que foram na frigideira e algumas l�minas cruas, castanhas, brotos, a
farofa de p�o e gotas de aceto reduzido. Aque�a bem o creme, coloque-o numa jarra e despeje delicadamente sobre o prato montado e decorado.
Tragaluz
Rua Direita, 52, Centro Hist�rico,
Tiradentes, (32) 3355-1424
e (32) 99968-4837