Simone Tebet, ministra do Planejamento

Simone Tebet, ministra do Planejamento

Francisco Stuckert /Fotoarena/Folhapress
A ministra do Planejamento e Or�amento, Simone Tebet (MDB), tem a ambi��o de promover uma reforma estrutural numa �rea que considera limitada pela vis�o de curto prazo, a montagem do Or�amento federal. Uma de suas prioridades � frente da pasta � incluir proje��es, olhando os anos adiante.

"� preciso ampliar um pouco esse horizonte, deixar de falar apenas de Or�amento anual e ter proje��o de m�dio prazo -estou falando a� de quato anos", afirma em entrevista � Folha de S.Paulo.

"Essa miopia or�ament�ria, essa vis�o de curto prazo, n�o est� dando certo. Precisa ter uma vis�o de m�dio e longo prazo, porque n�o d� para pensar o pa�s como se os problemas fossem anuais."

Ao mesmo tempo, Tebet considera imprescind�vel implantar um sistema de avalia��o dos gastos. A Secretaria de Avalia��o e Monitoramento de Pol�ticas P�blicas, segundo ela, vai utilizar os melhores instrumentos internacionais para trazer essa pr�tica ao Brasil.

"Vai atuar para que a gente possa definitivamente falar de qualidade de gastos p�blicos e implantar aquilo que h� de mais moderno no mundo, obviamente adaptado � nossa realidade", afirma. "Estou falando especialmente do 'spending review' [revis�o de gastos, onde o desempenho de pol�ticas p�blicas � avaliado para ver se est�o cumprindo objetivos], que � uma boa pr�tica internacional."

Segundo ela, os efeitos dos atos de vandalismo do �ltimo domingo (8) exigem aten��o tamb�m na economia, porque alimentam incertezas. Por isso, o governo est� mais atento, especialmente na esfera pol�tica.

"Domingo mudou tudo, nos colocou em alerta, n�s temos que dormir com os dois olhos abertos", diz ela. "E n�s estamos muito atentos." Confira os principais trechos:

 

PERGUNTA - A sra. j� definiu as prioridades, as de curto prazo, para este primeiro trimestre, e j� teria uma grande meta maior para sua gest�o, olhando o longo prazo, os quatro anos de governo?

SIMONE TEBET - Sim. A composi��o das secretarias fala por si s�. A� tem a primeira fotografia daquilo que n�s queremos.

Acho que a Secretaria de Avalia��o e Monitoramento de Pol�ticas P�blicas � a cereja do bolo. Vai atuar para que a gente possa definitivamente falar de qualidade de gastos p�blicos e implantar aquilo que h� de mais moderno no mundo, obviamente adaptado � nossa realidade. Estou falando especialmente do 'spending review' [revis�o de gastos], que � uma boa pr�tica internacional.

Dentro da Secretaria de Or�amento e Finan�as, a SOF, que todo mundo coloca como carro chefe do minist�rio, est� Paulo Bijos. Um rapaz muito experiente, que vem do Congresso Nacional. Nela, basicamente, temos duas grandes prioridades.

A primeira �, em parceria com a Secretaria de Planejamento e em articula��o com PPA [Plano Plurianual], come�ar a falar em or�amento de m�dio prazo. � preciso ampliar um pouco esse horizonte, deixar de falar apenas de Or�amento anual e ter proje��o de m�dio prazo -estou falando a� de quatro anos. A gente vai ter que enfrentar um grande problema, que � a miopia que hoje existe, que � a vis�o de curto prazo,

A segunda prioridade � a revis�o or�ament�ria peri�dica. A gente precisa trazer para o Brasil essa pr�tica internacional. Sabemos que temos o apoio de outros �rg�os, como Tribunal de Contas da Uni�o, o pr�prio STF [Supremo Tribunal Federal] j� tem discutido essa quest�o.

H� sempre uma certa desaten��o com essa quest�o da base or�ament�ria e sabemos que temos problemas a enfrentar, mas estamos muito otimistas porque chegamos ao fundo do po�o, e uma situa��o adversa muitas vezes nos favorece, n�?

 

P.- A sra. mesma falou, no Brasil a vis�o � mais imediatista. Como colocar na pr�tica essa proposta de Or�amento de m�dio prazo?

ST- De duas formas. Primeiro, colocando a Secretaria de Or�amento para se articular com a Secretaria de Planejamento. N�o vamos atuar com quatro caixinhas, ou seja, quatro secretarias isoladas.

A segunda � mostrar que essa miopia or�ament�ria, essa vis�o de curto prazo, n�o est� dando certo. Precisa ter uma vis�o de m�dio e longo prazo, porque n�o d� para pensar o pa�s como se os problemas fossem anuais. Eles se prolongam. E voc� n�o consegue pensar o pa�s ao longo do tempo assim.

N�s temos uma determina��o do presidente da Rep�blica para que o PPA seja efetivamente participativo, e vamos cumprir � risca essa ordem.

Sabemos que o governo tem um vi�s social forte, e n�s vamos colocar essa pol�tica social dentro do Or�amento. Ela tem que caber. O cobertor � curto, mas sabemos que � preciso remodelar o cobertor.

Eu confio nesse time. Eles est�o prontos e sabem que quem ganhou a elei��o foi o presidente Lula e que n�s temos que nos adaptar e nos adequar dentro das nossas possibilidades.

 

P.- Or�amento participativo foi uma experi�ncia bem-sucedida do PT na prefeitura de Porto Alegre. Como fazer um or�amento participativo funcionar no governo federal?

ST- Colocando a Leany Lemos para trabalhar. Ela foi secret�ria de Planejamento [na primeira gest�o de Eduardo Leite] no governo do Rio Grande do Sul e tamb�m no DF [Distrito Federal]. Ela � nossa secret�ria de Planejamento no minist�rio.

Tamb�m j� falei com o secret�rio-geral da Presid�ncia da Rep�blica [M�rcio Mac�do] para, dentro da disponibilidade de cada um e do pr�prio governo, rodar o Brasil. N�o sei se conseguiremos pessoalmente fazer todos os estados. Mas a discuss�o do Or�amento federal poder� se dar nas assembleias legislativas e outros f�runs competentes em cada estado.

 

P.- O CMAP [Conselho de Monitoramento e Avalia��o de Pol�ticas P�blicas] existe desde 2016, mas nunca conseguiu efetivamente incorporar esse processo ao Or�amento. Como vencer essa quest�o e tamb�m as resist�ncias de uma parcela da esquerda, que interpreta a avalia��o como um sin�nimo de ajuste de gastos?

ST- Primeiro, a cria��o da da Secretaria de Avalia��o e Monitoramento � um grande passo nesse sentido. Segundo, colocamos a pessoa certa no lugar certo. O professor S�rgio Firpo n�o � s� um acad�mico nessa �rea, mas tamb�m tem uma experi�ncia muito grande no tema. J� trabalhou inclusive para o Tribunal de Contas da Uni�o.

H� entendimento sobre a import�ncia disso n�o apenas no Minist�rio do Planejamento, mas tamb�m na equipe econ�mica. Pode haver resist�ncia de uma ala do Partido dos Trabalhadores, � natural que aconte�a. Mas o governo federal hoje tem nos dado, atrav�s do ministro Fernando Haddad, sinais assertivos de que sabe que n�o h� crescimento sustent�vel com um d�ficit de R$ 230 bilh�es, mais de 2% do PIB [Produto Interno Bruto].

N�s temos que agir. Ou � isso, ou n�s vamos estar falando daquilo que o pr�prio governo n�o quer: infla��o alta, juros altos, que comem o sal�rio do trabalhador, empurram a classe m�dia para a linha da pobreza.

Quero deixar claro que, em todas as conversas que j� tive com o ministro Haddad -e n�o foram poucas-, vi da parte dele e de sua equipe o objetivo de, no m�nimo, zerar o d�ficit fiscal em 2023. Essa proposta de reestrutura��o fiscal � a primeira, e ele mesmo deixou claro que, se n�o conseguir chegar ao resultado almejado, outras poder�o vir. Come�ou pela receita, mas no momento certo, depois de uma an�lise mais criteriosa com a nossa equipe, tamb�m [vir�o] outras medidas nas despesas tamb�m.

 

P.- Toda essa discuss�o perpassa a elabora��o de uma nova regra fiscal. O Planejamento vai participar e j� tem proposta?

ST- N�s acabamos de chegar e n�o temos uma proposta, mas, sim, vamos participar da elabora��o da nova regra ou novo arcabou�o fiscal, seja l� o nome que vamos dar.

Temos de falar de duas frentes. Uma � a do novo arcabou�o fiscal e a outra trata de impulsionar, o mais r�pido poss�vel, a aprova��o da reforma tribut�ria.

Esse aspecto eu conhe�o relativamente bem, porque estava l� [no Congresso] j� havia oito anos. Tenho que dizer que s� n�o foi aprovada no Senado por pura in�rcia do ex-presidente [Jair] Bolsonaro. Ela estava madura para votar, mas, infelizmente, o ex-ministro da Economia, em vez de discutir reforma tribut�ria pelo lado do consumo, for�ou a m�o em rela��o �quela reforma do Imposto de Renda. Ela mexia na tabela do Imposto de Renda, mas, no fundo, era para compensar esse d�ficit que surgiria. Ele [Paulo Guedes] queria implantar um imposto digital no Brasil -a antiga CPMF disfar�ada com batom.

 

P.- A sra. foi uma das poucas candidatas que defendeu a manuten��o do teto de gastos. Para o novo arcabou�o, ainda defende o teto ou algum limite de gastos?

ST- Eu n�o posso falar nada sem conversar antes com o ministro da Fazenda e a equipe econ�mica. N�o sou mais uma pol�tica, eu sou uma ministra de um governo que se sagrou vencedor nas urnas.

Quando eu tive a conversa com o presidente Lula [para assumir a pasta], foi exatamente nesses moldes. Ele sabe da minha diverg�ncia na �rea econ�mica, mas tamb�m da minha total converg�ncia nos dois princ�pios que nos unem: a defesa intransigente da democracia e o cuidado absoluto com a cidadania.

Minha grata surpresa � encontrar um ministro da Fazenda que tem converg�ncia com aquilo que eu penso. Tenho tranquilidade que seremos ouvidos quando formos chamados a discutir esse novo arcabou�o fiscal. O teto de gastos j� n�o existe mais. Foi furado diversas vezes. No final do ano passado, praticamente se extinguiu. E o presidente j� disse que n�o quer o teto. Ent�o, n�o tem mais o que se discutir em rela��o ao teto de gastos. N�s temos que discutir uma nova f�rmula.

 

P.- Em seu discurso de posse, a sra. mencionou essa diverg�ncia, mas n�o chegou a detalhar. Seria a quest�o das privatiza��es, coisas desse g�nero?

ST- N�o, n�o � no sentido espec�fico. Sou contra essas discuss�es: voc� � fiscalista ou desenvolvimentista? Acho sempre que a virtude est� no meio. Sou a favor de privatiza��es, mas sempre refutei a ideia de privatizar bancos p�blicos ou a Petrobras, no que se refere � extra��o do pr�-sal. N�o gosto de me enquadrar em caixinhas, n�o acho que o mundo tem que ser bin�rio.

[A discuss�o] � mais essa quest�o de colocar a responsabilidade com os gastos p�blicos. Mas a minha surpresa foi encontrar um ministro da Fazenda muito preocupado com a quest�o fiscal. Ele tem dito que para investir em educa��o, sa�de, meio ambiente, n�s vamos precisar resolver o problema do d�ficit, que � insustent�vel no Brasil.

 

P.- H� uma discuss�o sobre dar ou n�o um aumento adicional ao sal�rio m�nimo. Quando foi aprovado o Or�amento, a ideia era reajustar a R$ 1.320, e agora isso pode ter um custo adicional de R$ 7,7 bilh�es. Como a sra. v�?

ST- Quando aprovamos a PEC no Senado, deixamos um espa�o fiscal de quase R$ 7 bilh�es para um poss�vel aumento para R$ 1.320 do sal�rio m�nimo. Acontece que, no final do ano, diminuiu a fila da Previd�ncia em milhares de aposentados. Por causa disso, esse espa�o fiscal foi consumido. Essa � uma decis�o pol�tica do presidente. Mas, se chegar a um valor maior que R$ 1.302, n�s vamos ter que tirar de outro lugar, porque o teto de gastos ainda persiste, ainda que com v�rios subtetos e todo furado.

 

P.- Como v� a percep��o de alguns grupos de que a sra. acabou ficando com um minist�rio desidratado, dado que boa parte das secretarias ficou na Gest�o e houve o impasse em torno do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos)?

ST- Quando falei do PPI, queria saber se n�s ter�amos inger�ncia porque cabe a n�s o planejamento. E o planejamento precisa ser global. Era s� isso. Particularmente acho que desmembrar o Minist�rio da Gest�o fez com que n�s pud�ssemos ser mais �geis, mais eficazes, mais precisos nas nossas decis�es.

Eu n�o vejo como esvaziamento. Vejo como uma forma de tornar eficiente a pol�tica p�blica. No Minist�rio da Gest�o, al�m da quest�o de reajuste salarial, discuss�o com categorias, a Secretaria de Patrim�nio da Uni�o tem mais de 700 mil im�veis espalhados por todo o Brasil. Ao dividir, isso s� fez com que nossos olhos se voltassem para aquilo que � essencial: repensar o planejamento no Brasil, com o Or�amento de m�dio prazo e uma revis�o peri�dica desse Or�amento.

 

P.- Lula venceu com a ideia de governo para todos. Mas a sra. aceitou o convite de Jo�o Doria para um evento em Portugal e causou mal-estar dentro do PT, principalmente ap�s o dia 8, porque Doria, apesar de ter brigado com Bolsonaro, foi antes um opositor de Lula e apoiador de Bolsonaro. O governo para todos pode ser prejudicado pelos �ltimos acontecimentos?

ST- N�o, de forma alguma. Primeiro que eu s� disse que sim e que iria ouvir a Casa Civil, s�o quatro que foram convidados. Nem sei se vamos, isso n�o est� acertado. � um primeiro m�s dif�cil. A ordem do presidente, inclusive, � que a gente permane�a o m�ximo poss�vel para trabalhar. N�o acho que seja a quest�o Doria. Viajar ou n�o � por uma quest�o de instabilidade pol�tica. Domingo mudou tudo, nos colocou em alerta, n�s temos que dormir com os dois olhos abertos. E n�s estamos muito atentos.

 

P.- Para ficar vigilante em rela��o a qu�?

ST- Vigilante em rela��o a esses ataques golpistas. Qualquer rebeli�o, maior ou menor, impacta a economia, cria incertezas, e n�s vamos ter que estar atentos.

N�s demos uma demonstra��o cabal de que h� uma uni�o da frente ampla. Estiveram 27 governadores com o presidente Lula, e o Congresso Nacional deu uma resposta de imediato � interven��o federal.

Lamentavelmente, o ex-presidente [Jair] Bolsonaro deu a senha nos quatro anos de mandato, colocando parte da sociedade contra as institui��es, contra o Judici�rio, o Congresso Nacional, e tamb�m ap�s a elei��o, discutindo o resultado das urnas, de forma covarde saiu do Brasil e deixou lobos solit�rios.

N�s temos que nos preocupar, sim. N�o vejo amea�a � democracia, muito longe disso, mas qualquer rebeli�o ou foco isolado que tenha precisa ser rapidamente debelado. N�o � uma quest�o s� do ministro da Justi�a ou da Seguran�a P�blica ou de for�as nacionais. � uma responsabilidade de todos n�s que estamos na vida p�blica.