
Filho de trabalhador rural, Ant�nio Aparecido Silva Marinho, quando crian�a, vendia picol� para se sustentar, nas ruas de Mato Verde, munic�pio castigado pela falta de chuvas, no Norte de Minas. Aos 19 anos, cansado do sofrimento imposto pela seca, mudou-se para Montes Claros (cidade-polo da regi�o), onde hoje, aos 35, � dono de uma sorveteria, em que comercializa cerca de 2 mil picol�s – da marca Sorvetone – por dia e garante o trabalho indireto de pelo menos 20 pessoas. Al�m do pr�prio esfor�o, Ant�nio atribui a expans�o do seu neg�cio ao acesso ao cr�dito banc�rio, tendo recebido pela primeira vez o microcr�dito, no valor de R$ 3 mil e, por conta do crescimento, h� quatro anos obteve novo financiamento, dessa vez de R$ 98 mil.
Como o migrante, milh�es de brasileiros ganham mais oportunidade de subir na vida com a expans�o dos financiamentos voltados para os microempreendimentos, que tamb�m ajudam a aquecer a economia. No fim de mar�o, foi regulamentada, pelo Conselho Monet�rio Nacional (CMN), a Lei 13.636, do Programa de Microcr�dito Produtivo Orientado (PMPO), voltado para microempreendedores, especialmente, para fins de fazer capital de giro. Na semana passada, o governo federal sancionou a Lei do Cadastro Positivo, que facilita o acesso banc�rio a empresas e pessoas f�sicas.
Atualmente, o Banco do Nordeste (BNB) responde por 62% das opera��es de microcr�dito (tem uma carteira de 2,065 milh�es de clientes) no pa�s e, neste ano, a institui��o pretende aplicar em torno de R$ 11 bilh�es na linha de cr�dito com vi�s social (aumento de 20% em rela��o a 2018). As opera��es do BNB se limitam � sua �rea de abrang�ncia, que compreende os estados nordestinos, o Norte de Minas e o Vale do Esp�rito Santo. Tamb�m o Banco Nacional do Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES) e o Banco do Brasil (BB) pretendem fomentar os financiamentos para os donos de pequenos neg�cios, com taxas de juros mais acess�veis, ampliando os programas de microcr�dito em todas as regi�es brasileiras.
O BNDES acaba de lan�ar linha de cr�dito espec�fica para pequenos neg�cios, batizada de “BNDES Cr�dito Pequenas Empresas”. A nova linha ter� limite de R$ 500 mil por cliente, a cada 12 meses. A taxa de juros dever� girar em torno de 1,45%, com prazo m�ximo de 60 meses para pagamento. De acordo com o banco, o objetivo � a gera��o de empregos e a concess�o de cr�dito para empresas de menor porte, respons�veis por mais de 50% dos postos de trabalho formais no pa�s. A nova linha de financiamento n�o tem limite de recursos, mas a expectativa � que a demanda pelo cr�dito atinja R$ 1 bilh�o em pouco tempo, segundo informa��es do pr�prio BNDES.
O banco de fomento informou que liberou, em 2018, o total de R$ 958 milh�es para o programa “BNDES Microcr�dito”, destinando R$ 112,5 milh�es para novas opera��es. Al�m disso, houve o desembolso de R$ R$ 1,9 bilh�o, por meio do Cart�o BNDES, que tamb�m contempla neg�cios de pequeno porte, financiando a aquisi��o de m�quinas, equipamentos, insumos e servi�os. Os valores previstos para 2019 ainda n�o foram divulgados.
JUROS “O limite e os prazos de opera��es no �mbito do BNDES Microcr�dito s�o negociados diretamente entre o cliente e o agente repassador dos recursos. A taxa de juros tamb�m � negociada diretamente, n�o podendo passar de 4% ao m�s. Os recursos s�o repassados a microempreendedores com o limite de renda bruta anual de R$ 200 mil, por agentes operadores habilitados dentro do PMPO.
J� o Banco do Brasil informou que, desde 2011, quando come�ou a atuar o programa de microcr�dito orientado, desembolsou R$ 7,3 bilh�es, para 1,95 milh�o de empreendedores, em 3,9 milh�es de opera��es. Este ano, diz que vai destinar R$ 500 milh�es para a linha de financiamento com vi�s social, por meio do PMPO.
Por sua vez, o Banco Central diz que uma das maiores novidades da regulamenta��o do microcr�dito produtivo � a possibilidade de acompanhamento do tomador do cr�dito de forma n�o presencial, mantida a exig�ncia de o primeiro contato ser realizado no local em que � executada a atividade econ�mica ou em local de conveni�ncia do tomador. Isso possibilita ampliar o uso de tecnologias de informa��o e comunica��o na concess�o do microcr�dito, sem prejudicar as a��es de educa��o financeira do tomador.
De gr�o em gr�o
O microcr�dito funciona como ponto de partida para impulsionar o crescimento empresarial. Na base do “pouco que vira muito”, s�o in�meros os exemplos de pessoas que come�aram com um simples neg�cio, tiveram o “empurr�ozinho” do pequeno empr�stimo, cresceram e migraram para outras linhas de financiamento, voltada para empreendimentos maiores.
Microempreendedor que recorreu ao microcr�dito recentemente, Douglas Cordeiro Gon�alves, de 27 anos, est� apostando as fichas na linha de financiamento para crescer. Em mar�o, ele recebeu empr�stimo no valor de R$ 3,5 mil para investir em sua pequena loja de presta��o de servi�os na �rea de inform�tica (manuten��o de computadores e notebooks), em Montes Claros. “Espero que, com esse financiamento, eu possa comprar equipamentos para melhorar o servi�o e ampliar o faturamento”, diz Douglas.
Outro exemplo de expans�o dos neg�cios a partir do microcr�dito � C�tia Cilene Rodrigues, que se tornou benefici�ria de outra linha de financiamento. H� 20 anos, quando tomou o primeiro empr�stimo, pelo Banco do Nordeste, ela tinha um sal�o de uma porta, na Vila An�lia, periferia de Montes Claros, em que trabalhava como manicure e cabeleireira. Hoje, C�tia � dona da Karisma Noivas, loja de aluguel de vestido de noiva e outros trajes para festas e casamentos, localizada no Centro da cidade. Entrou no ramo h� 17 anos, quando ainda tinha o sal�o de beleza. H� quatro anos, a empres�ria recebeu financiamento no valor de R$ 25 mil, de uma linha de cr�dito de outro banco, o Ita�, para aumentar o estoque de roupas que vende e aluga. “Acho que o governo deveria investir no sistema de microcr�dito. Acho que � uma coisa que ajuda muito quem est� come�ando, pois o juro � baixo e o financiamento � liberado sem muita burocracia. Isso representa um voto de confian�a nas pessoas”, afirma a comerciante, que emprega 15 pessoas.
O microempreendedor individual Geraldo Claudino Rodrigues, recebeu, h� um ano e tr�s meses, R$ 2 mil do programa de microcr�dito do BNB, para melhorar sua produ��o de past�is, salgados e derivados de batata, que vende em uma feira de alimentos. “O juro � muito baixo. Quero pegar um empr�stimo de R$ 5 mil, para comprar uma moto e uma carretinha para o transporte dos produtos”, diz Geraldo, revelando que, antes da experi�ncia com o microcr�dito, “nunca tinha entrado em um banco”.
INCENTIVO Na lideran�a das opera��es de microcr�dito no pa�s, o Banco do Nordeste, desde o in�cio do ano, j� previa o crescimento de 20% nas libera��es dessas linhas de cr�dito facilitadas em 2019, com a pretens�o de atingir R$ 11 bilh�es de contrata��es, contra R$ 8,9 bilh�es em 2018. Mas depois da regulamenta��o do PMPO pelo Banco Central e da publica��o da Lei do Cadastro Positivo, a institui��o j� trabalha com a expectativa de superar a meta de aumento do microcr�dito este ano, segundo o superintendente de microfinan�as e de agricultura familiar do BNB, Alex Ara�jo. Ele ressalta que um dos pontos da lei que vai estimular a linha de cr�dito � o aumento do limite dos empr�stimos, de R$ 15 mil para R$ 20 mil.
Para o professor Paulo Feldmann, da Faculdade de Administra��o e Economia (FEA) da Universidade de S�o Paulo (USP), o microcr�dito � uma ferramenta que incentiva os novos empreendimentos e que combate o desemprego, mas o impulso dessa pol�tica de cr�dito depende da ado��o de outras medidas por parte do governo.
“Claro que o microcr�dito � fundamental para estimular o empreendedorismo e combater, dessa forma, o desemprego. Mas onde ele existe e funciona h� uma pol�tica p�blica nacional que o regulamenta e prev� isen��es tribut�rias para quem o concede. Isso, no Brasil, s� pode ser feito pelo governo federal e desconhe�o se algo nesse sentido est� sendo considerado”, afirma Feldmann.
Microcr�dito
» 10 institui��es que mais trabalham com microcr�dito no Brasil:
Banco do Nordeste (BNB), Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econ�mica Federal, Santander, Ita�/Unibanco, Citibank, Amaz�nia (Basa), Estado do Esp�rito Santo (Banestes), Bank of America Merril Lynch
» Principais fontes de recursos do microcr�dito:
direcionamento obrigat�rio de 2% dos dep�sitos � vista dos bancos e recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)
» Quem pode ser atendido:
microempreendedores com receita bruta anual de at� R$ 200 mil
» Limite do empr�stimo:
at� R$ 20 mil
» Limite m�ximo do saldo devedor do tomador dos empr�stimos:
R$ 80 mil
Fonte: Banco Central/CMN
Saiba mais
Cadastro positivo
De acordo com o Banco Central, o cadastro positivo visa reduzir a assimetria de informa��es no mercado credit�cio e, assim, melhorar a qualidade da concess�o de cr�dito no pa�s. O BC salienta que, a partir da lei que aperfei�oou o cadastro positivo, “um maior volume de informa��es sobre o adimplemento de obriga��es passa a ser compartilhado mais livremente no mercado de cr�dito, permitindo que institui��es financeiras possam oferecer empr�stimos e financiamentos em maior volume e a menor custo, a cidad�os e empresas que demonstram ter menor risco de cr�dito”. O Banco Central lembra que as micro e pequenas empresas e “os cidad�os com baixo ou nenhum relacionamento com o sistema financeiro tendem a ser os maiores benefici�rios do desenvolvimento do cadastro positivo”, tendo em vista que “s�o justamente eles aqueles sobre os quais as institui��es financeiras t�m hoje menos informa��es”. “O cadastro positivo, ao reunir informa��es sobre o hist�rico de cr�dito e, principalmente, de pagamentos de servi�os continuados, amplia o volume de informa��es sobre essas pessoas e empresas, possibilitando �queles considerados bons pagadores maior acesso ao mercado formal de cr�dito a custo mais baixo”, considera o BC.