
A casa tinha uma sala, uma cozinha, um quarto e um banheiro. Caiu com tudo dentro -fog�o, geladeira, televis�o e o dinheiro que Manoel da Silva, 56, o dono do im�vel, juntava com a venda de peixes.
Tudo ruiu em 26 de setembro. O barranco come�ou a se deslocar, e a percep��o do que ocorria serviu para Manoel e seis filhos que viviam na casa -todos crian�as- fugirem do local antes de uma trag�dia.
Entre o sinal de descolamento da terra e o desmoronamento, passaram-se menos de dez minutos. Manoel e as crian�as se mudaram para a casa que fica logo atr�s, de uma das filhas. Vivem no mesmo espa�o tr�s adultos e nove crian�as.
Todo mundo ali, no m�dio rio Solim�es, perto de Tef� (AM), est� desolado. Nunca houve sinal de que a terra cairia, ao longo das d�cadas que a casa existiu, segundo as filhas de Manoel. Ele quer reerguer o im�vel.
"Eu acho que ele tem que construir mesmo, mas n�o onde caiu. Para c� a terra � firme", diz Maria Rosenilda.
"A gente cresceu nessa casa. Ela � da idade do papai. Nunca havia acontecido nada, nem barulho", lamenta Adriana, que vive em Tef�. A fam�lia � de ind�genas ticunas e integra a chamada Barreira de Cima.
O que ocorreu na margem do Solim�es, da forma como ocorreu, pode ter uma associa��o direta com a seca extrema na regi�o.
A estiagem, apontada como mais severa do que a de 2010 (esta tida como um extremo), provocou o desaparecimento de igarap�s, a convers�o de trechos inteiros do Solim�es em areia, o superaquecimento do lago Tef�, mortandade de botos, isolamento de comunidades e falta de acesso dessas pessoas a �gua pot�vel.
A isso se soma o fen�meno de terras ca�das, comum em per�odos secos na Amaz�nia e que vem se espalhando por diferentes pontos no Amazonas.
Segundo o SGB (Servi�o Geol�gico do Brasil), o fen�meno est� associado a n�veis muito baixos dos rios. Quando h� varia��o brusca nesses n�veis, h� possibilidade de movimentos das margens em grande propor��o, com desmoronamento de barrancos. Em situa��es de seca extrema, os riscos aumentam.
Parte de uma vila em Beruri (AM), cidade na margem do rio Purus, deixou de existir depois do desmoronamento de um barranco. A trag�dia est� associada ao fen�meno de terras ca�das.
Mais de 40 casas foram afetadas pela queda do barranco, na noite do �ltimo dia 30. Nelas viviam 300 pessoas. Pelo menos duas pessoas morreram no incidente.
Em Itacoatiara (AM), parte de um porto no rio Amazonas desabou no �ltimo dia 11, e o epis�dio tamb�m tem rela��o com terras ca�das, segundo autoridades que acompanham as medidas necess�rias para a garantia da log�stica na cidade. Obras de conten��o est�o sendo feitas pelo Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), conforme a Defesa Civil do Amazonas.
Na zona rural de Iranduba (AM), cidade pr�xima a Manaus, parte de uma escola foi arrastada com a queda de um barranco. E, em Manacapuru (AM), um barranco desabou em cima de um barco.
A Defesa Civil aponta a exist�ncia de processos erosivos avan�ados em diversas cidades do estado, inclusive em pontos de acesso a balsas para travessia de ve�culos.
"A situa��o � cr�tica em todo o estado", afirma Francisco M�ximo, secret�rio da Defesa Civil do Amazonas. "A gente est� vivendo uma crise clim�tica, e nem os ribeirinhos esperavam uma situa��o t�o cr�tica."
Na margem do rio Solim�es, as irm�s ticunas tentam assimilar que a casa onde cresceram j� n�o existe. O pai nasceu na mesma beira, segundo elas, numa casa que existiu antes. "Essa casa n�o caiu, ela deixou de existir porque ficou velha, mesmo", diz Rosenilda.
A fam�lia vive da pesca e da planta��o de banana e mandioca. Na estiagem, um po�o artesiano vem garantindo o fornecimento de �gua. Quando falta, eles recorrem a um lago pr�ximo.
O Solim�es ainda tem bastante volume nesse ponto da regi�o, se comparado aos trechos onde virou deserto.
"Ningu�m sabe o que vai acontecer daqui para frente. Ser� que a seca vai ser sempre assim agora?", questiona Adriana. "Meu pai tem esperan�a de construir a casa outra vez."