Ivonete, Paulo, Marleide: na fila do Feir�o Limpa Nome, paulistanos contam hist�rias de desemprego e neg�cios fechados pela pandemia, que levaram a %u2018bola de neve%u2019 de d�vidas em atraso
A diarista Ivonete Costa da Silva Oliveira, casada e m�e de quatro filhos, foi dispensada de todas as cinco casas em que trabalhava durante a pandemia. Contando apenas com um sal�rio m�nimo da aposentadoria do marido, a fam�lia viu as contas em atraso se acumularem.
“Atrasei cinco contas de luz, atrasei Sabesp e outras coisas tamb�m”, conta Ivonete, sobre o per�odo dif�cil em que esteve desempregada.
J� de volta ao trabalho agora em quatro casas, ela conseguiu pagar algumas de suas d�vidas. Mas, mesmo depois de renegociar as contas em atraso com a Enel, concession�ria de energia paulistana, n�o conseguiu pagar as parcelas do acordo e voltou � inadimpl�ncia.
“Eu quero fazer outro acordo para pagar e ficar em dia. Uma d�vida como essa de energia, a gente vive com medo de ter o servi�o cortado. Eu vou trabalhar e todo dia chego pensando ‘Meu Deus, ser� que j� cortaram minha luz?’. Ent�o eu quero ficar livre desse pesadelo”, afirma.
Somente no Estado de S�o Paulo, regi�o que concentra o maior volume de pessoas com d�vidas em atraso do pa�s, os inadimplentes chegaram a 16,3 milh�es em janeiro de 2023, alta de 8,6% em cinco anos. O volume recorde j� representa 45% da popula��o do Estado, conforme o bir� de cr�dito.
No Brasil como um todo, a d�vida m�dia dos inadimplentes � de R$ 4.612,30, valor 19% maior do que h� cinco anos. Em S�o Paulo, a d�vida m�dia � ainda mais alta, chegando a R$ 5.324,66 em janeiro deste ano.
Em meio a esse cen�rio de crise, agravado pelos juros elevados, a Serasa realiza esta semana uma edi��o presencial extraordin�ria de seu Feir�o Limpa Nome em S�o Paulo.
O evento, voltado � renegocia��o de d�vidas, acontece at� 11 de mar�o, das 8h �s 18h, no Largo da Batata, na zona oeste da capital paulista – infelizmente, a Enel n�o participa do feir�o dessa vez, para decep��o de Ivonete, mas outras 400 empresas oferecem descontos de at� 99% aos devedores nas negocia��es.
A BBC News Brasil conversou com pessoas que aguardavam na fila do feir�o para entender como chegamos ao ponto de ter quatro em cada dez brasileiros adultos com nome sujo.
Em comum, esses paulistanos contam hist�rias de desemprego e neg�cios fechados durante a pandemia, que levaram a uma “bola de neve” de d�vidas em atraso.
O governo federal planeja lan�ar em breve o programa Desenrola, com foco na renegocia��o de d�vidas de at� R$ 5 mil para pessoas com renda at� dois sal�rios m�nimos (R$ 2.604).
Na segunda-feira (6/3), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a iniciativa deve garantir a renegocia��o de at� R$ 50 bilh�es em d�vidas de 37 milh�es de CPFs atualmente negativados.
Procurada, a Enel Distribui��o S�o Paulo informou que tem participado com frequ�ncia de edi��es de feir�es em parceria com o Serasa e que n�o participou desta edi��o em espec�fica do Feir�o Limpa Nome.
A empresa disse ainda que estuda a possibilidade de participa��o em outras edi��es do evento ao longo do ano e que a negocia��o de contas em atraso pode ser realizada em todos os seus canais de atendimento (lojas, postos de atendimento, call center, site e app).
No Feir�o Limpa Nome, consumidores tamb�m podem renegociar suas d�vidas atrav�s do canais digitais da Serasa at� o dia 31 de mar�o.
'Se Deus aben�oar, eu consigo pagar'
O barbeiro Paulo Barbosa do Nascimento, de 44 anos, conta que a renda apertou quando foi mandado embora do sal�o em que trabalhava, ainda em 2019.

'Se Deus aben�oar, eu consigo pagar', diz Paulo Barbosa do Nascimento
Thais Carran�a/BBC“Devo para o banco e umas compras que fiz em algumas lojas no cart�o de cr�dito. Eu n�o consegui pagar a fatura quando fiquei desempregado”, diz Paulo. “Fui usando o cart�o para suprir as coisas que eu estava precisando, a� meu nome ficou sujo, fiquei devendo.”
O trabalhador conta que, por conta das d�vidas, j� passou por situa��es constrangedoras, como tentar fazer uma compra em loja e ter o pedido negado, devido ao nome sujo.
Agora trabalhando por conta pr�pria, o barbeiro estima que suas d�vidas chegam a cerca de R$ 3 mil.
“N�o � muito, ent�o se Deus aben�oar, eu consigo pagar”, afirma, esperan�oso.
Segundo a Serasa, mesmo em tend�ncia de queda, o desemprego ainda � apontado como principal causa para o endividamento. Em 2022, 29% citavam esse motivo como a raz�o de suas d�vidas em atraso. A redu��o de renda (12%) � o segundo fator mais mencionado.
Entre as principais formas de endividamento em 2022 estavam o cart�o de cr�dito (53%) e o credi�rio, carn� e cart�o de lojas (31%), justamente as d�vidas que afligem o barbeiro Paulo.
'Perdi meu neg�cio e acumulei R$ 45 mil em d�vidas na pandemia'
Marleide Barbosa de Azevedo, de 51 anos, tenta recome�ar a vida com um sal�o de cabeleireiro, ap�s ver a lanchonete que tocava com o marido fechar as portas durante a pandemia.
“A gente tinha uma lanchonete no Br�s, bem na frente do Templo de Salom�o [sede da Igreja Universal do Reino de Deus] e, na pandemia, ficamos devendo bastante”, conta a pequena empres�ria, casada e m�e de um menino.

'A gente nunca teve o nome sujo. S� que, na pandemia, os brasileiros ficaram todos endividados', diz Marleide Barbosa de Azevedo
Thais Carran�a/BBCMarleide conta que, antes da pandemia, a lanchonete chegava a fazer R$ 2.500 numa segunda-feira, s� com a venda de churrasquinho grego. Depois da covid-19, as vendas ca�ram a uma faixa de R$ 200 a R$ 250 e a lanchonete acabava perdendo carne e p�es n�o vendidos, al�m de ter que arcar com um aluguel de R$ 5 mil.
“Ficamos um ano fechados e acumulamos muita d�vida nos cart�es e com fornecedores. Conseguimos pagar algumas, mas outras a gente n�o consegue e eles mandam nosso nome para protesto.”
Segundo Marleide, uma d�vida de R$ 9 mil com o Carrefour j� passa de R$ 30 mil devido aos juros, ap�s o casal n�o conseguir pagar as faturas. No total, entre cart�es e fornecedores, ela estima que as obriga��es em atraso do casal chegam a R$ 45 mil.
“Nunca fiquei devendo, nem eu, nem meu esposo. A gente nunca teve o nome sujo. S� que, na pandemia, os brasileiros ficaram todos endividados”, afirma.
“Agora, faz oito meses, eu consegui abrir um sal�ozinho, mas tamb�m estou l� pela f�, porque est� bem parado. E as coisas est�o muito dif�ceis, porque est� tudo muito caro”, acrescenta.
Marleide relata a tristeza que foi ver seu pequeno neg�cio fechar as portas na pandemia.
“S� n�o entrei numa depress�o porque a gente tem que ter muita f� em Deus. Fiquei um ano e meio em casa e s� faltava enlouquecer. Agora deu uma melhorada, mas continua sendo uma luta.”
'A gente foi parcelando e n�o conseguia pagar as parcelas'
O marceneiro H�lio Correia do Santos, de 59 anos, conta que seus problemas financeiros come�aram quando ele ficou afastado do trabalho recebendo aux�lio do INSS por um problema de sa�de nas pernas.

'Ter d�vida � bem ruim, voc� n�o consegue dormir direito, fica no estresse, o servi�o n�o rende. N�o desejo isso a ningu�m', diz H�lio Correia do Santos
Thais Carran�a/BBC“Fiquei sem trabalhar um bocado de tempo e n�o tive condi��o de pagar essas d�vidas”, afirma. “Foi atropelando, a gente foi parcelando e n�o conseguia pagar as parcelas, a� quebrava o acordo e a d�vida se multiplicava. A� deu nessa bola de neve que eu estou tentando resolver.”
H�lio conta ter d�vidas com a Enel, Bradesco, Sabesp e cart�o de cr�dito.
“Faz uns tr�s anos que estou nessa situa��o. Eu passei um pouco por dificuldade, mas agora tenho certeza de que vai melhorar”, acredita.
“Ter d�vida � bem ruim, voc� n�o consegue dormir direito, fica no estresse, o servi�o n�o rende. � muito complicado ficar em d�vida, n�o desejo a ningu�m passar por isso, porque � muito dif�cil.”
'Ou paga a luz ou come, qual voc� escolhe?'
Em meio a um tratamento contra um c�ncer, Adriana Nogueira Moreira, de 50 anos, atravessou quase 30 km entre o Jardim Rodolfo Pirani, em S�o Mateus na zona leste de S�o Paulo, at� o Largo da Batata na zona oeste, com o objetivo de renegociar suas contas de luz em atraso. Saiu decepcionada pela aus�ncia da Enel no feir�o de renegocia��o.
“N�s moramos num conjunto habitacional e l� a conta de energia vem um absurdo, voc� pode economizar do jeito que for. Ent�o eu fui deixando, deixando, e agora acho que tenho uns R$ 20 mil para pagar”, conta a aposentada por invalidez, que tem ainda outras diversas d�vidas.
Com a renda de sua aposentadoria e o sal�rio de ajudante de obras do marido, ela conta que n�o sobra para botar em dia as contas em atraso.
“Tenho que comprar meus rem�dios. Eu tomo morfina, e �s vezes tem na farm�cia de alto custo [do SUS], �s vezes n�o tem, ent�o tem que comprar. � dif�cil”, conta Adriana.
O esposo da aposentada, que at� ent�o ouvia a conversa em sil�ncio interv�m: “Ou paga a luz ou come, qual voc� escolhe?”, questiona � reportagem da BBC News Brasil, voltando em seguida ao sil�ncio.
Adriana preferiu n�o tirar foto ap�s contar sua hist�ria.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd1j3z5kggeo
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