Fernando Haddad com mãos abertas e expressão de questionamento; ao fundo, Simone Tebet

Governo quer transformar d�ficit de R$ 231 bilh�es em super�vit de R$ 11 bi

Reuters

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou nesta quinta-feira (12/1) uma s�rie de medidas com o objetivo de reverter o d�ficit prim�rio de R$ 231 bilh�es estimado para as contas do governo federal em 2023.

O pacote inclui a��es para aumentar a arrecada��o do governo, incluindo um programa de renegocia��o de d�vidas em lit�gio, al�m da previs�o de corte de despesas a partir de a��es como revis�o de contratos.

Segundo a equipe econ�mica, se todas as medidas forem totalmente bem-sucedidas seria poss�vel transformar o d�ficit equivalente a -2,2% do PIB (Produto Interno Bruto) em um super�vit de R$ 11 bilh�es.

Em sua fala, no entanto, Haddad foi mais ponderado, admitindo que o cen�rio mais prov�vel � de um d�ficit entre R$ 90 bilh�es e R$ 100 bilh�es, equivalente a 1% do PIB ou um pouco menos do que isso.

"A meta de cada a��o zera o d�ficit, mas n�s sabemos que isso n�o vai ser atingido. Mesmo que a gente tome medidas para repor a frustra��o, tem um atraso que vai acontecer. E h� despesas que podem surgir, porque a gente n�o recebeu o governo com transpar�ncia", disse Haddad.

"Mas n�s entendemos que essas medidas, aprovadas pelo Congresso, se tiver uma resposta da autoridade monet�ria, n�s podemos pensar 2023 com d�ficit inferior a 1% do PIB. Vamos perseguir essa meta", completou o ministro.


Fernando Haddad, ao lado de Simone Tebet, cumprimenta Lula; todos com expressão de felicidade

A perspectiva � de que Haddad anuncie as novas regras fiscais, que devem substituir o teto de gastos %u2014 repetidamente 'furado' durante a gest�o Jair Bolsonaro (PL) %u2014 ainda neste semestre

Reuters

Economistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que o an�ncio vai na dire��o correta, mas acreditam que o governo ainda precisa dar mais elementos para convencer o mercado e a sociedade de que os planos tra�ados s�o fact�veis.

"Como primeira sinaliza��o, � positiva. Mas continua sendo verdade que vamos precisar esperar para ver o novo arcabou�o fiscal e a reforma tribut�ria, que devem ser as grandes medidas fiscais desse ano", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

A perspectiva � de que Haddad anuncie as novas regras fiscais, que devem substituir o teto de gastos — repetidamente "furado" durante a gest�o Jair Bolsonaro (PL) — ainda neste semestre.

Quanto � reforma tribut�ria, � grande a expectativa de que ela prospere ainda este ano, diante da escolha do economista Bernard Appy como secret�rio especial para o tema — ele � o autor de uma das propostas de reforma cujo debate j� est� mais maduro no Congresso.

O rombo nas contas p�blicas previsto para 2023 foi ampliado ap�s a aprova��o da PEC da Transi��o, que visava garantir recursos para despesas como o Aux�lio Brasil de R$ 600 este ano.

Entenda o pacote anunciado por Haddad nesta quinta-feira e por que economistas viram o an�ncio com um otimismo cauteloso.

O que � d�ficit prim�rio e por que ele preocupa

O d�ficit prim�rio acontece quando o governo gasta mais do que arrecada com tributos.

O setor p�blico brasileiro tem registrado d�ficits todos os anos desde 2014. Isso � um problema pois significa que o governo precisa se endividar para cumprir seus compromissos financeiros.

Quanto maior a d�vida, mais aumenta a desconfian�a do mercado financeiro quanto � capacidade do governo de pag�-la. Isso afeta as expectativas dos agentes, e acaba resultando, por exemplo, em alta do c�mbio, o que pressiona os custos importados da economia, gerando infla��o.

Com mais infla��o, o Banco Central acaba tendo de manter juros elevados para cont�-la. Esse combo de desconfian�a do mercado, c�mbio desvalorizado e infla��o e juros em alta inibe o crescimento da economia, que assim tem mais dificuldade para gerar empregos.

Por isso o mercado olha t�o atentamente para este pacote anunciado por Haddad.

O que Haddad anunciou

O pacote anunciado por Haddad nesta quinta-feira tem quatro grupos de medidas:

  • Reestimativa de receitas (com impacto estimado de R$ 36 bilh�es)
  • A��es de receitas permanentes (R$ 83 bilh�es)
  • A��es de receitas extraordin�rias (R$ 73 bilh�es)
  • Redu��o de despesas (R$ 50 bilh�es)

Dentre as medidas anunciadas est�o um novo programa de parcelamento extraordin�rio de d�vidas, chamado de "Lit�gio Zero".

A iniciativa visa recuperar recursos de processos administrativos do Conselho de Administra��o de Recursos Fiscais (Carf) — �rg�o que analisa demandas tribut�rias de contribuintes.

Segundo a pasta, os processos parados no conselho somam mais de R$ 1 trilh�o e o programa vai conceder de 40% a 50% de desconto sobre o valor total do d�bito e possibilidade de parcelamento em 12 vezes para d�bitos at� 60 sal�rio m�nimos.

Para empresas com d�vida acima disso, ser�o oferecidas condi��es especiais de pagamento.

Tamb�m est� prevista a volta do chamado "voto de qualidade" no Carf, que prev� que, em caso de empate em julgamento no �rg�o, o resultado � favor�vel � Receita. Isso havia sido revertido em 2020, durante o governo Bolsonaro, o que imp�s derrotas bilion�rias � Uni�o.

O pacote inclui ainda a revers�o do corte nas al�quotas de PIS/Cofins sobre receitas financeiras de grandes empresas aprovado por Bolsonaro.

E o aproveitamento de cr�ditos de ICMS por empresas, a partir do resultado de um julgamento do STF que retirou o ICMS da base de c�lculo de PIS/Cofins nas opera��es de venda feitas pelas companhias.

Na planilha de Haddad, constam ainda quase R$ 30 bilh�es de receitas com o fim da desonera��o da gasolina e do etanol a partir de mar�o. Mas o ministro deixou claro que a decis�o n�o est� tomada e caber� ao presidente Luiz In�cio Lula da Silva.

"Essa decis�o s� ser� tomada quando estivermos � frente da Petrobras e no momento adequado. � o que a lei hoje est� prevendo. Que a desonera��o da gasolina [v�] at� o final de fevereiro e do �leo diesel e g�s at� o fim do ano. Est� na forma da lei atual, isso n�o impede o presidente da rep�blica de reavaliar esses prazos", disse Haddad.


Tabela com medidas anunciadas por Haddad

Tabela com medidas anunciadas por Haddad

BBC

Como economistas viram as medidas anunciadas

"A tabela apresentada por Haddad � ambiciosa, mas a fala � menos ambiciosa, o que � positivo", avalia Sergio Vale, da MB Associados.

"Ele assumir que o d�ficit deve ficar na casa de 1% do PIB, que � o n�mero que estimamos para esse ano, � uma percep��o de que n�o vai conseguir entregar tudo que est� a� [na tabela] e se conseguir entregar cerca de metade, j� est� de bom tamanho."

Vale acredita que medidas como a revers�o de desonera��es feitas pelo governo Bolsonaro, a arrecada��o de PIS/Pasep e o uso de cr�ditos do ICMS s�o quase certas de ter sucesso.


Ministro Fernando Haddad com expressão de desânimo em Brasília

'A tabela apresentada por Haddad � ambiciosa, mas a fala � menos ambiciosa, o que � positivo', avalia Sergio Vale, da MB Associados

EPA

Quanto � reestima��o de receitas, o economista destaca que isso vai depender do crescimento do PIB e da infla��o esse ano, ent�o o ganho de R$ 36 bilh�es estimado pelo governo com essa medida ainda est� em aberto.

"Ou seja, quase metade do anunciado, deve se conseguir esse ano, o resto est� em aberto e s�o quest�es mais de longo prazo", diz Vale. "Mas, de qualquer maneira, a hora em que o ministro assume que deve entregar resultado [prim�rio deficit�rio] em torno de 1% do PIB, j� � positivo."

Carlos Kawall, ex-secret�rio do Tesouro Nacional e atualmente s�cio da Oriz Partners, � um pouco mais cauteloso.

"Uma condi��o necess�ria para mitigar o impacto da PEC da Transi��o � o governo buscar medidas de receita e despesa o quanto antes. Ent�o eu diria que � um passo na condi��o necess�ria, mas como n�o tenho elementos para avaliar algumas das medidas que s�o expressivas em termos de aumento de receita, n�o estou convencido de que o pacote � suficiente para cobrir o d�ficit."

Ele cita, por exemplo, a previs�o de R$ 50 bilh�es em receitas a partir de "incentivos � redu��o da litigiosidade do Carf" e R$ 5 bilh�es a partir de "den�ncias espont�neas" ao �rg�o.

"O princ�pio me parece correto, de haver incentivos para reduzir o lit�gio, incluindo perd�o de multa, juros e encargos que incidem sobre esses valores. Ocorre que, muitas vezes, o lit�gio decorre de uma convic��o do contribuinte de que ele n�o deve aquele valor. E a inst�ncia do Carf � a primeira, � poss�vel ele ter uma decis�o desfavor�vel ali e buscar a via judicial", pondera o economista.

Diante dessas e outras incertezas, Kawall acredita ser improv�vel o super�vit de R$ 11 bilh�es. J� o d�ficit em torno de 1% do PIB ele acha fact�vel, mas pouco impressionante, considerando que a expectativa do mercado para o d�ficit prim�rio este ano est� em 1,2%, segundo o boletim Focus do Banco Central.

"O jogo ter� que ser ganho por eles dando mais elementos para acreditarmos que essas medidas de fato podem gerar as receitas previstas. Ou, se n�o gerarem, adotarem medidas que sejam equivalentes e que garantam que cheguemos l�."