Mulher trabalhando em �rea rural
Em meio � Grande Depress�o nos Estados Unidos na d�cada de 1930, o economista Simon Kuznets buscou uma maneira de avaliar a atividade econ�mica do pa�s para ajud�-lo a sair da violenta crise.
Ele se perguntava quais eram as atividades realmente produtivas e como era fomentado o bem-estar em um pa�s. Por�m, quando a Segunda Guerra Mundial come�ou, a prioridade de medir a riqueza gerada por um pa�s mudou: era preciso saber quanto se produzia e quanto sobrava para financiar a guerra.
Com o fim do conflito b�lico, os Estados Unidos tinham que saber como estavam os benefici�rios da ajuda econ�mica destinada � reconstru��o, ent�o todos passaram a usar o indicador-chave para esse objetivo: o Produto Interno Bruto (PIB).
Kuznets, no entanto, n�o estava muito orgulhoso do que havia ajudado a criar, porque no fim das contas a medida que teoricamente iria refletir o bem-estar econ�mico acabou sendo a soma de todos os bens e servi�os que um pa�s produz em um ano.

Kuznets recebendo o Pr�mio Nobel de Economia em 1971
Getty Images"� preciso ter em mente as distin��es entre a quantidade e a qualidade do crescimento", disse o pr�prio Kuznets em 1962.
Sete d�cadas depois, o PIB continua sendo usado para medir a riqueza gerada por um pa�s.
O problema n�o � o PIB em si, dizem os cr�ticos, mas o poder supremo que lhe foi dado para refletir o sucesso ou o fracasso de uma na��o.
Por isso, defendem que � preciso dar um fim � "ditadura do PIB", ou, como diz o pr�mio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, ao "fetichismo do PIB".
Eles argumentam que, embora o crescimento econ�mico tenha gerado mais empregos, rendas mais altas e mais riqueza, as desigualdades entre as elites e o restante da popula��o se aprofundaram nas �ltimas d�cadas.
Por outro lado, dizem que o "dogma" de produzir mais e consumir cada vez mais levou � destrui��o do planeta.
Em contrapartida, os defensores do PIB argumentam que o crescimento econ�mico � o que deu ao mundo o tratamento contra o c�ncer, o acesso � eletricidade e � �gua pot�vel e uma expectativa de vida mais longa. Em suma, que o crescimento gerou bem-estar.
A seguir, est�o alguns mitos que cercam a medida controversa.
Mito 1: as economias com PIB mais alto s�o melhores que as demais
O PIB � a forma como classificamos os pa�ses e julgamos seu desempenho. O n�mero � fundamental porque a elabora��o do or�amento pelos governos depende dele e esse dado tamb�m permite o acesso a informa��es fundamentais para a tomada de decis�es.
Ele tamb�m determina o valor dos empr�stimos que um pa�s pode solicitar e a que taxa de juros, al�m de influenciar as decis�es de investimento.
No entanto, as economias mais ricas tendem a crescer menos que as demais porque est�o em outra fase de desenvolvimento, n�o necessariamente porque est�o indo mal.

Trabalhadores em obra
Getty ImagesTamb�m acontece o contr�rio, quando o PIB de um pa�s parece incrivelmente alto, mas n�o reflete necessariamente o cen�rio como um todo.
Basta ver o famoso "rebote estat�stico" que acontece quando o PIB de um pa�s cai vertiginosamente e, no ano seguinte, cresce "espetacularmente", fen�meno que ocorre porque a base de compara��o � muito baixa.
Foi o que aconteceu com a pandemia de covid-19. O M�xico, por exemplo, cresceu incr�veis 4,8% em 2021, mas vinha de uma queda brutal de -8,1% no ano anterior.
A Bol�via, por sua vez, aumentou seu PIB para 6,1%, mas saiu de -8,7% em 2020.
Por outro lado, temos o caso da Venezuela, que este ano ser� o pa�s com maior crescimento da Am�rica Latina, chegando a incr�veis 6,5%, segundo o Fundo Monet�rio Internacional (FMI).
A Venezuela � realmente a economia mais bem-sucedida da Am�rica Latina devido ao aumento do seu PIB?
Economistas apontam que, ap�s anos de hiperinfla��o, aumento da pobreza e queda recorrente do crescimento econ�mico, o que estamos testemunhando � uma recupera��o.
Mas o fato de ter o maior crescimento em rela��o �s demais n�o � sin�nimo de ser a economia mais bem-sucedida da regi�o.
Outro exemplo de PIB alto que nada tem a ver com sucesso acontece quando h� guerras ou desastres naturais, devido aos gastos p�blicos gigantescos que os governos precisam fazer.
Um aumento do PIB pode refletir coisas que voc� n�o quer que aconte�am, diz Dimitri Zenghelis, cofundador do Wealth Economy Project da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, � BBC.
"Voc� pode enfrentar um terremoto, como aconteceu no Jap�o em meados dos anos 1990. Isso gera muita atividade econ�mica por causa da reconstru��o, muito PIB", explica.
"Mas ningu�m em s� consci�ncia gostaria que isso acontecesse."

Mulher segurando uma inje��o
Getty ImagesMito 2: o PIB mede apenas atividades legais
O PIB n�o distingue atividades legais e ilegais porque coloca tudo no mesmo saco.
"As ogivas nucleares de Kim Jong-un funcionam t�o bem quanto as camas de hospital ou a torta de ma��", diz David Pilling, autor de The Growth Deception: The Wealth and Well-Being of Nations (A decep��o do crescimento: a riqueza e o bem-estar das na��es, em tradu��o literal).
A inje��o de dinheiro na economia proveniente do tr�fico de drogas, de armas ou de seres humanos tamb�m tem impacto no crescimento econ�mico.
As organiza��es criminosas geram empregos, aumentam o consumo, criam grandes cadeias de produ��o, distribui��o e comercializa��o que, direta ou indiretamente, fazem parte do PIB.
A Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) estima que entre 2% e 5% do PIB mundial � gerado por lavagem de dinheiro, embora o n�mero possa ser muito maior devido �s dificuldades de c�lculo.

Trabalhadoras em ind�stria de tecido
Getty ImagesMito 3: aumento do PIB � sin�nimo de maior bem-estar para toda a popula��o
Isso � relativo. Pode ser que em alguns pa�ses o crescimento gere mais bem-estar para a maioria da popula��o, e em outros gere mais riqueza apenas para alguns.
Nesse sentido, o PIB por si s� n�o � sin�nimo de bem-estar, desenvolvimento ou sucesso.
Para ter um retrato mais realista do desempenho de um pa�s, dizem os especialistas, � preciso agregar outras medidas, como o �ndice de Gini, que estuda a distribui��o de renda, ou o �ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Na��es Unidas, que atenta para a expectativa de vida, alfabetiza��o, educa��o e outros elementos relacionados � qualidade de vida das pessoas.
Por outro lado, as m�dias em rela��o ao crescimento econ�mico podem ser enganosas.
O famoso PIB per capita � uma medida �til para dividir o valor da atividade econ�mica de um pa�s pelo n�mero de habitantes. � uma m�dia, mas n�o diz nada sobre a distribui��o da riqueza.

Homem comprando alimento em mercado
Getty ImagesUm dos melhores exemplos da ilus�o causada por essas m�dias foi dado pelo antipoeta chileno Nicanor Parra, que, antes de se dedicar � literatura, foi professor de matem�tica, f�sica e mec�nica racional.
"H� dois p�es. Voc� come dois. Eu, nenhum. Consumo m�dio: um p�o por pessoa."
Mito 4: o crescimento do PIB n�o tem efeitos negativos
A medi��o do PIB inclui o n�mero de carros fabricados, mas n�o suas emiss�es, o que no fim das contas acaba levando a maiores gastos com sa�de e outros efeitos relacionados � polui��o.
O PIB "tamb�m inclui os detritos de pl�stico flutuando no oceano, alarmes antirroubo e gasolina consumida em um engarrafamento", diz David Pilling.
Deste ponto de vista, um pa�s pode ter um crescimento elevado e ao mesmo tempo comprometer o seu futuro.
"Se o seu crescimento � baseado em atividades que n�o s�o sustent�veis, como a destrui��o do meio ambiente, ent�o n�o � bom", observa Zenghelis.
Nos �ltimos anos, a ideia de crescimento sustent�vel e inclusivo ganhou espa�o para neutralizar seus efeitos negativos, como prop�e a Comiss�o Econ�mica para a Am�rica Latina e o Caribe (CEPAL).

Mulher trabalhando em ind�stria
Getty ImagesO foco n�o � diminuir, mas atentar para a qualidade do crescimento.
O que diria Simon Kuznets, o criador do PIB, se ainda estivesse vivo?
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