
A criadora de conte�do Bruna Tukamoto j� pensou em fazer a cirurgia de blefaroplastia, que faz a “ocidentaliza��o dos olhos”. A maquiagem era uma fonte de frustra��o para a jovem. “Eu amava ver tutoriais de maquiagem no YouTube e tentava replicar em mim, mas o resultado sa�a totalmente diferente porque eu acompanhava youtubers brancas, e eu sou amarela. Isso me frustrou muito e eu passei a n�o sentir confian�a para usar sombras nos olhos”, diz. O mesmo ocorre com Vitor Goto que produz conte�do sobre maquiagem e autoconhecimento.
Por muito tempo, a maquiagem foi associada �s demandas do patriarcado e do capitalismo como uma ferramenta de aprisionamento feminino. A press�o est�tica ainda � uma das maiores respons�veis pelo descontentamento das mulheres com a pr�pria imagem e afeta, diretamente, a constru��o da autoestima delas.
No entanto, as rela��es entre maquiagem e autoconhecimento se estreitaram nos �ltimos anos. Para a psic�loga Karine Figueiredo, a maquiagem se tornou uma importante forma de express�o que, moderadamente, traz benef�cios psicol�gicos. “[A maquiagem] trabalha a autoimagem e o autoconhecimento, estimulando at� mesmo a intera��o social”, conta ela ao Correio Braziliense.
Shirlei dos Santos Campos, professora do curso de Est�tica e Cosm�tica da Universidade Tiradentes, afirma que a maquiagem � uma ferramenta de enfrentamento do espelho. “Algumas pessoas t�m dificuldade em se valorizar, mas quando come�am a se olhar, percebem que t�m caracter�sticas que devem ser valorizadas e que s�o bonitas”, conta ela. “Cada indiv�duo � �nico e a maquiagem vai ajudar a expressar um pouco essa particularidade, mas voc� deve seguir o que serve para voc�, dentro da sua beleza”, completa a professora.
Vitor Goto, tamb�m criador de conte�do, conta como foi o seu processo de aceita��o. “Quando comecei [a me maquiar], eu n�o tinha a consci�ncia que tenho hoje sobre o embelezamento e o realce das nossas qualidades naturais. Al�m dos olhos, alguns amarelos podem ter caracter�sticas como um rosto mais ‘achatado’, como � meu caso. Isso dificultou meu processo para aprender a aplicar contorno de forma mais eficaz em meu rosto”, diz. “Muito do que aprendi foi um extenso processo de tentativa e erro, n�o tive muitas refer�ncias nessa jornada”, completa ele.
''A maquiagem me ajudou a ter mais consci�ncia e orgulho dos meus tra�os, afinal eles fazem parte de quem eu sou. Hoje, me sinto confiante mesmo com a cara limpa, mas foi a maquiagem que me mostrou o caminho de aceita��o e amor pr�prio''
Vitor Goto
A representatividade na beleza

Grupos minorizados encontram refer�ncias nas quais possam se inspirar. “Voc� n�o precisa associar a sua maquiagem aos tra�os de outra pessoa. Eu, por exemplo, n�o contorno meu nariz e meu rosto, mas nem por isso n�o uso uma maquiagem mais pesada. As pessoas criaram uma f�rmula do que colocar na pele, mas n�o sigo isso. Comecei a entender meu rosto”, conta Ang�lica Silva, especialista em beleza.
O trabalho de Ang�lica nas redes sociais a levou a conquistar o reconhecimento de grandes marcas de beleza e a ser classificada como uma das melhores micro-influenciadoras de 2021. Sua relev�ncia, no entanto, atrai alguns coment�rios indesejados.
“Sempre fui muito convicta sobre o que eu gostava. N�o � porque uma pessoa comenta na minha foto que minha sobrancelha � feia que vou ficar questionando minha beleza, afinal � uma coisa que pode mudar quando eu quiser. Mas j� sofri muitos ataques por conta da minha boca, uma coisa que j� n�o posso mudar sem procedimento est�tico. Hoje, entendo que isso est� relacionado ao racismo. Eu luto pelas coisas que eu n�o posso mudar no meu rosto, mas as coisas que posso, n�o ligo porque � uma opini�o”, relata a maquiadora.
''Aos olhos de muitas pessoas, somos s� blogueiras com vidas f�teis, mas eu tento passar para o meu p�blico que eu sei o que estou fazendo, porque muito al�m de influenciadora, eu sou uma profissional''
Ang�lica Silva
Muitos dos novos influenciadores come�aram suas trajet�rias em busca de se tornarem aquilo que sempre procuraram. “Sei o quanto a escassez de conte�dos voltados para a maquiagem asi�tica pode refletir na vida e na autoestima de pessoas amarelas. Ent�o, encontrei no meu [perfil do] Instagram uma oportunidade de ser aquela refer�ncia que eu n�o tive”, fala Bruna Tukamoto. “Decidi trabalhar com beleza asi�tica quando percebi a falta de refer�ncias para pessoas amarelas. Logo soube que queria ocupar esse espa�o”, completa Vitor Goto.
Conforme crescem as necessidades de se valorizar a individualidade, tamb�m come�am a aparecer profissionais que querem trabalhar com isso. “Guio meu trabalho pelas minhas clientes, deixo-as livres para me contarem o que gostam em si mesmas e o que querem real�ar. N�o altero nenhum tra�o da cliente sem solicita��o”, conta a maquiadora Tain� Moreira. “A representatividade tamb�m � muito importante. Vejo que, para as minhas clientes n�o-brancas, � muito importante que haja pluralidade nas m�dias. Quando elas se reconhecem em outra pessoa, come�am a enxergar mais possibilidades para si mesmas”, completa ela que, hoje, ministra cursos de automaquiagem.
Nas �ltimas d�cadas, a maquiagem e as redes sociais, com seus recursos mais recentes, como os filtros, t�m criado uma busca por valida��o ainda maior entre as pessoas - agora, n�o apenas mulheres, mas tamb�m outros diversos p�blicos que come�am a consumir nestes mercados - que se apossaram cada vez mais desses m�todos a fim de moldar vis�es irreais sobre si e, consequentemente, ocupar espa�os que, antes, seriam inalcan��veis.
O padr�o “Kardashiano” versus novas est�ticas
A fam�lia Kardashian-Jennere exerce uma forte influ�ncia sobre a ind�stria est�tica. Desde t�cnicas de maquiagem a cirurgias pl�sticas, criaram tend�ncias que se popularizaram no mundo inteiro desde 2006, quando a s�rie “Keeping Up With The Kardashians” foi ao ar pela primeira vez e come�ou a ganhar relev�ncia.
A oposi��o ao padr�o criado a partir das mulheres dessa fam�lia (rostos impec�veis com contornos bem demarcados, l�bios carnudos, corpos magros e siliconados) que afeta boa parte da sociedade psicol�gica e fisicamente vem em forma de aceita��o do que se � e de liberta��o de amarras.
“Sempre achei estranhas as regras passadas aos profissionais de maquiagem em forma��o. Para mim, n�o fazia sentido limitar tanto”, conta a maquiadora Tain� Moreira. “H� beleza em todas as pessoas, ent�o n�o faz sentido modificar o rosto delas para que fiquem todos ‘harm�nicos’ e iguais. N�o vou apagar os tra�os �tnicos ou mudar as caracter�sticas que as fazem se reconhecerem como elas mesmas”, completa ela, que come�ou a questionar os padr�es quando come�ou a prestar mais aten��o em si pr�pria.
Algumas marcas tamb�m t�m percebido as tend�ncias dos consumidores e adaptado isso aos seus produtos. Nomes como Fenty Beauty e Glossier e MONA est�o transformando a forma como se consome a maquiagem. Criadas em um contexto que busca por diversidade, auxiliam no processo de estabelecer pessoas fora dos padr�es como criadoras ou difusoras de tend�ncias.
“A maquiagem sempre esteve ligada a muita corre��o, a um sofrimento por n�o se encaixar em um ideal, mas eu tento mudar isso”, conta Julia Tartari, fundadora da MONA, ao portal FFW. “Foi para isso que a marca surgiu. � para a gente brincar, se divertir sem se transformar em outra pessoa”, completa.
''Creio que � a hora de celebrarmos nossas individualidades cada vez mais e, na minha vis�o, a seguran�a pra fazer isso t� diretamente ligada ao autoconhecimento e � autoestima. A maquiagem � uma ferramenta eficaz para a gente se expressar. Mas � uma ferramenta, n�o uma obriga��o''
Tain� Moreira
A pandemia e as rela��es intrapessoais
Com a pandemia e o consequente isolamento social, muitas pessoas come�aram a ter mais tempo livre dentro de casa. Inicialmente, a incerteza e a inseguran�a dominavam a popula��o, mas depois de um tempo, veio o t�dio. Em busca de coisas novas, muitas pessoas recorreram � maquiagem, e a antrop�loga e pesquisadora Monique Lemos explica que isso pode estar relacionado � sa�da de uma estrutura que faz exig�ncias sobre a apar�ncia como um todo. “� uma quest�o estrutural sobre o padr�o de beleza. Agora, podemos avaliar e pensar em um padr�o sem influ�ncias externas”.
''O processo com a maquiagem ajudou a me entender e a me aceitar como mulher nipo-brasileira. N�o preciso fazer uma cirurgia nos olhos para me enquadrar no padr�o e ser bonita. Descobri que posso usar a maquiagem ao meu favor, valorizando meus olhos e destacando meus tra�os. � importante ver que a maquiagem n�o precisa seguir padr�es''
Bruna Tukamoto

A maquiadora Tain� Moreira conta que ministra o curso de automaquiagem h� 3 anos, mas percebeu uma procura maior durante a pandemia. “Muitas das alunas relatam que come�aram a se interessar mais por maquiagem durante esse per�odo e que n�o se identificavam com as maquiagens que foram feitas nelas anteriormente”, relata.
''� poss�vel entender melhor a si mesma a partir da compreens�o dos seus tra�os e a maquiagem pode ajudar nisso porque � uma linguagem muito poderosa. � claro que ela n�o da conta de trabalhar quest�es mais profundas como uma terapia, mas � uma excelente forma de se expressar e entrar em contato com si mesma''
Tain� Moreira
O que se segue dessas novas tend�ncias s�o olhares mais cuidadosos para a beleza, distanciando a maquiagem da culpa e das exig�ncias de se padronizar os corpos e a aproximando da liberdade e de movimentos criativos que incentivam a individualidade.
*Estagi�ria sob a supervis�o de M�rcia Maria Cruz