Lula sorrindo

O presidente Lula veio a p�blico nos �ltimos dias criticar a atua��o da autoridade monet�ria, dizer que a autonomia da autarquia � bobagem e classificar a atual meta de infla��o como exagerada

Photo by DOUGLAS MAGNO / AFP
O inc�modo de Luiz In�cio Lula da Silva (PT) e seus ministros com o patamar elevado dos juros no Brasil tem levado a nova administra��o a elevar a press�o sobre o Banco Central. Os limites da rela��o s�o testados no in�dito cen�rio de uma autoridade monet�ria comandada por nomes n�o indicados pelo novo governo, e com autonomia para suas fun��es.


Do outro lado, o BC tem alertado para problemas que a expans�o de gastos pode gerar sobre a infla��o, especialmente diante das maiores despesas em 2023 e da elevada incerteza sobre a regra que substituir� o teto de gastos -a qual ser� proposta at� abril, de acordo com a previs�o do governo.


A troca de recados entre Lula, os integrantes do primeiro escal�o e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ganhou temperatura na �ltima semana e explicitou as diverg�ncias.


O presidente veio a p�blico nos �ltimos dias criticar a atua��o da autoridade monet�ria, dizer que a autonomia da autarquia � uma bobagem e classificar a atual meta de infla��o como exagerada.

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"� uma bobagem achar que o presidente de um BC independente vai fazer mais do que fez o BC quando o presidente [da Rep�blica] era quem indicava", afirmou. "Por que, com o BC independente, a infla��o est� do jeito que est� e o juro est� do jeito que est�?"

Indicado de Bolsonaro na presid�ncia do BC

A tens�o ocorre porque esta � a primeira vez que a autonomia do BC � testada em face de um governo que n�o indicou os diretores. At� 2024, Lula ter� de conviver com o titular da autarquia indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Campos Neto, que est� no comando do BC desde 2019, se comprometeu a ficar no cargo at� o fim do mandato e antecipou que n�o tem interesse em um segundo.


Em vigor desde fevereiro de 2021, no governo Bolsonaro, a lei de autonomia determina mandatos fixos de quatro anos ao presidente e aos diretores do BC, que podem ser renovados apenas uma vez e n�o s�o coincidentes com o do presidente da Rep�blica. A medida busca reduzir a inger�ncia pol�tica sobre a institui��o.


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"Vamos vivenciar pela primeira vez um ano em que teremos um novo governo junto com um presidente de BC indicado pelo anterior. Ent�o, teremos um per�odo de adapta��o no qual qualquer movimenta��o pode querer ser sinalizada como algum tipo de recado ou diverg�ncia", diz Carla Beni, professora de MBAs da FGV (Funda��o Getulio Vargas).

Escalada no tom contra o BC

As declara��es recentes do petista representaram uma escalada no tom contra o BC, geraram estresse ao pressionar os juros negociados pelo mercado e obrigaram o pr�prio governo a vir a p�blico ajustar o discurso. Coube ao ministro Alexandre Padilha (Rela��es Institucionais) dizer que o presidente n�o vai agir contra a autonomia da autoridade monet�ria.

A postura de Lula, no entanto, n�o � isolada no governo, e o pr�prio ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), tem feito press�o sobre a autarquia com queixas ao patamar dos juros. Para ele, o pa�s vive uma "situa��o an�mala", com "uma infla��o comparativamente baixa e uma taxa de juro real fora de prop�sito para uma economia que j� vem se desacelerando".

Em entrevista a jornalistas no �ltimo dia 12, acrescentou que esse � um "jogo" que o governo est� "aprendendo a fazer". "Antigamente n�o existia independ�ncia do BC, agora existe, precisamos entender", afirmou Haddad ap�s apresentar um pacote de medidas para melhorar as contas p�blicas, que classificou como uma "carta para o BC".

"Vamos [Minist�rio da Fazenda e BC] trocando cartas at� o dia em que a gente celebra um entendimento maior", disse. O coment�rio foi feito poucos dias ap�s o BC enviar uma carta a Haddad justificando o estouro da meta de infla��o e dizendo que acompanha com especial aten��o a pol�tica do governo para a �rea fiscal.

Apesar do tom, o titular da pasta destacou que respeita a independ�ncia da autarquia. "Eu n�o tenho de estar satisfeito ou insatisfeito com o BC, tenho de respeitar a institucionalidade, respeitar a independ�ncia que foi aprovada e buscar os caminhos para harmonizar as pol�ticas", afirmou.

Ultrapassando limites 

Para Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha, Haddad est� "ultrapassando o limite de suas prerrogativas e, repetidas vezes, buscando, por meio de falas p�blicas, intimidar o Banco Central de forma a induzir decis�es relativas � pol�tica monet�ria".

 

Ele destaca que "cabe ao ministro da Fazenda cuidar das quest�es fiscais sem criar ru�dos ou conflitos pol�ticos com o BC", que, na vis�o dele, est� atuando dentro de suas compet�ncias. "N�o vejo o presidente ou os diretores do BC se pronunciando fora dos documentos oficiais sobre pol�tica fiscal ou qualquer outra coisa fora de sua al�ada".

J� Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC, v� uma converg�ncia de interesses depois de Haddad ter declarado que as pol�ticas fiscal e monet�ria precisam atuar em harmonia. "Tem muitas coisas em aberto, mas n�o me parece que tenha um curto-circuito", diz.

O presidente do conselho da Jive Investments ressalta que o ministro iniciou sua gest�o em uma situa��o de fragilidade diante das declara��es de Lula sobre a exist�ncia de um conflito entre responsabilidade fiscal e social, recebidas de forma negativa pelo mercado. "Haddad tem de falar e fazer coisas que tragam sensa��o de estabilidade � frente. Ele est� fazendo corretamente, � melhor falar mais do que falar menos, mas n�o adianta falar para um lado e fazer para outro", afirma.

Ex-diretor do BC, Tony Volpon pondera que o ideal seria o ministro da Fazenda n�o entrar em discuss�es sobre n�vel de juros, citando os Estados Unidos como exemplo. No entanto, reconhece que, no caso brasileiro, h� um trabalho de adapta��o por parte "de um governo de esquerda � ideia de ter um Banco Central independente".


Para o economista, a tens�o entre governo e BC pode se acirrar nos pr�ximos meses se houver frustra��o com rela��o ao n�vel de atividade econ�mica. Se o cen�rio de desacelera��o esperado pelo mercado se confirmar, ele projeta como alternativa "boa" o governo rever suas perspectivas e trabalhar para dar ao BC condi��es de reduzir os juros de forma respons�vel.

J� a alternativa "ruim", na opini�o dele, seria o governo culpabilizar a autoridade monet�ria, falar em mudar a meta de infla��o e "querer mexer na pol�tica monet�ria em fun��o de uma frustra��o com o crescimento econ�mico e o resultado da sua pol�tica fiscal".


"Acredito que isso foi grande parte do desastre do governo Dilma [Rousseff] na �rea econ�mica. A Dilma se frustrou com o crescimento em 2011 e come�ou a mexer em um monte de coisas, inclusive fez uma interfer�ncia velada no Banco Central em 2012. A partir da� teve toda a sequ�ncia de eventos que levou � recess�o de 2014 a 2016", afirma.

Apesar da conjectura, ele n�o v� isso como uma "briga contratada". "Por enquanto d� para ficar nesse jogo mais amig�vel", acrescenta.

Na quinta-feira (19), Campos Neto relativizou as cr�ticas feitas por Lula � autonomia formal do BC, argumentando que informa��es s�o retiradas de contexto em algumas entrevistas e colocando as declara��es do presidente em perspectiva.

"Acho que ele [Lula] quis dizer 'eu n�o acho que precisamos ter a independ�ncia na lei, pode ter a independ�ncia sem a lei e fazer as coisas funcionarem'", disse o presidente do BC em evento na UCLA (Universidade da Calif�rnia em Los Angeles). "Mas quando voc� pensa no que est� acontecendo no Brasil e qu�o dif�cil foi o processo da elei��o no Brasil, acho que o mercado estaria bem mais vol�til se o BC n�o tivesse a autonomia na lei. Seria outro elemento de incerteza".