Lula ao lado do presidente da Argentina, Alberto Fernández

Governos dos dois pa�ses conversar�o sobre gasoduto Vaca Muerta, na Argentina

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O presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) d� in�cio � sua primeira viagem internacional ap�s a posse. Os destinos s�o a Argentina e o Uruguai.

viagem ï¿½ tratada pela diplomacia brasileira como um marco de um pretenso "retorno" do Brasil ao palco internacional.

Mas, al�m de uma demonstra��o de prest�gio internacional, Lula e sua equipe tratar�o de temas considerados estrat�gicos. E entre eles est� a integra��o energ�tica entre o Brasil e a Argentina.

E � a� que um antigo conhecido da pol�tica externa petista poder� voltar a entrar em cena: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES).

O governo argentino busca recursos para concluir a constru��o do gasoduto que poder� ligar o campo de Vaca Muerta, um dos maiores do mundo, at� a divisa com o Rio Grande do Sul.

Em dezembro, j� ap�s a vit�ria de Lula nas elei��es, autoridades argentinas chegaram a anunciar que o BNDES financiaria at� US$ 689 milh�es (o equivalente a R$ 3,5 bilh�es em cota��o atual) para o projeto.

Na ocasi�o, o banco, � �poca ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), emitiu uma nota negando a opera��o.

Com a mudan�a de governo, no entanto, a expectativa em torno da poss�vel participa��o do banco no projeto � diferente. Isso acontece, em parte, pelo hist�rico recente dos governos do PT na utiliza��o do banco para financiar obras em pa�ses na Am�rica Latina e na �frica.

Essa pr�tica foi alvo de investiga��es da Opera��o Lava Jato e foi largamente criticada pela oposi��o e por Bolsonaro.

Fontes do governo e do BNDES ouvidas pela BBC News Brasil sob condi��o de anonimato afirmam, no entanto, que a ideia � de que o banco possa atuar no projeto, mas n�o como fazia no passado, financiando servi�os de engenharia realizados por empreiteiras brasileiras.

Agora, segundo essas fontes, o banco se limitaria a financiar a compra de equipamentos e pe�as fabricadas no Brasil a serem usadas na obra.

O gasoduto de Vaca Muerta

A obra que poder� marcar o retorno do BNDES a projetos internacionais em um novo governo petista � uma das mais ambiciosas da Argentina.

Trata-se de um gasoduto para transportar g�s natural produzido no campo de Vaca Muerta, localizado na Prov�ncia de Neuqu�n, a oeste da regi�o da Patag�nia, at� os principais mercados consumidores.

Estimativas apontam que esta seja a segunda maior jazida de g�s de xisto do mundo e a quarta de petr�leo n�o-convencional. O petr�leo n�o-convencional � aquele que demanda mais energia para a sua extra��o.


Plataforma de perfuração de petróleo e gás de xisto de Vaca Muerta, na província patagônica de Neuquen, na Argentina

A obra de Vaca Muerta poder� marcar o retorno do BNDES a projetos internacionais

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Usualmente, para que seja extra�do da terra s�o usadas t�cnicas como o fraturamento hidr�ulico - o "fracking" -, que � a inje��o de uma mistura de �gua e areia que quebra as rochas nas quais o �leo est� preso, facilitando sua retirada.

A t�cnica � alvo de cr�ticas de ambientalistas e povos origin�rios por supostamente comprometer reservas de �gua e causar instabilidades geol�gicas onde � aplicada.

O principal trecho da obra � o que leva o g�s at� Buenos Aires, mas um segundo trecho est� previsto para chegar at� a Prov�ncia de Santa F�, perto da fronteira com o Brasil.

Para o Brasil, o plano � trazer g�s ao pa�s, diminuindo, assim, a depend�ncia em rela��o a outras fontes do produto como a Bol�via.

Em 2021, o g�s natural era a segunda maior fonte de oferta de energia no Brasil, respondendo por 12,8%, atr�s apenas das fontes hidr�ulicas, que correspondiam a 56,8%.

Em junho de 2022, o ex-presidente Bolsonaro afirmou, em um evento da Confedera��o Nacional da Ind�stria (CNI), que havia negocia��es avan�adas para que o g�s argentino chegasse ao Brasil.

Agora, a expectativa � que os presidentes Lula e Alberto Fern�ndez assinem um memorando de entendimento sobre o tema energ�tico entre os dois pa�ses. Os termos ainda n�o foram publicados.


Lula e o presidente da Argentina, Alberto Fernández

Em notas enviadas pelo banco � reportagem, o BNDES admitiu que h� 'conversas em curso' sobre o financiamento de exporta��es para a obra do gasoduto

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Indagado sobre a possibilidade de o Brasil firmar um acordo prevendo a participa��o brasileira na obra do gasoduto de Vaca Muerta, o secret�rio de Am�ricas do Minist�rio das Rela��es Exteriores (MRE), Michel Arslanian Neto, n�o esclareceu se ela ser� tema de conversas entre os dois presidentes, mas afirmou que as equipes brasileira e argentina debater�o a integra��o energ�tica entre os dois pa�ses.

"O que h� � um prop�sito muito claro das equipes dos dois pa�ses, com impulso no mais alto n�vel, para avan�ar em temas como integra��o energ�tica. Claramente, a integra��o gas�fera tem um grande potencial pra ser um dos eixos estrat�gicos da nossa rela��o", disse.

Em notas enviadas � reportagem, o BNDES confirmou que h� "conversas em curso" sobre o financiamento de exporta��es de bens produzidos no Brasil por empresas brasileiras para a obra do gasoduto, mas que n�o houve uma consulta formal sobre o financiamento.

Segundo o banco, as potenciais empresas exportadoras ainda n�o est�o habilitadas a operar com o BNDES.

Ainda de acordo com o banco, uma das empresas interessadas em exportar para a obra e que procurou o BNDES n�o estaria apta para realizar opera��es com a institui��o porque tem um restri��es de contrata��o impostas pelo Tribunal de Contas da Uni�o (TCU). O BNDES n�o informou os nomes das empresas interessadas.

Hist�rico controverso

A poss�vel entrada do BNDES em um novo empreendimento internacional � considerada um ponto sens�vel para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Isso acontece, em parte, porque durante a Opera��o Lava Jato os financiamentos feitos pelo banco a pa�ses estrangeiros foram alvo de investiga��es. Por outro lado, parte das cr�ticas v�o na dire��o de que o Brasil n�o deveria emprestar dinheiro para projetos fora do pa�s.

As suspeitas sobre obras no exterior financiadas pelo BNDES surgiram ap�s o in�cio das investiga��es da Lava Jato.

Os principais alvos da opera��o foram algumas das maiores empreiteiras do Brasil como Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Andrade Gutierrez e Queiroz Galv�o. A maior parte delas mantinha contratos para realizar obras no exterior com financiamento via BNDES.

No caso da Odebrecht, por exemplo, executivos admitiram ao Departamento de Justi�a dos Estados Unidos que pagaram US$ 439 milh�es em propina para obter obras em pa�ses como Angola, Argentina, Venezuela, Mo�ambique, entre outros.

Em 2016, o BNDES suspendeu a libera��o de recursos previstos para obras de empreiteiras investigadas na Lava Jato. Em janeiro de 2017, o banco retomou os repasses, liberando recursos para a Queiroz Galv�o, que constru�a um corredor log�stico em Honduras.

Tamb�m em 2017, a Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR) denunciou membros do PT como o presidente Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) por crimes como organiza��o criminosa relacionada ao uso da Petrobras e do BNDES para arrecada��o de propina.

Em dezembro de 2019, por�m, a Justi�a Federal do Distrito Federal absolveu Lula e Dilma e outros integrantes do PT que haviam sido denunciados.

Outra cr�tica feita aos financiamentos est� relacionada aos "calotes" dados por alguns dos pa�ses que receberam financiamento.

De acordo com os dados mais recentes do BNDES, entre 1998 e 2022 foram liberados US$ 10,4 bilh�es em financiamentos para servi�os de engenharia no exterior. Entre presta��es em atraso e aquelas que j� foram indenizadas pelo seguro, o calote chega a US$ 1,03 bilh�o, o equivalente a quase 10% do total.

O pa�s com a maior d�vida atrasada � a Venezuela, que deve pouco mais de US$ 682 milh�es.


Imagem aerea do gasoduto na Argentina

Outra cr�tica feita aos financiamentos est� relacionada aos 'calotes' dados por alguns dos pa�ses que receberam financiamento

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Para a professora de Rela��es Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Miriam Saraiva, os empr�stimos a outros pa�ses s�o uma pr�tica comum em diversas partes do mundo e s�o utilizados para ampliar mercados para empresas nacionais.

Ela pontua que, apesar de fazer sentido emprestar dinheiro para outros pa�ses, o momento pol�tico do Brasil recomendaria mais cautela.

"Emprestar recursos n�o � um problema em si, mas considerando o c�lculo pol�tico, o momento pelo qual o governo est� passando, eu faria isso mais tarde. O governo ainda est� sendo formado e precisa enfrentar uma s�rie de desafios deixados pela antiga gest�o. Eu esperaria mais um pouco", disse a professora.

Ela avalia que os riscos de a Argentina dar um calote no Brasil s�o baixos, apesar de o pa�s viver uma crise econ�mica marcada por altas taxas de infla��o. Os dados do BNDES que a Argentina � um dos pa�ses para os quais o banco deu financiamento e que n�o t�m parcelas atrasadas.

Para o professor de Rela��es Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Bel�m Lopes, n�o haveria consenso sobre se os empr�stimos para empreendimentos fora do pa�s s�o pertinentes.

"N�o � algo que seja pac�fico. J� vi gente afirmando com boa t�cnica que os empr�stimos do BNDES para outros pa�ses eram racionais e j� vi gente dizendo que n�o. N�o acho que seja um terreno pac�fico", afirmou.

Lopes pontuou que apesar dos eventuais riscos, um poss�vel empr�stimo do BNDES para o empreendimento na Argentina seria uma "aposta" na retomada das rela��es com um dos principais parceiros econ�micos do Brasil.

"Existe um risco pol�tico, e n�o econ�mico, dada a instabilidade argentina. Mas acho que � uma aposta na rela��o bilateral com a Argentina, uma vez que ela ficou paralisada nesse tempo todo (durante a gest�o de Bolsonaro). � uma forma de mostrar simpatia", afirmou Lopes.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64351568