Alberto Fernández, presidente da Argentina, e Lula na posse do presidente brasileiro

Presidente argentino na posse de Lula: pa�s vizinho � o principal destino de produtos industriais do Brasil

REUTERS/Ricardo Moraes

No ano 2000, 59% do que o Brasil vendeu para o mundo foram produtos manufaturados pela ind�stria. Em duas d�cadas, essa participa��o caiu a menos da metade - 28% em 2022, conforme os dados compilados pela Associa��o de Com�rcio Exterior do Brasil (AEB).

Soja, milho, petr�leo, min�rio de ferro e carne responderam por cerca de metade de tudo o que o Brasil embarcou para o mundo no ano passado.

A mudan�a de perfil da pauta de exporta��es acabou mexendo com a lista dos principais destinos de produtos brasileiros. Hoje, o Brasil vende mais para o Oriente M�dio, por exemplo, do que para a vizinha Argentina, destino da primeira visita oficial do terceiro mandato do presidente Luiz In�cio Lula da Silva, que desembarcou em Buenos Aires neste 22 de janeiro.

A invers�o � reflexo do avan�o das commodities nas rela��es comerciais do Brasil com a comunidade internacional. Enquanto a Argentina � o principal destino dos bens manufaturados produzidos pela ind�stria brasileira, especialmente a automotiva, o Oriente M�dio compra principalmente carnes de aves (17%), milho (16%), min�rio de ferro (14%), soja (11%), a��cares e mela�os (10%) e carne bovina (5%).

O d�lar e a pol�mica da moeda comum

Uma das principais raz�es para a perda de espa�o � a crise longa pela qual passa o pa�s vizinho, avalia Jos� Augusto de Castro, presidente-executivo da AEB.

"A Argentina tem um problema s�rio de falta de d�lares", diz ele, referindo-se ao n�vel baixo de reservas cambiais, hoje em US$ 42,9 bilh�es. Para efeito de compara��o, o Brasil, por exemplo, soma US$ 324,7 bilh�es em reservas internacionais.

Para evitar a sa�da de d�lares, o governo argentino com frequ�ncia imp�e restri��es �s importa��es, o que afeta diretamente seus principais parceiros comerciais.

Uma sa�da para tentar aumentar o fluxo de com�rcio entre Brasil e Argentina seria transacionar em uma moeda que n�o fosse o d�lar - da� a ideia que circulou ap�s a reuni�o entre o embaixador argentino, Daniel Scioli, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no dia 3 de janeiro em Bras�lia, e que acabou gerando ru�do.

Ao sair do encontro, Scioli falou sobre a possibilidade de cria��o de uma moeda comum para o Mercosul. Dias depois, Haddad se irritou ao ser questionado por um jornalista sobre a possibilidade de ado��o de uma moeda �nica pelo bloco.


Nota de mil pesos em cima de notas de dólares

Argentina convive h� anos com problema de restri��o de reserva cambial

REUTERS/Agustin Marcarian

A ideia, de fato, n�o seria criar uma moeda �nica (como o euro), mas uma moeda estrutural que pudesse ser usada como mecanismo de compensa��o no com�rcio bilateral entre os dois pa�ses, diz Welber Barral, especialista em com�rcio internacional e s�cio-fundador da consultoria BMJ.

Ele lembra que o Brasil j� conta com um Sistema de Pagamentos em Moeda Local, em que Argentina e Uruguai podem pagar em suas respectivas moedas, mas � preciso fazer uma compensa��o di�ria em d�lares.

"Na pr�tica, [com esse sistema] persiste o problema das reservas cambiais."

Para ele, a moeda comum poderia ser um mecanismo para contornar o problema, mas "haveria uma quest�o pol�tica a ser tratada com a Argentina sobre os riscos de calote". Castro, por sua vez, acha que a ideia � de dif�cil implementa��o.

O presidente argentino, Bolsonaro e Lula

A visita de Lula ser� a primeira de um presidente brasileiro ao l�der argentino Alberto Fern�ndez.

Jair Bolsonaro (PL) viajou ao pa�s em 2019, quando o rival de Fern�ndez, Mauricio Macri, ainda estava na Casa Rosada. Desde que a Frente de Todos - a coaliz�o de partidos de esquerda peronistas e kirchneristas que ganhou as elei��es - assumiu o poder, ele n�o foi mais � regi�o.

O primeiro encontro entre os dois aconteceu em junho de 2022, na C�pula das Am�ricas em Los Angeles.

Na vis�o de Barral, o distanciamento na rela��o bilateral nos anos de Bolsonaro n�o chegou a afetar de forma significativa a rela��o comercial entre Brasil e Argentina, que ele considera muito est�vel.

O especialista aponta, contudo, que algumas das pol�ticas da gest�o passada acabaram contribuindo para esfriar o fluxo de com�rcio entre os dois pa�ses, entre eles a interrup��o do programa de financiamento �s exporta��es pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES). Em sua avalia��o, essa era uma pol�tica que deveria ser retomada.


Juntos, Alberto Fernández, presidente da Argentina, e Lula na posse do presidente brasileiro

Argentina � destino da primeira visita oficial de Lula

Andre Borges/EPA-EFE/REX/Shutterstock

De forma mais ampla, Barral afirma que o Brasil "ficou muito isolado internacionalmente nos �ltimos anos" e que tem agora a oportunidade de "retomar o protagonismo internacional, principalmente considerando os vizinhos".

"A Argentina vai continuar a ser um vizinho importante e o Brasil tem que melhorar o relacionamento com ela - ent�o essa visita � importante."

Os quadros do peronismo argentino t�m proximidade com o Partido dos Trabalhadores (PT). Na noite em que Fern�ndez venceu as elei��es, em 27 de outubro de 2019, um grupo grande de petistas participou das comemora��es em Buenos Aires. Entre militantes, integrantes da dire��o do partido, parlamentares e ex-parlamentares estavam o ex-senador e agora deputado Lindbergh Farias e o atual presidente do BNDES Aloizio Mercadante.

O pr�prio presidente argentino � pr�ximo de Lula. Ainda em campanha, em 2019, chegou a visit�-lo na pris�o em Curitiba.

Las palabras de mi amigo @LulaOficial me emocionan. Como dice en su carta, junto a @CFKArgentina recuperaremos de a poco nuestros lazos de fratenidad y respeto. Aprovecho para reclamar por su libertad y para enviar un c�lido saludo a todo el pueblo hermano de Brasil. #LulaLivre pic.twitter.com/igvKOacOyV

— Alberto Fern�ndez (@alferdez) October 30, 2019

Recorde de exporta��es para o Oriente M�dio

O aumento dos embarques do Brasil para o Oriente M�dio, por sua vez, � um retato da primariza��o da pauta de exporta��es brasileira.

Nos �ltimos anos, o pa�s tem vendido cada vez mais produtos b�sicos, muitos com um n�vel baixo de diferencia��o.

Tamer Mansour, secret�rio-geral da C�mara de Com�rcio �rabe-Brasileira, d� o exemplo concreto do caf�: o Brasil vende especialmente o gr�o in natura para os pa�ses �rabes, quando poderia oferecer, por exemplo, caf� em p�, mais caro e com maior valor agregado.

"N�s temos os achocolatados, sucos, �leo de soja, de milho... no caso desses produtos, infelizmente, a gente s� exporta para os �rabes as commodities", comenta.

Para al�m da ind�stria aliment�cia, ele diz, o Brasil teria o potencial para vender tamb�m produtos farmac�uticos, cosm�ticos e relacionados � moda � regi�o.

"Acho que o Brasil precisa se destacar um pouco mais, precisa entender que essa c�pula do mundo �rabe, especialmente da parte do Golfo, tem como absorver produtos de maior valor agregado de origem brasileira."


Navio de contêiner em Dubai

Navio de cont�iner em Dubai: Emirados �rabes t�m se tornado hub para distribui��o de produtos na �sia Central

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Os US$ 17,2 bilh�es que o Brasil embarcou para a regi�o em 2022 s�o o maior valor da s�rie hist�rica da Secretaria de Com�rcio Exterior, que come�a em 1997.

O primeiro destino foi o Ir�. Milho e soja responderam por 80% dos US$ 4.3 bilh�es vendidos ao pa�s persa. Entre os �rabes, os principais mercados foram os Emirados �rabes Unidos (US$ 3,3 bilh�es), que t�m se tornado um hub de distribui��o de produtos para a �sia Central, e a Ar�bia Saudita (US$ 2,9 bilh�es).

Na avalia��o de Mansour, parte do aumento das exporta��es para os pa�ses �rabes se deve � valoriza��o dos pre�os de commodities no ano passado e � Copa do Catar, que contribuiu para elevar a demanda por produtos b�sicos.

A rela��o da gest�o Bolsonaro com os pa�ses da regi�o teve um in�cio turbulento com a proposta, em 2019, de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusal�m, cidade disputada por israelenses e palestinos. O governo recuou da ideia e, com o tempo, passou a acenar mais aos pa�ses da regi�o, especialmente por meio do Minist�rio da Agricultura.

"Isso nos causou um desconforto inicial. Eu acho que o governo - especialmente, naquela �poca, a Tereza Cristina (ministra da Agricultura) - conseguiu muito bem contornar a situa��o, absorver a import�ncia do mundo �rabe no agro brasileiro."

Sobre o terceiro mandato de Lula, Mansour diz acreditar que a rela��o com a regi�o deve se estreitar e cita a visita do presidente ao Egito antes de sua posse, em novembro, para participar da Confer�ncia da ONU sobre Mudan�as Clim�ticas (COP 27).

"Foi o presidente Lula que desenvolveu a C�pula Aspa [C�pula Am�rica do Sul - Pa�ses �rabes, inaugurada em 2005], ent�o isso mostra como esse governo deve olhar com profundidade para os pa�ses �rabes", acrescenta.