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Estado de Minas MARVEL

Shang-Chi: representatividade e autoestima de amarelos

Lan�amento da Marvel abriu espa�o para debates sobre representatividade amarela na m�dia


21/01/2022 09:00 - atualizado 21/01/2022 10:47

Montagem com Shang-Chi centralizado em seu traje de batalha vermelho. Atrás dele estão os Dez Anéis nos braços de seu pai. Abaixo dele, há uma miniatura de seu pai em batalha. À sua esquerda, estão sua tia, sua irmã e um de seus inimigos. À sua direita, sua melhor amiga. Todos com expressões sérias.
'Shang-Chi e a Lenda dos Dez An�is' estreou nos cinemas brasileiros em setembro de 2021 (foto: Marvel/Divulga��o)
Shang-Chi e a Lenda dos Dez An�is foi lan�ado nos cinemas brasileiros no dia 2 de setembro de 2021 e no dia 12 de novembro de 2021 na plataforma de streaming Disney+. O filme apresenta um novo her�i ao MCU (Universo Cinematogr�fico da Marvel), Shang-Chi, interpretado pelo ator sino-canadense Simu Liu e conta com dire��o do nipo-americano Destin Daniel Cretton e co-roteiriza��o do sino-americano Dave Callaham.

A trama mostra a origem de Shang-Chi e a sua rela��o conturbada com seu pai, Wenhu (Tony Leung). Al�m deles, h� um n�mero consider�vel de personagens, amarelos em sua maioria, que recebem aten��o e tempo de tela. Sem a estereotipa��o comumente vista at� mesmo nas HQs do her�i, o filme tenta quebrar paradigmas sobre pessoas amarelas sem precisar for�ar nenhum elemento goela abaixo do espectador, que recebe essas informa��es de maneira sutil.

Representa��es amarelas na m�dia

Amarelos possuem ascend�ncia proveniente do leste-asi�tico, a exemplo do Jap�o, China, Mong�lia e as Coreias, mas n�o s�o, necessariamente, asi�ticos. Uma pessoa amarela nascida no Brasil n�o deve ser chamada de asi�tica, pois o primeiro termo se refere �  etnia (assim como negros e brancos) e o segundo se refere � nacionalidade.

N�o � f�cil achar representa��es amarelas na m�dia, principalmente em regi�es onde a concentra��o dessa popula��o � baixa. “S�o poucos os espa�os que temos na m�dia e, quando h�, normalmente � uma representa��o estereotipada”, comenta Bruna Tukamoto, produtora de conte�do.
 
“Tamb�m n�o vemos amarelos em elencos de novelas e, quando tem, s�o atores que est�o ali apenas para ‘serem amarelos’, nada mais”, complementa ela, evidenciando a falta de profundidade que � dada a esse grupo em produ��es audiovisuais.

''N�s n�o vemos amarelos em comerciais de cerveja, mas em propagandas de faculdade de medicina e de computa��o, sim, e justamente porque existe essa ideia do amarelo inteligente, dedicado, pr�spero''

Bruna Tukamoto


Em entrevista � Revista Claudia, a atriz nipo-brasileira Jacqueline Sato comenta que apenas aos 15 anos p�de ter alguma refer�ncia de uma pessoa parecida com ela na televis�o aberta. Foi em Malha��o, que introduziu Miyuki, interpretada pela atriz Daniele Suzuki em 2003. “Antes disso, ligava a TV e n�o via ningu�m parecida comigo. Eu n�o me sentia parte de nada e sonhava em poder ser diferente”, diz Jacqueline.

Hide Haseyama, estudante de teatro, conta que j� teve v�rios problemas de autoestima pela falta de representatividade e que se incomodava com v�rias representa��es estereotipadas. “Eu n�o me via daquele jeito, e isso deturpou a maneira com que eu me enxergava. Sou japon�s e n�o sou bom em exatas? O que � isso? Por que eu sou assim? J� cheguei a pensar que era um erro por tudo isso”, comenta.

Em um desabafo, Hide tamb�m comenta que fez um teste para a grava��o de um material publicit�rio e foi aprovado. J� com a grava��o e o teste de COVID-19 agendados, recebeu uma liga��o de sua ag�ncia falando que o diretor n�o o queria no elenco, pois precisava de uma fam�lia brasileira e um “asi�tico” n�o faria sentido no contexto planejado. Num depoimento semelhante, o ator Carlos Takeshi conta que j� ouviu de um produtor de elenco que “ator japon�s marca muito, chama muito a aten��o”, e que por isso, n�o s�o contratados com frequ�ncia.

''No Brasil, o nipo-brasileiro ainda � visto como o 'japa', o estrangeiro, e essa vis�o tamb�m afeta a presen�a de descendentes de asi�ticos na m�dia''

Carlos Takeshi


Montagem com Shang-Chi em primeiro plano, de costas e olhando para a esquerda num ponto distante. À sua direita, seu pai com os Dez Anéis nos braços em posição de defesa. Abaixo dele, um dos inimigos de Shang-Chi e sua tia.
'Shang-Chi e a Lenda dos Dez An�is' conta com elenco e equipe t�cnica majoritariamente amarela. (foto: Marvel/Divulga��o)

Inf�ncia, representatividade e autoestima

Um elemento que Shang-Chi e a Lenda dos Dez An�is faz brilhar aos olhos � o esfor�o feito para que n�o apenas o elenco tenha sido quase que completamente amarelo, mas tamb�m que a produ��o criativa tivesse uma equipe amarela. “Antes de assistir ao filme, eu j� tinha escutado toda a trilha sonora porque ela foi criada por amarelos. Quando escutei, soube que o filme seria bom”, comentou L�via Kaori Shiba, estudante e artista, sobre suas expectativas em rela��o � produ��o do longa.

''Assim que o filme come�ou, eu j� chorei. Naquela primeira parte em mandarim, eu j� estava arrepiada. Amei o filme porque mostrou muita coisa que a gente vive''

L�via Kaori Shiba



“Quem pertence a um povo � mostrado, e se eu estou sempre vendo rostos diferentes do meu, como crio para mim a ideia de que sou ‘normal’, e n�o ‘ex�tico’? Eu tomo consci�ncia sobre mim e sobre a minha exist�ncia a partir do momento em que algu�m me conscientiza sobre isso”, explica Eliana Chen, psic�loga cl�nica.
 
A representatividade � fundamental para que as pessoas possam se ver e, a partir dessa visibilidade, desenvolver a autoestima. “A ideia de representatividade � demonstrar variedades, e se eu n�o vejo diversidade, possivelmente vou me achar um ‘ponto fora da curva’”, complementa ela. � por isso que a representatividade em Shang-Chi se faz t�o importante para grupos amarelos.

O novo filme da Marvel, que se baseou em um personagem que nunca teve muita popularidade, acabou tendo maior liberdade para desenvolvimento criativo, principalmente por n�o precisar se prender a conceitos s�lidos na hist�ria do her�i e do vil�o. “Eu n�o sabia o que esperar do filme, porque n�o tinha lido sobre ele e nem conhe�o direito a hist�ria da Marvel, mas o que mais me marcou foi a tentativa de se despirem de estere�tipos”, comenta Bruna.

''Podemos ver as individualidades de cada personagem, todos t�m qualidades e defeitos e isso demonstra a pluralidade de uma sociedade, algo que �, muitas vezes, esquecido quando somos tratados como todos iguais''

Bruna Tukamoto


A problem�tica de n�o se representar - ou representar de maneira estereotipada - cria receios entre pessoas racializadas. As associa��es entre representa��es estereotipadas tamb�m t�m feito com que muitos jovens amarelos negassem sua ancestralidade por vergonha, e chegassem a se considerar um “erro” por n�o atenderem aos padr�es da branquitude.

Bruna teve a autoestima afetada por conta dessa falta de representatividade ao ponto de evitar fazer amizade com outras pessoas amarelas. “Achava que eram muito diferentes de mim. Sempre fui muito comunicativa e extrovertida, o oposto do ‘modelo’ de asi�tico. Estar junto de amigos amarelos daria abertura para ouvir coisas como ‘olha l�, os estranhos reunidos’, ou ‘por que voc�s, ‘japas’, andam sempre juntos?’. Sempre quis mostrar que era diferente, amava ser chamada de ‘japa do Paraguai’”, conta ela.

''Sempre tive vergonha dos meus tra�os e negava muito a minha ancestralidade. Hoje, sei que isso tudo foi resultado de uma baixa autoestima gerada pela falta de representatividade''

Bruna Tukamoto


Quem sempre viveu em um ambiente amarelo, geralmente sofre bastante quando se distancia desse meio. L�via tamb�m conta que quando sai de sua bolha, se sente sozinha, deslocada e que � comum ser chamada de palavras aleat�rias da l�ngua japonesa, como “sushi”, “sashimi”, “arigat�”. Apesar de ser frequente, sempre fica chocada quando isso acontece. Ela tamb�m comenta sobre as dificuldades de ser f� de k-pop e amarela ao mesmo tempo. � comum, nesse meio, ter sua ancestralidade questionada, ou ser frequentemente fetichizada por suas caracter�sticas f�sicas.

Muitos amarelos nem chegam a se entender como tal at� um per�odo mais avan�ado da adolesc�ncia ou da vida adulta. “Eu n�o achava que tinha olho puxado at� minha m�e me falar que era descendente de japoneses. Foi um choque para mim. Eu achava que era branco”, diz Enzzo Sato, estudante de hist�ria.

“O conceito de autoestima se associa a v�rias ideias”, explica Eliana. “A forma��o de um Eu � atrelada � minha identifica��o com o outro, e se eu vejo gente parecida comigo ocupando determinados espa�os, significa que eu tamb�m posso ter um lugar l�”, diz. Isso � particularmente importante para as crian�as racializadas, pois est�o num per�odo de desenvolvimento e constru��o de identidade, al�m de serem a parte inicial da estrutura social.

''Quando crian�as, n�s sonhamos muito, � importante ter representatividade''

Jacqueline Sato


Crescer naturalizando ideias sobre quem tem, ou n�o, valor � parte de uma estrutura que precisa de grupos subjugados para manter seus privil�gios. “Estere�tipo serve para limitar pessoas a ideias em uma caixa. � assim, e ponto. Desconsidera muitas vari�veis na cria��o, dificuldades reais, como fisiol�gicas, geogr�ficas e financeiras, e acesso - ou n�o - a privil�gios”, afirma Eliana.

Shang-Chi em seu traje de batalha vermelho em batalha. Ele detém o poder dos Dez Anéis, que brilham sob uma luz amarela.
Shang-Chi era um dos her�is mais desconhecidos do universo da Marvel. (foto: Marvel/Divulga��o)

M�dia e representatividade

Ter uma equipe que faz parte do grupo �tnico a ser representado nas telas � extremamente importante para que haja coer�ncia nos conte�dos produzidos. Parece �bvio, mas h� exemplos bastante negativos at� mesmo na Disney, empresa que det�m os direitos da Marvel.

Ao contr�rio dos v�rios pontos positivos de Shang-Chi e a Lenda dos Dez An�is, o filme live-action de Mulan teve muitos pontos question�veis em rela��o � representa��o e � representatividade. O filme, lan�ado apenas em streaming no Disney , sofreu v�rias cr�ticas por parte da comunidade amarela.

''� como se eles tivessem simplesmente reunido qualquer elemento chin�s e colocado no filme para fazer todos sentirem que ele � muito chin�s. N�o � sobre produtores apreciando elementos de uma cultura que � diferente daquela de Hollywood, mas sim usando isso para criar algo apelativo e confort�vel para os americanos''

Usu�rio chin�s an�nimo na plataforma Weibo


“Tenho ci�ncia de que qualquer produ��o de grandes empresas vai ser feita visando o lucro, ent�o todo tipo de representatividade que eles fazem, pensa no lucro”, diz Enzzo sobre os filmes.
 
Em um contexto de preconceitos e vis�es  atribu�das a grupos minorizados, representa��es n�o estigmatizadas s�o importantes. "Colocando tudo isso na balan�a, acho que � importante a gente n�o supervalorizar [Shang-Chi e a Lenda dos Dez An�is] como algo revolucion�rio, mas tamb�m reconhecer que � importante, sim. Nos faz pensar que, provavelmente, a pr�xima gera��o de crian�as amarelas vai crescer menos complexada que a gente”, afirma Enzzo.


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